A Evolução do Direito Condominial Brasileiro

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O presente trabalho objetiva analisara evolução do direito condominial brasileiro.

Resumo

O presente trabalho objetiva analisar a evolução do direito condominial brasileiro. Para consecução do objetivo proposto utilizaram-se pesquisa qualitativa e exploratória e as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental consubstanciada no estudo de doutrinas e leis pertinentes ao tema. Entende-se que a evolução da sociedade brasileira no século XX foi determinante para a transformação das Leis que tratam sobre o condomínio. O Código Civil/02 trouxe inovações consideráveis sobre Condomínio Geral e Condomínio Edilício. Desse modo, conclui-se que a evolução no que concerne ao direito condominial brasileiro é constante e imprescindível para a devida regulamentação no que concerne ao exercício de moradia em condomínios.

Palavras-chave: Condomínios; Condomínio Edilício; Condomínios Geral.

1. Introdução

 Há duas espécies de condomínio no Direito pátrio: o condomínio geral e o edilício, ambos normatizados pelo Código Civil.

O Código Civil de 1916 trouxe progressos na matéria condominial, embora não tenha tratado acerca do condomínio em edificações, que foi disciplinado pela primeira vez com o Decreto nº 5.481 de 1928. Em relação ao tema, Rosenvald preleciona:

 

A expressão condomínio edilício é um neologismo, como condomínio que resulta da edificação, matéria que não poderia ter sido versada pelo Código Civil de 1916, eis que no início do século XX não se cogitava, no Brasil, de prédios de apartamento ou comerciais (2017, p. 690).

 

O avanço da sociedade brasileira no século XX foi decisivo para a alteração da legislação que versa a respeito do condomínio, especialmente no que diz respeito direitos e deveres dos condôminos. O Código Civil atual que teve sua vigência a partir do dia 11 de janeiro de 2003, trata em dois capítulos a respeito do assunto, os capítulos VI e VII que, respectivamente, discorrem sobre Condomínio Geral e Condomínio Edilício. 

                     O Código Civil de 1916 não se ocupou do Condomínio Edilício. Isto posto, acerca do mote, Sílvio Salvo Venosa discorre:

 

Jungido pelas legislações estrangeiras e pelos fatos sociais, o direito pátrio promulgou o Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928, que traçou as primeiras normas, de forma insatisfatória. Apenas em 1964 é promulgada a Lei nº 4.591/64, que sofreu algumas alterações pela Lei nº 4.864/65, denominada de Condomínio e Incorporações, detalhando essa modalidade de propriedade. Se na época se mostrou como diploma legal avançado, na atualidade e de há muito já estava a exigir nova reforma legislativa, mormente para preencher lacunas atinentes a novos fenômenos dentro do próprio condomínio que regula, bem como a novas modalidades de compropriedade, não fosse ainda a necessidade de adaptação à disciplina protetiva do consumidor. As novas disposições do mais recente Código Civil procuraram preencher essas lacunas. O novo Código Civil passa a disciplinar integralmente o condomínio edilício, revogando essa matéria na Lei nº 4.591/64, a qual trata também das incorporações, cujos dispositivos continuarão em vigor (VENOSA, 2003).

 

Esse condomínio caracteriza-se por haver justaposição de propriedades distintas e exclusivas ao lado do condomínio de partes do edifício, forçosamente comuns. O disposto nos artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil, aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade mobiliária e clube de campos.

2. Condomínio Geral

Em razão do princípio da exclusividade, não pode haver mais de um domínio sobre o mesmo bem. Destarte, apenas uma pessoa pode usar fruir e dispor de objeto, na medida em que o domínio é uno e indivisível.

Em se tratando do condomínio tradicional, não há se falar que o princípio da exclusividade torna-se improfícuo, visto que, pelo estado de indivisão do bem, cada um dos proprietários detém fração ideal do todo. Há uma pluralidade de sujeitos em um dos polos da relação jurídica, ou seja, como essas pessoas não se localizaram materialmente por possuírem cotas abstratas são donos de cada parte e do todo ao mesmo tempo.

