Um novo macarthismo

25/11/2019 às 12:16
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O ARTIGO DISCUTE RECENTE FATO CONCRETO ENVOLVENDO A AMEAÇA A LIBERDADE DE ENSINO.

UM NOVO MACARTHISMO

Rogério Tadeu Romano

Em um Estado totalitário em um futuro próximo, os "bombeiros" têm como função principal queimar qualquer tipo de material impresso, pois foi convencionado que literatura um propagador da infelicidade.

Esse é o que se via na obra Fahrenheit 451, publicada em 1953 e levada ao cinema em 1966 pelo diretor François Truffaut.

Por sua vez, 1984 mostra um futuro assustadoramente próximo ao ano de publicação, abordando a vida em um conceito de sociedade distópica: imaginária, futurista e oprimida.

Triste foi o Macarthismo.

O Macarthismo (em inglês McCarthyism) é um termo que se refere à prática de acusar alguém de subversão ou de traição. O termo tem suas origens no período da História dos Estados Unidos conhecido como segunda ameaça vermelha, que durou de 1950 a 1957 e foi caracterizado por uma acentuada repressão política aos comunistas, assim como por uma campanha de medo à influência deles nas instituições estadunidenses e à espionagem por agentes da União Soviética. Originalmente cunhado para descrever a patrulha anticomunista promovida pelo Senador republicano Joseph McCarthy, do Wisconsin, o termo logo adquiriu um significado mais extenso, sendo utilizado hoje para descrever o excesso de iniciativas similares. Também é utilizado para descrever acusações imprudentes e pouco fundamentadas, assim como ataques demagógicos ao caráter ou ao senso de patriotismo de adversários políticos.

Durante aquele triste período na história americana, diversas pessoas foram levadas a julgamento após serem acusadas de comunistas. A maioria das punições foram baseadas em julgamentos que mais tarde foram anulados, leis que foram declaradas inconstitucionais, demissões por justa causa que foram declaradas ilegais ou contestáveis e procedimentos extrajudiciais que entrariam em descrédito geral no futuro.

Tudo isso se viu, nos anos 50 do século XX, dentro de uma sociedade moldada em modelos democráticos.

Pois bem: A "caça às bruxas" perdurou até que a própria opinião pública americana ficasse indignada com as flagrantes violações dos direitos individuais, graças em grande parte à atuação corajosa do famoso e respeitadíssimo jornalista Edward R. Murrow na rede americana de televisão CBS, o que levou McCarthy ao ostracismo e à precoce decadência.

O atual governo quer levar a um novo Macarthismo.

Observe-se a gravação, entre os presentes, da conversa pessoal ou direta, sem o conhecimento de um dos interlocutores, feita pelo outro ou por terceiros. Isso afronta o limite da razoabilidade e demonstra total propósito desproporcional onde os meios e fins não se equivalem.

Tal é o caso hoje diante de recente medida que estaria sendo tomada pelo atual governo.

No Brasil a Constituição de 1988 preserva o chamado Estado Laico.

Na linha já traçada no artigo 5º, VI, da Constituição, é protegida a liberdade de consciência e de crença. A liberdade de consciência se destina a dar proteção jurídica que inclui os próprios ateus e os agnósticos.

O Estado deve se manter absolutamente neutro, não podendo discriminar entre as diversas igrejas, quer para beneficiá-las, quer para prejudica-las. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro, laico.

Mas esse caráter laico do Estado brasileiro não compromete a obrigação em que se encontra de propiciar assistência religiosa nos estabelecimentos de internação, na forma do artigo 5º, inciso VII, da Constituição.

Em analise da matéria, Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, segundo volume, 1989, pág. 51) expressou que “a religião, nos estabelecimentos oficiais de ensino, pode ser ministrada, respeitada sempre a vontade dos próprios alunos. Poderá ser oferecida, facultativamente, constituindo-se disciplina dos horários normais das escolas oficiais. As escolas privadas podem ser confessionais no sentido de que adotam uma determinada religião. Há que se fazer referência também à liberdade de ensino no âmbito da respectiva confissão, isto é: o ensino que é ministrado nas reuniões de fiéis dentro ou fora dos tempos. É indiscutível o direito à livre catequese. Inclui-se também na liberdade religiosa o direito de as diversas confissões livremente formarem seus eclesiásticos”.

