DIREITO DE ASSOCIAÇÃO A ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS (ART. 5º, XVII, CF)

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O presente artigo trata-se de uma contextualização acerca de regras de entidades religiosas sobre o casamento, em uma análise da epistemologia jurídica no âmbito social. A teoria dos direitos fundamentais como parâmetros de possibilidades da liberdade.

RESUMO

 

O presente artigo trata-se de uma contextualização acerca de regras de entidades religiosas sobre o casamento, em uma análise da epistemologia jurídica no âmbito social. A teoria dos direitos fundamentais como parâmetros de possibilidades da liberdade e livre associação entram em colisão para que o indivíduo possa celebrar matrimônio com quem desejar, mas ao mesmo tempo seguindo normas religiosas impostas ao consentimento do participante. A consequência está no dilema entre a permanência na religião ou paradigmas de compatibilidade afetiva e a aproximação do caso com o ordenamento jurídico.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O trabalho tem a finalidade de observar os direitos fundamentais da liberdade de associação e liberdade de casamento, diante do fato que algumas instituições religiosas possuem como preceito que os seus membros só podem  casar em entre si, assim uma pessoa que seja pertencente desta crença não pode contrair matrimônio com um terceiro que não seja seguidor dessa doutrina religiosa, gerando um conflito entre o direito de liberdade de escolha do indivíduo em relação ao seu parceiro conjugal e o direito da liberdade religiosa perante a criação de seu estatuto.

 

Indagando-se, sobre qual direito deverá prevalecer quando houver conflito desta natureza, e se há necessidade da intervenção Estatal nestes casos, tendo em vista que não há obrigatoriedade, ou seja, é uma escolha do indivíduo   de se associar a instituição religiosa que impõe tal norma, podendo a qualquer momento dissociar-se quando esta lhe desagrade, em contrapartida, o Estado visa dar garantia ao cumprimento dos direitos fundamentais, deixando ao indivíduo a discricionariedade com quem contrair casamento, preservando a mínima intervenção na vida privada do cidadão.

 

Assim com intuito de ampliar o debate sobre a temática, o artigo apresenta argumentação contra as regras limitadoras mirando que a liberdade religiosa não possui caráter absoluto, devendo não fazer discriminação e restrição além das já previstas em lei, preservando a não interferência na vida íntima do indivíduo, já na argumentação a favor de regra limitadoras, analisa o direito de livre associação, da liberalidade da criação de seu regimento, bem como o direito de saída.

 

Observando as normas vigentes da Constituição da República do Brasil e o Código Civil Brasileiro e buscando parâmetros com as de âmbito internacional como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, juntamente com referências jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal sobre a instituição religiosa adventista e da testemunha de jeová, fazendo-se ainda uma breve análise da cultura religiosa Amish, bem como a prática de grupos étnicos realizados  no Oriente Médio e na África, com intuito de melhor debater a problemática, Realizando o presente projeto por meio de pesquisa bibliográfica.

 

2 ATOS CONSTITUTIVOS DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS: REGRAS LIMITADORAS E ANÁLISE DE CASO

 

    Existem religiões em que os membros são “obrigados” a celebrar matrimônio entre os próprios participantes, entretanto, como é sabido, as relações pessoais nem sempre são compatibilizadas pela religião, mas por afinidade. Desse modo, a crença passa a ser um peso, tendo em vista que relacionamentos podem ser dissolvidos em razão de normas que causam embate de emoções: a fé e o amor.

 

Na análise do caso concreto, a exigibilidade de regras para se manter a uma determinada religião vem de um panorama antigo, desde a fundação das religiões e o início da própria sociedade, como a citação de Koselleck por Neves (2016, p. 487), da qual o entendimento está:

 

Em uma perspectiva de história da constituição, Koselleck amplia o conceito para incluir ‘todas as instituições legalmente reguladas e suas formas de organização, sem as quais uma comunidade social de ação não é politicamente capaz de agir’.

 

    Destarte, adiante serão expostas premissas contra normas de organizações religiosas que privam a liberdade do indivíduo, bem como à favor, uma vez que há a necessidade da efetivação da pluralidade religiosa, ainda que isto represente algumas  relações contraditórias com outras práticas e normatividades sociais.