Isto posto, quando o condômino atua isoladamente, exercitará o domínio em sua integralidade e não apenas no percentual de sua fração.  Nos termos do art. 1.314, cada condômino tem o condão de isoladamente vindicar a coisa de terceiros que injustamente a possua, sendo desnecessária a autorização dos demais.

Afigura-se possível que diversas pessoas possuam a propriedade sem que isso anule a unidade do condomínio. Em se tratando se uma propriedade plural (partição do direito real), todos poderão usar, fruir dispor e reivindicar a integralidade, desde que o exercício dos poderes seja compatível com o estado de indivisão. Nesta senda, Nelson Rosenvald preleciona:

 

[...] se A falece e transmite como direito hereditário uma fazenda a seus filhos B, C e D (cada qual com 1/3 do patrimônio), por mais que dois dos irmãos encontrem-se em outro local, poderá o herdeiro B isoladamente propor ações petitórias e possessórias em face de terceiros, justamente pelo fato de sua cota ideal conceder-lhe exclusividade sobre o domínio. Dispensa-se o litisconsórcio necessário com os co-herdeiros e sua anuência, pois a atividade de um comproprietário aproveita aos demais (2017, pág. 668 e 669).

 

A aludida situação é possível haja vista que em se tratando de condomínio, o domínio é qualitativamente igual, já a propriedade é quantitativamente diferente.

A comunhão materializa-se quando específico direito pertence a vários indivíduos ao mesmo tempo. Nesta toada, o condomínio é uma espécie do gênero comunhão. Sob o viés objetivo, em relação à coisa, o condomínio é denominado indivisão, pois várias pessoas detêm direitos concorrentes sobre o seu objeto.

Doutra banda, sob o enfoque subjetivo, em relação, portanto, aos titulares do direito, o condomínio é nomeado de comunhão.

No tocante a classificação da aludida comunhão faz-se necessários tecer alguns esclarecimentos, vejamos:

Pro indiviso é a comunhão que perdura de fato e de direito, visto que a coisa encontra-se em estado de indivisão perante os condôminos, que não se localizam cada em sua fração sobre a coisa.

Pro diviso é a comunhão que só existe de direito, cada condômino porquanto já se localiza em parcela determinada da coisa, exercendo sobre ela todos os atos de proprietário singular. Com vistas a ilustrar o instituto, Roselvand (2017, pág. 671) afirma que “basta imaginar um terreno que pertence a vários proprietários, mas em razão de acordo entre todos, cada qual estabeleceu uma área de atuação individualizada”.

A comunhão que advém de negócio jurídico denomina-se voluntária,  v.g., a aquisição voluntária ou destinação em comum em que duas pessoas estão habilitadas a usar e fruir de determinado bem.

A comunhão decorrente de lei subdivide-se em fortuita e legal. Como infere-se da própria designação, forçada é a comunhão resultante de imposição da ordem jurídica, a exemplo de muros e cercas. A comunhão fortuita, por sua vez, é a que decorre da abertura da sucessão.

Quanto ao lapso em que perdura, o instituto será transitório, na hipótese em que o condomínio pode ser extinto a qualquer tempo pela vontade dos consortes e perene quando não é passível de dissolução, deriva do condomínio forçado e subsiste enquanto vislumbra-se a causa que a originou.

Com espeque na fração ideal, cada condômino pode se intitular dono da coisa comum em sua totalidade. O condômino poderá exercer direitos sobre a sua respectiva fração, dispensando-se a ratificação dos demais, ao passo que obriga-se a observância de determinados deveres, respeitando as faculdades outorgadas aos outros proprietários. Trata-se de verdadeira cotitularidade de interesses.

Acerca do mote, dispõe o art. 1.314:

 

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

 

O artigo supratranscrito regula a relação dos condôminos com terceiros e entre si. Da sua intelecção dessume-se que a conciliação de interesses viabiliza utilização da coisa comum por cada condômino, observando a destinação da coisa, confere legitimidade para o aforamento de ações reivindicatórias e possessórias e lhe permite a alienação ou constituição de gravames reais sobre sua fração ideal.

