O CRIME DO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES

23/11/2019 às 10:49
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DISCUTE-SE AQUI SOBRE A NATUREZA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES.

O CRIME DO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES

Rogério Tadeu Romano

Há o crime de frustrar ou fraudar o caráter competitivo das licitações, artigo 90 da Lei n. 8666/93, onde o sujeito ativo é o concorrente que frustra ou frauda, mediante ajuste, combinação ou outro expediente qualquer, a natureza competitiva do procedimento licitatório, valendo-se de outro concorrente ou do servidor público ou agindo só, como ensina Diógenes Gasparini (Crimes na Licitação, Editora NDJ, 3ª edição, pág. 102).

Na modalidade de frustrar, aperfeiçoa‐se o tipo através da conduta que impede a disputa do procedimento licitatório. Isso ocorre se o agente público objetiva assegurar a vitória de um determinado licitante.    Poderá ainda a conduta envolver um ardil para o qual o sujeito impede a eficácia da licitação.   O crime estará consumado com a realização do procedimento licitatório frustrado ou fraudado o seu caráter competitivo.   Trata‐se de crime de consumação diferida, de natureza material, aguardando‐ se a conclusão do certame para que se tenha como consumado.    O Anteprojeto do Código Penal, em seu artigo 317, prevê tal conduta, penalizando com pena de prisão, de dois a quatro anos.  

Não há nesse crime nada que possa sugerir uma finalidade específica como é própria do elemento subjetivo do tipo, em face do seu especial fim de agir, também chamado de dolo específico (a partir de expressões do tipo, a fim de.... com o propósito de... no intuito de...com motivo de..., sempre a demonstrar uma disposição ou motivação especial, o que não ocorre nessa aludida figura delitiva).

 Tem-se que surge o dolo específico quando exija o tipo, como condição da própria tipicidade, que o agente realize a ação visando a uma determinada finalidade, diversa da vontade acrisolada à conduta. Desta sorte, no dolo específico observa-se o acréscimo de certa intenção à vontade genérica de realizar o comportamento incriminado. Há, portanto, explícita na estruturação típica do delito, uma intenção que se agrega e adiciona a outra, de cunho genérico, necessária para a constituição jurídica do crime. É a vontade que excede à do tipo, ampliando seu conteúdo subjetivo”.

Portanto, a omissão eloquente nesse dispositivo legal, ao não fazer referência explícita a qualquer finalidade específica, como é própria do dolo específico, isso fala por si mesmo, o que bem demonstra que essa construção jurisprudencial hoje predominante nessa Col. Corte Superior se deu em descompasso com as melhores lições do direito penal, das quais por certo o Pretório Excelso se valeu ao assim decidir: “...Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o é quando dá-se a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa” (RE nº 160.381-0/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.08.1994).

O tipo envolve concurso de agentes. Ora, a lei fala em ajuste ou combinação, isto pode ocorrer quando os sujeitos envolvidos arranjam um acordo para assegurar a vitória de um deles ainda que por condições paralelas.   Afronta‐se nessa conduta o caráter competitivo da competição.  

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o crime do art. 90 da Lei n. 8.666/1993 é formal e prescinde da existência de prejuízo ao erário, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no procedimento licitatório. A decisão (AgRg no REsp 1793069/PR) teve como relator o ministro Jorge Mussi:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À LICITAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROVA. PARTICIPAÇÃO DIRETA DO RÉU. SÚMULA N. 7/STJ. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO. AGRAVANTE GENÉRICA (ART. 61, II, G, CP). BIS IN IDEM. NÃO CONFIGURADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A alegação de inépcia da denúncia fica superada com a superveniente prolação da sentença condenatória, na qual houve exaustivo juízo de mérito acerca dos fatos delituosos denunciados. Precedentes. 2. A análise do tema relativo à ausência de indicação de prova da participação direta do réu na prática do delito é inviável em recurso especial, por demandar o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada na espécie ut Súmula n. 7/STJ. 3. Consoante orientação jurisprudencial desta Corte, o delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, é formal, bastando para se consumar a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente de demostração de recebimento de vantagem indevida pelo agente e comprovação de dano ao erário (HC 341.341/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 30/10/2018). 4. É perfeitamente factível a incidência da agravante genérica prevista no art. 61, II, g, do Código Penal no crime de fraude em licitação, porquanto foi violado dever inerente à função pública que o recorrente exercia, circunstância que não integra o tipo previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 (REsp 1484415/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 22/02/2016). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1793069/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 19/09/2019).

Precedentes no mesmo sentido:

  • EDcl no REsp 1623985/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 12/09/2019
  • AgRg no AREsp 1345383/BA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 12/09/2019
  • RHC 94327/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 19/08/2019
  • AgRg no REsp 1533488/PB, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019
  • HC 341341/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 30/10/2018

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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