 

3 ARGUMENTAÇÃO CONTRA REGRAS LIMITADORAS

 

Sabe-se que durante a Revolução Francesa o povo lutou para conquistar liberdade, em um contexto marcado pela crise política e econômica, a população teve que lidar com altos índices de pobreza e escassez de alimentos, enquanto a nobreza continuava a ostentar o luxo e negar as necessidades dos cidadãos. Para resolver tal impasse foi necessário recorrer a revolução, com intuito de exatamente limitar o poder do rei quando se tratava de gerenciamento do estado e também na vida privada, considerando a forte interferência na do Estado e da Igreja Católica na vida dos franceses.

 

Assim, a assembleia teve que tomar medidas rapidamente, decretou a abolição dos privilégios feudais e em 26 de Agosto de 1789, proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que reconhecia aos indivíduos determinados direitos naturais, documento este que serviu, de base para a reforma jurídica do Estado. Com base essas decisões a sociedade de ordens, que vigorava na frança desde a idade média foi abolida, não haveria mais primeiro, segundo e terceiro estados dividindo a população. (ALVES; OLIVEIRA, 2010, p. 368).

 

Diante disso, a monarquia acabou sendo mantida, em Setembro de 1791, promulgou-se a Constituição e obrigaram o Rei a ratificá-la, Luís XVI tornou-se representante da nação e seus poderes foram limitados pela lei e por uma assembleia eleita, demolindo as bases do absolutismo. É importante perceber o sentimento social que não aceitava mais a intromissão do Estado e da Igreja em sua vida e no cotidiano. Trazendo para o caso concreto, atualmente quando uma igreja adota a postura de impedir um fiel de casar-se com quem o mesmo desejar existe uma clara violação de direito, pois cabe ao indivíduo decidir sobre esse aspecto íntimo da vida privada. (ALVES; OLIVEIRA, 2010, p. 369).

 

A Constituição Federal de 1988, advinda após o período da ditadura militar, comprometeu-se ao máximo com os direitos e garantias fundamentais, a fim de deixar o indivíduo livre para realizar suas escolhas: a fé que opte professar, a religião que deseja seguir, bem como os demais atos da vida civil, inclusive a escolha de com quem se relacionar.

 

A laicidade do Estado adotada na Constituição, surge para prestigiar a pluralidade de crenças e valores, sempre bem vindos em uma democracia, pois acima de tudo, concede a liberdade de escolha ao indivíduo. Como consequência o Estado compromete-se em desagregar os valores religiosos dos atos de governo e a não intervir nessa esfera privada da vida de seus cidadãos.

 

Vale ressaltar que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, também é abordado na CF/1988, segundo Artigo 1º, inciso III, “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: A Dignidade da Pessoa Humana”.Ainda sobre tal princípio, Nunes (2018, p. 73 e 74), trata a aplicação concreta do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como dever social:

 

Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Alias, é um verdadeiro supraprincipio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. O esforço é necessário porque sempre haverá aqueles que pretendem dizer ou supor que a dignidade é uma espécie de enfeite, um valor abstrato de difícil captação. Só que é bem ao contrário: não só esse princípio é vivo, real, pleno e está em vigor como deve ser levado em conta sempre, em qualquer situação. A própria Constituição Federal, de certa forma, impõe sua implementação concreta. Há, para usar a expressão cunhada pelo professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, um piso vital mínimo imposto pela Carta Magna como a garantia da possibilidade de realização histórica e real da dignidade da pessoa humana no meio social. Diz o jurista paulista que, para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal que por sua vez está atrelado ao caput do art. 22, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, assistência aos desamparados, na forma da Constituição, assim como direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial a qualidade de vida. Somem-se a isso os demais direitos fundamentais, tais como direito a vida, a liberdade, á intimidade, a vida privada, a honra e etc.

 

    Afora a importância histórico-social da liberdade religiosa e o grande significado dessa conquista, sobretudo para as minorias que antes eram impedidas de professar suas crenças, tal liberdade garante ainda a oportunidade de desenvolvimento pleno do indivíduo uma vez que protege a sua esfera privada e mais íntima, sua dignidade e consciência. Por esta razão diversos documentos internacionais a protegem, tais como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos do Homem:

 

Convenção Americana sobre Direitos Humanos

ARTIGO 11º Proteção da Honra e da Dignidade

[...]

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

ARTIGO 12º

Liberdade de Consciência e de Religião

[...]

2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. (Grifo nosso).

 

Convenção Europeia de Direitos do Homem 

ARTIGO 9° Liberdade de pensamento, de consciência e de religião 

1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 

2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à protecção dos direitos e liberdades de outrem.

[...]