Sobreleva-se que o direito dos comunheiros é equivalente e sofrem limitações em âmbito interno, haja vista que os cotitulares se subordinam às deliberações da maioria (unanimidade expressa) no tocante a melhor destinação econômica do bem diante de uma multiplicidade de possibilidades e atribuição das faculdades de posse, uso e gozo a terceiros.

Destarte, o condômino poderá exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, como uso e fruição, desde que respeitados o interesses do grupo.

A limitação quanto à participação de terceiros não se estende ao condômino que exerce atos possessórios em área específica do imóvel. Neste caso é possível transmitir a posse direita em favor de terceiros sem o consentimento dos demais.

O coproprietário responde perante os outros pelos frutos percebidos isoladamente no exercício da posse direta ou por ocasião da sua cessão a terceiro, assim como por eventuais danos impelidos na coisa comum. Contudo, se localizado em área específica ao exercício da posse e mediante a concordância do grupo sobre a divisão de áreas individuadas, o cotitular perceberá o resultado dos seus esforços, não haverá imposição de prestação de contas ou responsabilização frente a outrem.

Quanto aos frutos, sejam civis, naturais e industriais e produtos do bem comum, conforme injunção do art. 1.326, serão distribuídos na proporção da fração de cada condômino, inexistindo disposição em sentido diverso ou de última vontade. Ante a ausência de mensuração das proporções, os quinhões presumem-se idênticos, porquanto a divisão será equitativa.

O cotitular dispõe de instrumentos jurídicos hábeis a conservação do seu direito de uso e gozo. A ação reivindicatória poderá ser ajuizada em face de terceiros, estranhos ao condomínio, pois trata-se de pretensão exercida pelo proprietário privado da posse contra quem efetivamente a exerce, mas não é proprietário.

Em contendas entre comproprietários de condomínio pro indiviso, o ofendido está legitimado a ajuizar ação possessória, e deverá demonstrar que exerce a posse através de atos concretos de ingerência econômica, não basta à condição de titular formal do registro imobiliário.

No tocante a alienação, o condômino não poderá vender a totalidade da coisa sem o consentimento dos outros proprietários. Conforme acepção do art. 504 do CC/2002, o cotitular de bem indivisível poderá alienar sua parte a terceiro, respeitado o direito de preferência dos demais coproprietários, sob pena de ineficácia relativa. Não obstante, a prelação apenas incide na alienação para terceiros estranhos ao condomínio. 

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Caso o bem seja objeto de hasta pública, o direito de preferência deverá ser exercido em momento oportuno, no dia se realizar a praça ou leilão. Ao coproprietário não informado da alienação é disponibilizado prazo decadencial de 180 dias para desconstituí-la, mediante o pagamento de numerário idêntico.

Em se tratando do condomínio pro diviso, não há restrição a faculdade de alienação.

É possível gravar a coisa comum com ônus real em sua integralidade desde que haja o consentimento de todos os condôminos, caso contrário, o condômino só poderá dar em garantia sua fração ideal (art.1.420 do CC/2002).

Os condôminos na proporção de suas frações participam das despesas, impostos, cotas condominiais, dentre outros débitos realizados no interesse do condomínio. Insta asseverar que os cotitulares podem determinar proporção não equivalentes (via de regra, não havendo estipulação em contrário, há presunção relativa de equidade das cotas abstratamente consideradas) as sua cotas.

Conforme redação do art. 1.316, o condômino poderá renunciar á propriedade com vistas e eximir-se do adimplemento dos débitos comuns, perfeita formalização do instrumento de renúncia e seu registro no ofício imobiliário.

Isto posto, cada coproprietário adquire a parcela ideal do renunciante, na proporção de sua contribuição com o resgate do débito. Não havendo manifestação de interesse, ocorrerá a divisão amigável ou judicial da coisa comum, contudo, não sendo passível de divisão, realiza-se a alienação do bem com o respectivo rateio proporcional do produto obtido.