O Estado encontra-se impossibilitado de se imiscuir sobre aspectos internos das doutrinas religiosas. O dever do Estado, nessa esfera, repita-se, é garantir a todos, independente de credo, o exercício dos direitos à liberdade de expressão, de pensamento e de crença, de forma livre, igual e imparcial, não se podendo conceber que conceda privilégios a determinadas religiões.

A República brasileira separou a Igreja do Estado, assegurando a ampla e absoluta liberdade religiosa, tal como dispunha o artigo 72, § 3º, da Constituição de 1891. Explicou Paulino Jacques(Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, pág. 332), como corolário, a secularização do casamento, a dos cemitérios, e a do ensino, proibida a subvenção de qualquer culto ou igreja e as relações de dependência ou aliança com o poder público, mantida, contudo, a representação diplomática junto a Santa Sé(§ § 4º, 5º, 6º e 7º).

Dir-se-á que a laicidade, que não se confunde com laicismo, foi colocada como princípio constitucional pela Constituição de 24 de fevereiro de 1891, cujo artigo 11, § 2º, dispôs que é vedado aos Estados e à  União “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Tal preceito é mantido pela Constituição de 1934(artigo 17, incisos II e III), pela Carta democrática de 1946(artigo 37, incisos II e III),  pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional nº 1/69(artigo 9º, inciso II). A laicidade estatal revela-se princípio que atua de modo dúplice: a um só tempo, salvaguarda-se as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva do Estado nas respectivas questões internas, protegendo o Estado de interferências indevidas provenientes da seara religiosa, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer igreja ou culto, inclusive majoritário.

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Consagra-se, no Brasil, a liberdade religiosa e ainda o caráter laico do Estado. A liberdade religiosa e o Estado laico determinam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, que envolvem, por exemplo: o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução.

“O Estado é laico, mas eu sou terrivelmente cristã”, repetiu a ministra Damares na quarta-feira, dia 20 de novembro de 2019, ao anunciar com o ministro da Educação Weintreib mais um passo na cruzada contra a liberdade de cátedra. Ambos negam que a central de denúncias de sua ideação, inspirada no movimento Escola sem Partido, tenha por alvo constranger educadores. Trata-se de mais uma proposta de cunho obscurantista que conduz o país às trevas de um novo Macarthismo.

Como bem alertou a Folha de São Paulo, em seu editorial "Macarthismo escolar", os ministros Damares e Weintraub ameaçam a liberdade de ensino com corte de verbas a redes públicas.

A proposta do governo para que alunos denunciem professores que afrontem essas suas ideias, é de uma inconstitucionalidade patética.

O Brasil vive um Estado Democrático de Direito, um Estado Laico de modo que professar uma religião é algo de foro íntimo.

Não se pode impor uma linha de pensamento religioso.

Por esses princípios, a escola deve estar livre de qualquer contaminação ideológica.
É realmente preocupante, dito em poucas palavras, para o cidadão comum, ver a proliferação de projetos como a Escola Sem Partido, que visam, de forma explícita, ou ainda indireta, tolher o professor, reduzindo o universo cultural do aluno, no seu papel de fazer das salas de aula um espaço de ampliação do saber.

O Brasil vive um Estado Democrático de Direito, um Estado Laico de modo que professar uma religião é algo de foro íntimo.

Não se pode impor uma linha de pensamento religioso.

Por esses princípios, a escola deve estar livre de qualquer contaminação ideológica.
É realmente preocupante, dito em poucas palavras, para o cidadão comum, ver a proliferação de projetos como a Escola Sem Partido, que visam, de forma explícita, ou ainda indireta, tolher o professor, reduzindo o universo cultural do aluno, no seu papel de fazer das salas de aula um espaço de ampliação do saber.

ão se pode criar um index totalitário que enxerga no professor alguém que está proibido de passar informações aos alunos, seja da natureza que for (ideológica, política, cultural, credo).

Ensinar é viver e conviver com renovações, na velocidade em que vierem.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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