Reforma Trabalhista: Impossibilidade da Extinção Imediata do Feito por Ausência de Liquidação de Pedidos

Vício Sanável; Violação ao Acesso à Justiça; Gratuidade da Justiça; Honorários de Sucumbência

24/11/2019 às 19:39
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As mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista não podem ser palco para injustiças, assim como, os novos dispositivos legais devem ter harmonia e sincronia com as demais leis, principalmente com a Carta Magna Brasileira.

A reforma trabalhista trouxe mudanças recentes ao processo e dentre elas a indicação de valores aos pedidos sob pena de extinção da ação, nos termos do artigo 840 da CLT, entretanto, ainda assim, não seria o caso de extinção imediata da ação, nem tampouco em condenação do Autor ao pagamento de honorários de sucumbência, cuja precipitação fugaz acarreta, inclusive, em violação ao acesso à justiça.

Portanto, considerando que a Lei 13.467/17, citada Reforma Trabalhista, entrou em vigor no mês de novembro de 2017, não há sequer entendimento Jurisprudencial pacificado ou de trato corriqueiro que imputasse uma linha de entendimento fixo aos novos temas criados.

Todavia, o próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST tem posicionamento pacífico acerca da aplicação do art.321 do Novo Código de Processo Civil – NCPC nas demandas trabalhistas, ressaltando tal entendimento mediante a criação da Súmula 263 que defende que a ausência de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal NÃO acarreta a imediata extinção do feito antes de intimada a parte litigante para corrigi-lo.

                   Súmula nº 263 do TST

PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. INSTRUÇÃO OBRIGATÓRIA DEFICIENTE (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016

Salvo nas hipóteses do art. 330 do CPC de 2015 (art. 295 do CPC de 1973), o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 15 (quinze) dias, mediante indicação precisa do que deve ser corrigido ou completado, a parte não o fizer (art. 321 do CPC de 2015).

 

Logo, a preservação do processo, a atenção ao Princípio da Economia Processual, o respeito aos litigantes, a adequação processual à legislação subsidiária, e já existente, são fundamentais e totalmente aplicáveis ao caso suscitado.

Assim, o artigo 321 do NCPC aduz que O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado”, portanto, tal dispositivo é naturalmente e juridicamente aplicável nas condições inovadoras trazidas pelo art.840 da CLT, cuja medida se mostra razoável e devidamente fundamentada na legislação subsidiária que estabelece a concessão de 15 dias para emenda ou complementação, alinhada ainda ao art.796 da CLT que dispõe que “A nulidade não será pronunciada: a) quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato”; e também ao art.317 do NCPC que diz que “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício”.

Sobre o tema cite-se Maurício Godinho Delgado:

“Ausentes, contudo, os requisitos explicitados no parágrafo 1º do art. 840 da CLT, em sua nova redação, o juiz deverá conferir ao autor prazo de 15 dias para a correção da petição inicial, ao invés de, simplesmente, de imediato, extinguir o processo (ou os pedidos, se a falha for apenas parcial), sem resolução do mérito. É que deflui da regra inserta no art. 321 do CPC-15, harmônico, a propósito, ao fixado nos arts. 4º, 6º e 317 do mesmo diploma processual geral.”

 

De outra forma, ao Magistrado é prudente, antes de tomar qualquer providência processual, analisar a petição inicial antes de citar a parte adversa, verificando se há ou não a possibilidade de emenda ou indeferimento liminar, sendo assim, quando o Juiz impulsiona o feito trazendo a parte adversa à demanda, é fato que o mesmo entende que não há qualquer condição de indeferimento liminar da petição inicial sem a oportunização à parte autora de sua emenda, principalmente, porque, em relação a situação aqui suscitada, o art.840 da CLT ao determinar a liquidação dos pedidos estabelece mera indicação de valores, haja vista que se fosse insanável acarretaria o indeferimento liminar da petição inicial sem a possibilidade de formação da relação processual.

Neste contexto, vale destacar o que dizem os doutrinadores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

“Chama-se ‘emenda à petição inicial’ a possibilidade que o juiz confere à parte autora, no momento em que lhe é apresentada a petição inicial, de sanar eventual incorreção ou até mesmo omissão nela contida.” (MARINONI e ARENHART, 2008, p. 89).

 

Ademais, considerando a possibilidade da parte Autora fazer constar no rol dos pedidos da exordial a liquidação da sentença pelo Juízo e a gratuidade da justiça justifica-se a desnecessidade da liquidação dos pedidos, haja vista que à parte Postulante e ao advogado não é exigido possuir especialidade técnica contábil, assim como a contratação de um especialista geraria um ônus financeiro que, muita vezes, um Obreiro recém desempregado sequer tem condições de arcar para realizar os cálculos com o fito de quantificar os pedidos.

Resta, portanto, evidente a hipossuficiência do Autor Obreiro, o qual necessita do auxílio do judiciário para dar seguimento a defesa de seus direitos, conforme disposto nos arts. 6° e 8° do NCPC que dispõe que é obrigatório e expresso o dever do Magistrado na cooperação com as partes no processo, além de promover a eficiência deste, corroborada pela constituição federal, lei maior, que defende o acesso à justiça a todos que dele necessitem, conforme art.5º, XXXV.