De mais a mais, contraída obrigação pelo condomínio, cada cotitular se obriga na medida de suas cotas ideais, salvo se houver estipulação da respectiva parcela ou de solidariedade.

Contraída obrigação em favor do condomínio por um condômino, sem a concordância dos demais, em situações emergenciais, que envolvam benfeitorias necessárias ou uteis, apenas cotitular que contraiu o encargo responderá perante terceiros, malgrado, lhe é assegurado direito de regresso frente aos outros coproprietários.

O condomínio possui natureza transitória, acerca do mote Rosenvald afirma:

 

[...] Comumente o condomínio converte-se em manancial de discórdias, sendo socialmente adequado evitar os conflitos que provoca. Daí o legislador privilegiar a sua extinção, por intermédio do direito potestativo de qualquer dos condôminos de exigir a divisão da coisa comum – mesmo que o cotitular tenha fração minoritária e independentemente da anuência da maioria-, por meio de negócio jurídico ou pela via judicial, em caso de resistência por um ou mais titulares. Aliás, a existência de cláusula de inalienabilidade recaindo sobre uma fração de bem imóvel não impede a extinção do condomínio. Na hipótese, haverá sub-rogação da cláusula de inalienabilidade, que incidirá sobre o produto da alienação do bem, no percentual correspondente à fração gravada (2017, pág. 680).

 

Dessarte, a extinção do condomínio não é passível de prescrição. Em caso e inexistência de acordo quanto à divisão de bem divisível ou vislumbrando-se a incapacidade de um dos condôminos, qualquer dos cotitulares poderá judicializar o pleito de divisão, independente da proporção de sua fração, salvo se houver estipulação quanto a permanência da indivisão por período que não suplante a cinco anos, prorrogável, conforme acepção do art. 1.320, § 1º, do CC/2002, por igual período, por meio de escritura pública. Assevera-se que a convenção alhures se estende a terceiros que venham adquirir a fração ideal.

Outrossim, conforme dispõe o art. 1.320, § 2°, do CC/2002, caso a limitação ao direito de extinção ocorra por ato gratuito ou por aprovação da unanimidade, não poderá ultrapassar cinco anos, porquanto, não está sujeita a prorrogação.

No afã de garantir a função social da propriedade, é permitido aos comproprietários, em face a graves motivos, pleitear ao Poder Judiciário a dissolução do condomínio antes do prazo fixado, seja através de negócios onerosos ou gratuitos.

Assevera-se que inexistindo dissenso, é permitido aos coproprietários, através de escritura pública, exercer a faculdade divisória. Contudo, a ação de divisão consubstancia-se em instrumento hábil, ao exercício do direito de divisão, em caso de discórdia entre os cotitulares.

A divisão possui natureza declaratória de propriedade, visto que declara a fração real da propriedade atinente a porção ideal.  Culminada a demanda com a procedência do pleito de divisão, a sentença possuirá natureza executiva, destarte, em caso de óbice ao cumprimento do comando sentencial, sua concretização ocorrerá por mandado de imissão da posse (dispensa processo autônomo de execução para entrega do bem).

O condomínio formado por cotitulares maiores e capazes é passível de extinção parcial. Todos os proprietários deverão compor a ação de divisão em litisconsórcio necessário, visto que extinta a situação de indivisão, deverá haver consonância integral acerca do plano de distribuição de quinhões. Os que aquiescerem poderão conservar o condomínio do montante que remanesce.

Conforme insculpido no art. 1.322 do C.C/2002, a coisa indivisível, inexistindo acordo entre os consortes quanto a adjudicação a um dos cotitulares, com a respetiva indenização aos demais, poderá ser alienada judicialmente com posterior rateio do preço. Os comunheiros possuem preferência em face aos terceiros adquirentes. Entre os coproprietários adotam-se três critérios, primeiro, há prelação em relação àqueles com benfeitoria e acessões que somam maior valor e são indenizáveis. Inexistindo benfeitorias, sobressai o condômino de maior quinhão. Não havendo distinção quanto às benfeitorias e fração ideal, é realizada licitação entre terceiros, ato contínuo, far-se-á licitação restrita aos cotitulares, adquirirá a propriedade aquele que oferecer o melhor lanço, havendo empate entre condômino e terceiro, prevalece àquele.

