Cláusula de partilha de danos

27/11/2019 às 02:59
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A cláusula de hardship foi concebida de forma a possibilitar “um ajuste convencional na ocorrência de uma circunstância futura e imprevista no momento da conclusão do contrato.

Forma de estabilizar o contrato na indústria se dá por meio da cláusula de partilha de danos (allocation of burden). A tentativa unilateral de mudança da lei pode gerar danos que, nesse caso, devem ser arcados pelas partes. Esse tipo de cláusula comporta várias possibilidades, mas o que normalmente ocorre é que a companhia estatal de petróleo se responsabilize pela maior parte dos danos ocorridos (em alguns outros casos, é o próprio Estado que arca com as consequências de uma mudança legal súbita).

O que se pode pensar, a princípio, é que essa cláusula pouco difere da cláusula de equilíbrio econômico, anteriormente apresentada. Entretanto, não se trata aqui de compensação econômica, mas sim da transferência de qualquer dano adicional também à empresa investidora, caso haja mudanças na lei. Ao contrário do que ocorre com a cláusula de reequilíbrio de benefícios, que pode ocorrer automaticamente ou por meio de novas negociações, a cláusula de partilha de danos não exige uma emenda ao contrato firmado, mas sim uma ação imediata e específica capaz de resolver a situação de dano extremo. Essas ações podem envolver, por exemplo, o pagamento adicional de um tributo ou de royalty: nos casos das companhias estatais de petróleo, por exemplo, é comum que a mudança das leis, prejudicando o equilíbrio do contrato, acabe por fazer com que companhia petrolífera pague taxas ou royalties referentes à sua propriedade sobre a commodity em nome do investidor que foi prejudicado. Pode ocorrer também, mediante menção na cláusula, que o investidor pague o montante adicional que corresponda à consequência das modificações ocasionadas pela lei, tendo o direito de ser indenizado ou pelo Estado hospedeiro, ou pela companhia estatal petrolífera. É possível encontrar um exemplo desta última possibilidade na cláusula estabelecida pelo Governo Regional do Curdistão em seu modelo de contrato de partilha de produção: The Government shall indemnify each Contractor entity upon demand against any liability to pay any taxes, duties, levies, charges, impositions or withholdings assessed or imposed upon such entity which relate to any of the exemptions granted by the Government under this Article 31.1. Nota-se que a cláusula acima isenta o investidor do pagamento de taxas, impostos, arrecadações, débitos, imposições ou retenções na fonte, que acabam sendo pagos, em substituição, pelo governo.

As cláusulas de earn-out consistem em estipulações negociais, em que uma parte do preço de aquisição da sociedade é variável ou contingente, uma vez que seu valor se encontra condicionado pela verificação, dentro de um determinado período (o earn-out period), de certos resultados ou eventos jurídicos, sejam eles econômicos ou materiais. Assim, as cláusulas earn-out caracterizam-se pela indeterminação de parte (ou da totalidade) do preço de aquisição no momento da celebração do contrato de compra e venda, bem como pelo fato de a determinação de parte ou da totalidade do preço de aquisição estar condicionado à ocorrência de fatos futuros ou incertos. O raciocínio por trás dessa cláusula, na indústria do petróleo e gás, é permitir que o investidor que tenha vendido seu ativo petrolífero a outra empresa possa ser compensado em caso de descoberta comercial. Isso porque o valor do ativo petrolífero ainda não é conhecido ao tempo de sua venda. Essa compensação se dá em medida proporcional aos investimentos realizados pelo primeiro investidor, uma vez que ele contribuiu para a descoberta da fonte de petróleo e gás, mantendo-se, assim, o equilíbrio contratual entre vendedor e adquirente. Dessa forma, intenta-se a repartição mais equitativa dos riscos entre as partes. Para o vendedor é favorável, caso a sociedade apresente um grande potencial de crescimento. Ademais, em momentos de crise econômica, a utilização dessas cláusulas pode beneficiar o comprador, que tem a oportunidade de avaliar o preço da aquisição realizada com base em desempenhos futuros, que talvez difiram bastante dos desempenhos passados, caso tenham sido alvos de crises financeiras. No exemplo a seguir, tem-se a situação em que foi firmado um contrato no qual uma empresa vende a uma outra sua participação na exploração de um campo de gás, sem que tenha havido a declaração da comercialidade do campo: Art. 7. Eventual Compensación por Descubrimiento 7.1 Las Partes reconocen y declaran que XXXX, en su carácter de socio del Acuerdo de Operación Conjunta, se encuentra desarollando actividades de exploración para el descubrimiento de Hidrocarburos comercialmente explotables, sobre una determinada porción del Lote 57, denominada YYY. 7.2 A la fecha no se han realizado descubrimientos de Hidrocarburos comercialmente explotables como resultado de los trabajos de exploración del “YYYY”. 7.3 Las Partes acuerdan negociar de buena fe y de acuerdo al principio de negociación entre partes independientes (arm’s length transaction) una compensación a favor del Vendedor que refleje el valor del “YYYY” en condiciones de mercado o, alternativamente, la no participación del Comprador y su respectiva compensación. Dicha negociación y acuerdo podrá darse en cualquier momento pero limitado al plazo máximo de 180 (ciento ochenta) días contados a partir de la declaración de comercialidad de dicho descubrimiento ante la autoridad de aplicación de la República del XXXXX. No caso acima, por um determinado período de tempo (cento e oitenta dias), haverá compensação em favor do vendedor em relação à exploração do lote pelo comprador. Entretanto, por uma falha negocial, não foi estipulada na redação da cláusula a forma pela qual seria calculado o valor compensatório, o que pode gerar outros conflitos.

Conclusão

A cláusula de hardship foi concebida de forma a possibilitar “um ajuste convencional na ocorrência de uma circunstância futura e imprevista no momento da conclusão do contrato, que viesse a causar uma alteração econômica, de modo que a execução do contrato se tornasse impossível”. Essa impossibilidade pode ser temporária ou definitiva, além de ser desproporcionalmente onerosa para uma das partes.

Referências Bibliográficas

1-Jardel, Silvia y Barraza, Alejandro  (1998)  Mercosur Aspectos Juridicos y  Economicos  1ª ed  Buenos Aires  Cuidad Argentina

2-Kelsen, Hans. (1984) Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. Coimbra: Arménio Amado.

3-LIMA, Paulo César Ribeiro. Os “royalties do petróleo”, a lei n. 12.734/2012 e a ação a ser julgada pelo STF. Disponível em: < http://www.aslegis.org/2013/04/os-royalties-do-petroleo-lei-n.html> Acesso em: 10 jan. 2014.

Sobre o autor
Geraldo Santos

Advogado, Doutorando em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Mestre em Administração pela PUC Rio, especialista em logistica empresarial pela FGV e bacharel em direito pela Universidade Santa Ursula.

Informações sobre o texto

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