A SEGURANÇA JURÍDICA E DESENVOLVIMENTO NO ESTADO LIBERAL E NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

27/11/2019 às 02:49
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A Constituição Federal traz o princípio da segurança jurídica entre os direitos fundamentais.

A Constituição Federal traz o princípio da segurança jurídica entre os direitos fundamentais ao afirmar que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, inclusive sendo este um dos pilares nos quais se apoiam as súmulas vinculantes. A característica desse princípio é a imobilidade ou permanência das situações jurídicas da Administração com seus administrados, fazendo com que haja previsibilidade, permanência ou imutabilidade, ainda que relativa, de como algo é decidido pelos Tribunais.

Ocorre que não há como falar do princípio da segurança jurídica fora do contexto sociopolítico de um dado ordenamento jurídico. No passado, com a queda do Ancien Régime, a burguesia tratou de erguer esse princípio à posição de verdadeiro baluarte do Estado Liberal. Com a valorização do individualismo burguês e o advento das constituições rígidas no pós-Revolução Francesa, pretendia-se impedir ou ao menos dificultar mudanças súbitas na ordem constitucional instaurada. A rigidez era, portanto, produto da desconfiança burguesa.

No modelo do Estado Democrático de Direito, o princípio em tela sofreu verdadeira mitigação frente ao neoconstitucionalismo, sem que isso lhe traga uma roupagem de subprincípio desse modelo de Estado. O que ocorre é que a segurança jurídica, assim como os demais princípios constitucionais, não são absolutos e podem sofrer limitações ao colidirem com outros princípios nos conflitos que eventualmente surgem no exercício de direitos fundamentais. A segurança jurídica é importante valor em um Estado Democrático de Direito, embora isso não signifique que seja o único valor ou o mais relevante, pois deve conviver com valores como Justiça e igualdade materiais. Colocar a segurança jurídica como valor acima deste seria comprometer o próprio ideário do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito traz uma nova conformação à segurança jurídica diferente daquela do liberalismo, cuja característica era a manutenção do status quo. A partir do novo modelo que exige uma ordem econômica em consonância com os objetivos do constituinte, a segurança jurídica ganha flexibilidade com o intuito de que a finalidade de justiça social seja alcançada. Isso implica conformação entre segurança jurídica e justiça social no alcance do fim da ordem econômica, sem prevalência a priori deles frente aos outros princípios constitucionais e instituições governamentais.

Para tanto, a segurança jurídica se vale de verdadeiros princípios concretizadores, conforme será demonstrado na sequência.

Atualmente há uma perda crescente de importância da segurança jurídica no contexto neoconstitucional, onde comumente a realização de Justiça e do bem comum confrontam-se com aquele princípio, ainda que em menor grau nas relações jurídicas privadas se comparadas às públicas, de modo a demonstrar o caráter relativo do princípio da segurança jurídica.

Na perspectiva do Direito contratual, aos particulares é dada a possibilidade de regularem as relações jurídicas mediante vontade própria. Ainda que se fale em particulares, é certo que o Estado comumente assume a feição de particular quando pactua acordos ou com outros Estados ou com particulares. A autonomia privada, verdadeiro fundamento do Direito Privado e dos negócios jurídicos, é o espaço que o ordenamento jurídico oferece aos particulares para que criem normas jurídicas reguladoras dos negócios jurídicos firmados entre eles. Ela tem por característica não ser originária nem ilimitada, já que deriva do ordenamento estatal e obedece a limites preconizados pelo próprio Direito, além de ser concretizada mediante diversos princípios jurídicos.

Modernamente, a autonomia privada adquiriu conotação social em contraposição ao caráter de faculdade individual de outrora dos indivíduos regrarem seus comportamentos, sem que isso signifique um poder particular ilimitado. Dentre seus princípios concretizadores, destacam-se os princípios da liberdade contratual, do consensualismo, da força obrigatória dos contratos e da relativização dos efeitos.

O princípio da liberdade contratual ressalta o poder conferido às partes para elaborarem regras jurídicas do negócio jurídico. O princípio do consensualismo destaca o consentimento das partes como um dos fundamentos do negócio jurídico. O princípio da força obrigatória demonstra a vinculação das partes às regras pactuadas. O princípio da relatividade dos efeitos significa que as regras estabelecidas surtem efeitos apenas entre as partes.

Conclusão

Portanto, no Estado Democrático de Direito, todos os princípios concretizantes da segurança jurídica devem trabalhar em harmonia com a ideia de realização de Justiça e de bem comum, haja vista aquela servir à realização destes valores e não apenas à manutenção do status quo do Estado Liberal. Isso não implica a extinção de princípios como o da propriedade privada, mas sim que este somente terá sentido dentro da perspectiva da função social da propriedade preconizada pela Constituição Federal de 1988.

Referências Bibliográficas

1-GOMES, Carlos Jacques Vieira. O marco regulatório da prospecção de petróleo no Brasil. O regime de concessão e contrato de partilha de produção. Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal. Brasília, 2009.

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2-GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar. Contribuições teóricas para o direito e desenvolvimento. Texto para discussão. Instituto de pesquisa econômica aplicada - Brasília: IPEA, 2013.

3-GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed.São Paulo: Malheiros, 2006.

Sobre o autor
Geraldo Santos

Advogado, Doutorando em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Mestre em Administração pela PUC Rio, especialista em logistica empresarial pela FGV e bacharel em direito pela Universidade Santa Ursula.

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