Nos termos do art. 1.323 do C.C/2002, a maioria dos coproprietários poderá deliberar sobre a escolha do administrador, que por sua vez não será necessariamente integrante do condomínio. Inexistindo consenso acerca divisão ou alienação da coisa comum, assim com a impossibilidade ou inconveniência da sua utilização por circunstâncias de fato ou dissenso, o bem será locado (prelação do condômino) ou escolher-se-á administrador mediante deliberação da maioria absoluta (maioria dos quinhões, critério econômico). Este responderá ativa e passivamente pelo condomínio.

Contudo, ante a insuficiência do quórum, a questão será levada a apreciação do Poder Judiciário, depois de ouvido os demais cotitulares.

De mais a mais, ante ao silêncio dos condôminos, presume-se administrador aquele por iniciativa própria, sem embargos dos demais, gere a coisa comum, obrigando-os a suas ações. A deliberação do colegiado faz-se necessária, quando há manifestação de oposição por um dos condôminos (Art. 1.325, do C.C/2002).

Insta asseverar, que administrador apenas exercerá atos de gestão ordinários, sendo imprescindível para a prática de atos dispositivos sobre o bem, a concessão de poderes especiais pelos consortes (art. 661, C.C/2002).

Sobre o tema Rosenvald faz importante observação:

 

A mesma maioria dos quinhões que deliberou pela locação também terá a iniciativa de promover o despejo do locatário, seja ele condômino ou estranho, sem que este possa se valer da tese do abuso do direito do grupo majoritário (2017, pág. 686).

 

No tocante aos frutos, salvo estipulação ou disposição de última vontade em contrário, serão distribuídos na proporção dos respectivos quinhões. O rateio desproporcional aos quinhões afigura-se possível por deliberação expressa da unanimidade dos condôminos.

3. Condomínio Necessário

Segundo os ensinamentos de Flávio Tartuce (2013), compreende-se o condomínio necessário (também chamado de condomínio legal ou forçado) como sendo aquele que se origina de determinação legal, sendo seu surgimento uma consequência inevitável do estado de indivisibilidade da coisa.

Ao se analisar as disposições legais concernentes ao condomínio necessário no Código Civil, que se encontram entre os artigos 1327 e 1330, nota-se que essa espécie de condomínio nasce dos direitos de vizinhança, disciplinados entre os artigos 1277 e 1313 do mesmo dispositivo, os quais tem por objetivo harmonizar eventuais conflitos de concorrência entre proprietários e vizinhos, valorizando a ordem e o bom convívio social.

Observa-se no texto do artigo 1327 do Código Civil que o instituto do condomínio necessário se materializa nas paredes, cercas, muros e valas firmadas pelo proprietário com o intuito de estremar seu imóvel, sendo que, por força do artigo 1328 do mesmo dispositivo, aquele proprietário que tiver direito de instalar uma dessas estruturas ao redor de seu imóvel, possui igual direito de adquirir meação na que tenha sido construída por seu vizinho, devendo a ele pagar quantia equivalente à metade do valor atual da obra, além do correspondente ao terreno por ela ocupado.

Em caso de discordância quanto ao valor da obra a ser pago, estatui o artigo 1329 do Código Civil que este será arbitrado por perito e pago por ambos os confinantes. Vale ressaltar que o artigo seguinte, 1330, estabelece a importância do pagamento do valor referente à meação da parede, cerca, muro ou vala firmada entre os imóveis vizinhos, prevendo que em caso de não pagamento ou depósito do valor por parte do proprietário, este não poderá fazer nenhum uso da estrutura em questão, bem como será impedido de realizar qualquer outra obra divisória.