É fato esclarecer, ainda, que a legislação que trouxe a reforma trabalhista acarretou sérias mudanças legais, cujas partes litigantes nos processos em geral e seus patronos ainda estão se adaptando a tudo quanto disposto com tais mudanças, cuja literalidade da legislação que trouxe a reforma trabalhista deve ser analisada com muita cautela com o fito de evitar o atropelamento e a mitigação dos direitos dos trabalhadores que são os sujeitos hipossuficientes das demandas e da relação de trabalho.

O Doutrinador e Magistrado da Justiça do Trabalho atuante no Estado do Rio de Janeiro, Dr. Felipe Bernardes Rodrigues, em sua obra Manual de Processo do Trabalho (Editora JusPodivm, 2018, pg417/418) aduz que:

“...há dois aspectos de ordem prática que inviabilizam a interpretação de que o art. 840, §1º, da CLT, estaria a exigir a liquidação dos pedidos em qualquer caso.

O primeiro é que, sendo líquida a inicial, a sentença, em princípio, também deveria ser líquida (CPC, art.491, caput). Além disso, o art.491, §1º, II, autoriza a prolação de sentença ilíquida quando a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença. (...)

Ora, se a sentença pode ser ilíquida em virtude da dificuldade dos cálculos, não se vislumbra o motivo pelo qual a mesma flexibilização não se deva admitir no que tange a elaboração da petição inicial. Não há proeminência do juiz que justifique a possibilidade de prolação de sentença genérica, enquanto o advogado, no mesmo caso, teria o ônus de liquidar a petição. Seria flagrante violação ao principio da isonomia.

Outra violação ao mesmo princípio também decorreria dessa interpretação: presumidamente, os grandes escritórios de advocacia não teriam dificuldades para liquidarem as iniciais mais complexas, enquanto os pequenos não conseguiriam fazê-lo em virtude da ausência de recursos humanos e financeiros. Portanto, a exigência de liquidação indiscriminada gera tratamento injusto e indesejado, por beneficiar apenas os profissionais mais abastados.”

 

Como se vê, o Magistrado Dr. Felipe Bernardes Rodrigues se mostra bastante coerente e humano na interpretação da nova legislação, observando não só a situação do Obreiro, mas também de seu patrono, ao considerar a ausência de especialidade contábil dos mesmos, a complexidade dos cálculos das demandas trabalhistas e a ausência de recursos financeiros para suprir qualquer deficiência do Obreiro.

Além disso, outro enfoque apresentado pelo Doutrinador e do referido Magistrado é que sendo o procedimento processual o ordinário e, por isso, a providência costumeiramente é adotada apenas após a prolação da sentença condenatória, deve ser dado o mesmo tratamento às partes àquele previsto no art.491 e seguintes do NCPC que possibilita o Magistrado a desnecessidade de liquidação imediata da sentença, respeitando-se, assim, o princípio da isonomia para todos aqueles que compõem a relação processual.

Desta feita, busca-se, a partir dos preceitos firmados na legislação em vigor, a máxima eficácia da relação processual, visando seu resultado útil e, precipuamente, seu efetivo objetivo processual a que se presta, pacificando a relação contenciosa nos moldes preconizados pelo Estado Constitucional, mormente, pelos direitos fundamentais, com o fito de alcançar o resultado eficaz e precípuo.

Apesar do tema inovador e contemporâneo, a Jurisprudência também se manifesta favorável ao que ora se apresenta nestas breves linhas, conforme “in verbis”:

 

“PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE CÁLCULOS. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO MÉRITO. ART. 796 DA CLT C/C 321 DO NCPC. Não observados os §§ 1º e 3º do art. 840 da CLT, impõe-se a concessão de prazo para sanar as irregularidades, consoante o princípio da primazia do mérito e o art. 321 do NCPC.”(TRT-17 - RO: 00018784720175170007, Relator: WANDA LÚCIA COSTA LEITE FRANÇA DECUZZI, Data de Julgamento: 16/08/2018, Data de Publicação: 06/09/2018)

“EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS VALORES DOS PEDIDOS. NÃO OPORTUNIZADA A EMENDA. NULIDADE. A ausência de indicação de valor certo e determinado dos pedidos da inicial contraria o disposto no art. 840, § 1º, da CLT, alterado pela Lei nº 13.467/2017. Porém, não é possível ao juiz extinguir o feito, sem resolução do mérito, antes de determinar que haja emenda da inicial, merecendo reforma a decisão de origem que extinguiu o processo sem resolução do mérito. Inteligência da Súmula nº 263 do TST e do artigo 321 do CPC.”(TRT-4 - RO: 00203392520185040741, Data de Julgamento: 29/10/2018, 9ª Turma)

“INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO INDICAÇÃO DOS VALORES DOS PEDIDOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Salvo nas hipóteses do art. 330 do CPC de 2015 (art. 295 do CPC de 1973), o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 15 (quinze) dias, mediante indicação precisa do que deve ser corrigido ou completado, a parte não o fizer (art. 321 do CPC de 2015). Entendimento consolidado na Súmula nº 263 do TST. Recurso parcialmente provido, para determinar que a origem conceda ao recorrente prazo para sanar a irregularidade.”(TRT-4 - RO: 00201470720185040252, Data de Julgamento: 26/10/2018, 10ª Turma)

AUSÊNCIA DE LIQUIDAÇÃO DE PEDIDOS. A determinação de liquidação dos pedidos se enquadra na busca pela celeridade e economia processual que beneficiará a todos, com a efetiva entrega material da prestação jurisdicional em tempo razoável, como determina o inciso LXXVIII do art. 5º da CR. Contudo, identificado o vício na petição inicial, deverá a parte ser intimada a saná-lo na forma do art. 321 do CPC/15, somente devendo ser extinto o processo sem julgamento de mérito, caso não cumprida a diligência. (TRT 17ª R., RO 0000486 -17.2018.5.17.0014, Divisão da 3ª Turma, DEJT 18/09/2018).

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“RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. SÚMULA Nº 263 DO TST. APLICÁVEL. A doutrina entende que o Juiz, ao verificar que a petição inicial não atende aos requisitos legais, deve determinar à parte que a emende, sob as condições fixadas no art. 284 do CPC. O entendimento jurisprudencial iterativo desta Corte, consubstanciado na Súmula nº 263/TST, proporciona o precedente aplicável, nos seguintes termos, verbis: -Salvo nas hipóteses do art. 295 do CPC, o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 10 (dez) dias, a parte não o fizer-.Recurso Ordinário a que se dá provimento.”(TST - RODC: 3254002320025010000 325400-23.2002.5.01.0000, Relator: Carlos Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 23/02/2006, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 17/03/2006.)

“PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS VALORES DOS PEDIDOS. EXTINÇÃO DA AÇÃO. É incabível a extinção do processo sem resolução de mérito em razão da ausência de indicação de valor dos pedidos formulados, sob pena de violação ao acesso à justiça.”(TRT-4 - RO: 00204298620185040303, Data de Julgamento: 11/10/2018, 2ª Turma)

 

Outrossim, o art.791-A da CLT aduz que a condenação em honorários de sucumbência apenas será possível acaso haja decisão de mérito além de eventual liquidação da sentença e do proveio econômico perquirido, portanto, há uma condição imposta pela lei, sendo assim, a extinção da ação sem julgamento de mérito em que não há liquidação da sentença, nem proveito econômico, afasta a condenação do Postulante em honorários de sucumbência conforme determinado pela própria lei nº. 13.467/2017, senão vejamos:

“Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.”

 

Logo, para que o Autor seja condenado em honorários de sucumbência existe a necessidade do julgamento de mérito da demanda com a devida liquidação da sentença e expressa demonstração do proveio econômico perquirido, o que não acontece na ação extinta sem julgamento do mérito por ausência de liquidação dos pedidos, conforme se vê do presente julgado:

 

“HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DESISTÊNCIA ANTERIOR À SENTENÇA. O art. 791-A da CLT define a sucumbência recíproca como um dos resultados decorrentes do julgamento de mérito da causa trabalhista, aplicável, com exclusividade às demandas nas quais tenha havido enfrentamento pelo juízo da pretensão de direito material, seja na fase cognitiva ou na execução, razão pela qual faz referência nos diversos parágrafos do art. 791-A da CLT a proveito econômico, valor definido em liquidação, procedência parcial, etc. A CLT emendada pela Lei 13.467/17 não fez a ressalva prevista no art. 90, §1º do CPC, o que deve ser interpretado não como lacuna normativa a justificar a aplicação subsidiária do processo comum, mas como inadequação da sucumbência recíproca, no processo trabalhista, para os casos em que a ação é extinta prematuramente e sem exame de mérito, o que ocorre quando há desistência pela parte autora ou quando há arquivamento da ação, desistência do recurso ou dos embargos à execução, entre outros exemplos.”(TRT5, Recurso Ordinário 0000122-09.2018.5.05.0037, Relatora Ana Paola Santos Machado Diniz, Publicado(a) o(a) Acórdão em 07/03/2019).

 

É fato que ainda não existe uma definição acerca desta problemática, haja vista que a reforma trabalhista ainda é bastante recente e sua discussão ainda é temerária, mesmo assim, o posicionamento trazido neste artigo é o que entendo ser o mais acertado.

Neste contexto, não cabe extinção imediata do feito por ausência de liquidação de pedidos sem que se tenha dado prazo para o Autor sanar o vício, ou que se tenha elencado no rol de pedidos da exordial requerimento da Gratuidade da Justiça e expresso pedido de liquidação pelo Juízo. Assim como, ainda que extinta a ação sem julgamento de mérito não há que se falar em condenação da parte Autoral em honorários de sucumbência face a total ausência de liquidação da sentença e demonstração efetiva de proveito econômico.

Sobre a autora
Patricia Messias Ramos

Advogada; Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT em 2004/2; Pós-graduanda em Direito do Trabalho; Pós-graduanda em Direito Imobiliário; Mestranda em Resolução de Conflitos e Medição

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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