Por fim, uma última característica digna de nota no que concerne ao instituto do condomínio necessário, forçado ou legal é o caráter permanente do fenômeno, uma vez que os proprietários permanecerão forçados a mantê-lo, ainda que contra sua vontade, estando obrigados também a titular a coisa permanentemente na qualidade de condôminos, e nunca de proprietários singulares. Portanto, difere-se do condomínio convencional, que em função de sua natureza transitória, pode ser a qualquer momento extinto pela vontade do condômino, enquanto o condomínio necessário, foco da presente análise, irá perdurar obrigatoriamente enquanto continuar existente a situação que o determinou.

4. Condomínio Edilício

O condomínio edilício está previsto no Código Civil, Parte Especial, Livro III, Da propriedade, Capítulo VII, nos artigos 1.331 a 1.358. Assevera-se que o revogado Código Civil de 1916 não fazia referências ao aludido condomínio, não obstante a sua regulamentação estava disposta na lei 4591/64. A referida Lei especial previa os condomínios em edificações e as incorporações imobiliárias.

 O artigo 1º da Lei 4591/64 definia o condomínio especial da seguinte forma:

 

Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei.

 

De acordo com o artigo 1.331 do Código Civil, o condomínio edilício é caracterizado como “aquele condomínio em que pode haver em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. ”

 Condomínio edilício pode ser definido como uma modalidade de condomínio que possuí uma justaposição de áreas de uso comum, bem como de áreas de uso exclusivo do proprietário.

 Neste sentido, De Plácido E Silva (2001, p. 197) ensina que condomínio significa “o direito simultaneamente tido por várias pessoas sobre o mesmo objeto, não em uma parte determinada, mas num quinhão ideal, atribuído segundo a força do direito próprio de cada pessoa.”

Caio Mario (2002, p. 92) não dispõe da nomenclatura condomínio edilício, denominando este de condomínio em planos horizontais. Conforme ele preceitua, nesse tipo de condomínio há uma fusão de direitos, em que o mesmo sujeito é simultaneamente titular de uma unidade autônoma e de uma co-propriedade com propriedade individual e comum.

 Para Silvio Rodrigues (2003, p. 206) o regime dos condomínios edilícios se caracteriza por apresentar uma propriedade singular dos apartamentos e andares, ao lado de uma comunhão necessária e inexorável do terreno e das partes comuns do prédio.

Vale- se ressaltar que a propriedade exclusiva é caracterizada como aquela em que o uso, gozo e disposição não se subordinam à vontade dos outros condôminos, podendo ser alienada e gravada ao alvedrio de seu proprietário (art.1.331, § 1º, CC). Já no que concerne a propriedade comum é aquela em que não pode ser alienada e sua utilização depende da vontade dos condôminos, conforme artigo 1.331, § 2º, CC, acima transcrito.

Não obstante, cumpre-se asseverar que cada condomínio edilício poderá ter as suas próprias peculiaridades no que incube à limitação dos direitos individuais e comuns.

Assevera-se que este condomínio será instituído por ato inter vivos ou causa mortis, no qual poderá ser fruto de uma incorporação imobiliária, ou por uma sucessão hereditária.

4.1 Condomínio Multiproprietário No Condomínio Edilício

A recente Lei 13.777 de 19 de dezembro de 2018, denominada Lei da Multipropriedade no Direito Brasileiro, positivou de modo detalhado sobre a multipropriedade, ou Time sharing, como é mais conhecida, provocando alterações, não apenas no Código Civil, mas também na Lei de Registros Públicos. Essa inovação no Direito Civil Brasileiro teve sua origem na França, sendo, posteriormente, amplamente difundida pelo mundo. Consiste no compartilhamento, entre duas ou mais pessoas, de um mesmo bem imóvel, em determinadas frações de tempo no decorrer de cada ano.  A Lei em estudo, infelizmente, se mostrou omissa em relação à multipropriedade sobre bens móveis, que permanece sem disciplina legal expressa.

No Brasil, a multipropriedade sobre imóveis assumiu a forma de condomínio por força dos arts. 1.358-U ao 1.358-U do Código Civil e da Lei de Registros Públicos nos arts. 176, § 1º, II, “6”, e §§10 a 12 e art. 178, III, tais dispositivos surgiram da Lei 13.777, que incide sobre qualquer imóvel, tanto rural, quanto urbano. Antes mesmo de a referida lei ser publicada, já havia um debate sobre a natureza jurídica da multipropriedade sobre imóvel, sendo considerada pertencente ao direito real de propriedade, não apenas por parte dos doutrinadores, como pelo STJ e pela Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP, ao admitir que fossem abertas matrículas para as unidades periódicas nos cartórios de imóveis. É interessante notar que, antes mesmo do advento da Lei da Multipropriedade, a Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008) já contemplava um sistema de “hospedagem por sistema de tempo compartilhado”, que servia para regular a multipropriedade imobiliária.

Por se tratar de matéria recentemente disciplinada, é importante conceituar certos termos para maior facilidade de compreensão acerca do tema. O Imóvel-base é o imóvel corpóreo sobre o qual é instaurado o condomínio em multipropriedade. A unidade periódica é o imóvel que vai assegurar ao seu titular o direito real de propriedade e uma fração ideal do imóvel base. A fração de tempo é o período em que o titular da unidade periódica poderá fruir e usar do imóvel-base.

Por força do art. 1.358-C a multipropriedade imobiliária é um condomínio formado por unidades autônomas periódicas vinculadas a uma fração ideal do imóvel base. Assim como no condomínio edilício, o titular da unidade periódica também é proprietário de uma fração ideal do imóvel-base na parcela de tempo que lhe couber do ano.

Após breve introdução sobre o instituto da multipropriedade, recentemente inserida no ordenamento jurídico brasileiro, partiremos para o estudo mais detalhado sobre os principais pontos do mencionado instituto nos condomínios edilícios. A instituição do condomínio multiproprietário em unidade autônoma de condomínio edilício gera implicações em todo o negócio, por este motivo, foi regulado na Lei de multipropriedade segundo disposto nos arts. 1.358-O ao 1.358-U. Deste modo, devem ser observadas as regras básicas para seu implemento, não bastando o mero desejo do proprietário. Deve haver a aceitação de maioria absoluta dos membros do condomínio edilício em assembleia ou constar a autorização em ato de instituição do condomínio, caso em que o dono do imóvel terá a liberdade e faculdade de estabelecer o condomínio multipropretário, conforme o artigo 1.358-O do Código Civil, após alteração da Lei 13.777/2018.

A convenção condominial, que pode ser entendida como um documento que reúne as principais regras de convivência entre os condôminos, de forma a regular e administrar o condomínio, precisa, necessariamente, adicionar e conter as informações sobre as unidades autônomas em regime multiproprietário, tendo em vista o seu impacto no desenvolvimento do condomínio edilício, na forma do art. 1.358-P, incisos do I ao IX. Essas informações se referem à individualização de cada unidade e as obrigações de contribuição de cada multipropretário. O inciso VI do referido artigo diz respeito às unidades que contam com sistema de administração de intercâmbio e sua redação é motivo de discussão, pois exige que conste na convenção a informação das unidades sob esse regime.  Surge assim a dúvida se o condômino multiproprietário poderia celebrar contrato de intercambio em casos de omissão na convenção sobre o tema. Visando manter a constitucionalidade do inciso, faz-se a interpretação que não haveria problemas na efetuação de tal contrato se o multiproprietário for mantido como responsável por seus deveres e obrigações, tendo eficácia somente para as partes, sem a possibilidade de ser oponível contra o condomínio edilício.

Nos condomínios que possuam uma parte sob sistema de Time Sharing, algumas especificações quanto à pessoa do administrador deverão ser observadas. O administrador deverá ser profissional com registro no Conselho Regional de administração, pessoa física ou jurídica, podendo também ser o síndico e deverá ser a mesma pessoa para ambas as espécies de condomínios.

É importante que seja feita uma análise do parágrafo único do artigo 1.358-S, pois nele é presente uma figura que a doutrina denominou de “anticrese legal”, e versa sobre a possibilidade de exploração da unidade periódica em imóvel sujeito a um regime de pool, pelo condomínio edilício, para adimplir a dívida com o lucro obtido. A melhor interpretação do referido artigo, com a finalidade assegurar a sua constitucionalidade, entende que as medidas dispostas nos três incisos do P.Ú devem ser tomadas conjuntamente. Assim, não se pode simplesmente proibir o multiproprietário de usufruir do seu bem sem que ela passe a ser utilizada efetivamente no regime de pool, pois se corre um risco de violação ao direito de propriedade. Outros detalhes também devem ser observados, como a notificação prévia ao multiproprietário para o pagamento da dívida ou apresentação de defesa e, por último, a submissão do condomínio edilício ao regime de pool precisa ser averbada em todas as matrículas filhas, pois se está a modificar o registro de propriedade com as restrições ao direito de propriedade. Sem a averbação não há eficácia erga omnes.

O art. 1.358-T trata da renúncia à titularidade da unidade periódica, segundo o qual, só poderá ser feita de forma translativa em favor do condomínio edilício, que poderá recusar em caso de inadimplência de obrigações. Embora o dispositivo trate de forma expressa apenas da renúncia translativa, ou seja, aquela feita em favor de um 3º, configurando uma espécie de cessão, isso não obsta uma renúncia abdicativa do imóvel. Para isso, faz-se necessário que o multiproprietário, por meio de escritura pública contendo a sua renúncia (nos bens periódicos com valor acima de 30 salários mínimos), a inscreva na matrícula do imóvel. Neste caso o bem se tornará vago e não há fato gerador do ITCD. O entendimento que o artigo em questão proíbe a renúncia abdicativa é inconstitucional, pois ofende o direito de propriedade em sua faculdade de dispor da coisa, configurando também enriquecimento sem causa se o condômino multipropretário somente pudesse dispor da coisa e favor do condomínio edilício.

Esses são os principais aspectos referentes a essa recente legislação dentro dos condomínios edilícios, que por se tratar de uma inovação em nosso ordenamento jurídico ainda carece de maiores debates.

Conclusão

No Brasil, o código civil de 1916, trouxe avanços na questão condominial, porém não tratou sobre o tema condomínio edilício que foi regulamentado pela primeira vez com o Decreto nº 5.481 de 1928.

A evolução da sociedade brasileira no século XX foi determinante para a transformação das Leis que tratam sobre o condomínio. O Novo Código Civil que iniciou sua vigência a partir do dia 11 de janeiro de 2003 traz dois capítulos que tratam exclusivamente do assunto, os capítulos VI e VII que discorrem respectivamente sobre Condomínio Geral e Condomínio Edilício.

O Código Civil trouxe avanços importantes, principalmente no que diz respeito aos direitos e deveres dos condôminos. É fundamental que os condomínios possuam regras para nortear a boa convivência entre os condôminos.

A regulamentação do exercício da multipropriedade evoca que as inovações se perpetuaram ao longo dos anos, no qual o intento dos legisladores é disciplinar de uma forma mais efetiva toda a evolução da sociedade no que incube a vida em condomínios.

 

Referências

 

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Institui o Código Civil). Acessada em: 28/10/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

 

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito civil: direitos reais. 13.ed. Salvador: JusPODVM, 2017.

 

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v.4. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

 

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v.5. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 3 ed. São Paulo: Método, 2013.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. O condomínio edilício no novo Código Civil. Migalhas, 2003. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI912,101048-O+condominio+edilicio+no+novo+Codigo+Civil>. Acesso em 20 de outubro de 2019.

Sobre os autores
Kessy Poliany Borges Ramos

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros

Luany Veloso Correia

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Ludmilla Ribeiro Fernandes

Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Stefano Rezende Martuscelli

Acadêmico de direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES.

Rodrigo Dantas Dias

Docente da UNIMONTES e UNIFIPMOC. Mestre em Direito Público, Pós graduado em Direito Processual, Direito Econômico e Direito Empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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