Protocolo n° 12 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

ARTIGO 1º Interdição geral de discriminação 

1. O gozo de todo e qualquer direito previsto na lei deve ser garantido sem discriminação alguma em razão, nomeadamente, do sexo, raça, cor, língua, religião, convicções políticas ou outras, origem nacional ou social, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento ou outra situação. (Grifo nosso).

 

 No entanto, assim como os demais direitos fundamentais, a liberdade religiosa encontra limitações, uma vez que não é admitido que uma religião legitime ingerências na vida privada de outrem, atentando contra a sua dignidade. Nesse sentido, disserta Moraes (2015, p. 49):

 

Obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liberdade religiosa não atinge grau absoluto, não sendo, pois, permitidos a qualquer religião ou culto atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, sob pena de responsabilização civil e criminal.

 

Ocorre que as comunidades religiosas por vezes interferem na autonomia privada de seus fiéis, seja em aspectos físicos ou comportamentais, inclusive, a forma de relacionar-se ou com quem. Não é incomum que certas comunidades interfiram inclusive no relacionamento conjugal, orientando os adeptos da religião ou restringindo seu direito de escolher com quem se casar.

 

Outro aspecto que não é levado em consideração pela igreja em questão é a importância da família no período atual, pois a Constituição Federal estabelece proteção a qualquer tipo de família, segundo aponta o Art. 226 caput, “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. É fundamental inclusive abordar a modificação do conceito de família ao longo dos anos, fato que justifica essa proteção mais acentuada ao instituto, no contexto de uniões estáveis, uniões homoafetivas e valorização do vínculo afetivo.

 

No que diz respeito a essas inovações de conceitos Sousa (2014, p. 24 e 25) destaca:

 

A sociedade possui grandes instituições que são fundamentais para a sua organização, como a família, a propriedade e o Estado. Dentre as instituições, a família representa a mais antiga,; no entanto, não podemos registrar, de maneira precisa e exata, a sua origem. Sob o aspecto sociológico pode-se assegurar que a sua formação é cultural, que deriva de comportamentos, de hábitos e de valores próprios dos membros que compõe o grupo, em um determinado tempo e espaço. A partir dessa constatação, pode-se afirmar que a palavra família não tem único sentido, ao contrário esta expressão varia conforme o tempo e o espaço, na medida em que a sociedade vai se modificando. Para que os leitores tenham uma visão bem definida do conceito de família Maria Rosário Leite Cintra menciona que é o local onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e o lugar onde ele é lançado para a sociedade e para o universo. E ainda completa dizendo que é na família o lugar apropriado de se realizar uma boa educação, de se aprender o uso adequado da liberdade, e, onde há iniciação gradativa do mundo do trabalho.

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Portanto, a conduta da instituição religiosa em ênfase é desproporcional e incompatível com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu Art. 16 menciona o seguinte: Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, tem o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Tem direitos iguais em relação ao casamento, a sua duração e sua dissolução.

 

Algumas comunidades religiosas mais radicais, chegam a impor que o casamento seja realizado entre pessoas da mesma igreja, nesses casos aquele que não quiser se casar com alguém da mesma comunidade é proibido de casar-se, sob pena de não ser mais aceito. 

 

Entende-se que este tipo de ingerência sobrepõe-se às atribuições de uma organização religiosa, pois as legislações brasileiras bem como os tratados internacionais dos quais o país é signatário adotam medidas para proteger o direito de se casar e de constituir uma família, e uma delas é concedendo a liberdade de escolha de seus parceiros a homens e mulheres.

 

Adotar uma religião é considerado no ordenamento jurídico como, além de liberdade religiosa, uma manifestação da liberdade de associação, assim na medida em que um membro de uma comunidade é colocado entre a escolha de permanecer associado à religião que professa ou casar-se com a pessoa que escolheu, tem-se uma limitação ao exercício de direitos considerados fundamentais: liberdade religiosa, liberdade de associação e o direito ao casamento e a família.

 

O direito ao casamento, protegido no art. 17, 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos determina a possibilidade do indivíduo a partir de alcançada a idade núbil prevista na legislação, ter o direito de se casar e de constituir família, segundo as leis nacionais que regem o exercício deste direito.

 

ARTIGO 17 Proteção da Família

[...]    

2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem à idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido nesta Convenção.


 

Ademais, as comunidades religiosas, embora muitas vezes sejam uma demonstração cultural, não podem trazer em seus códigos de conduta, disposições que contrariem os direitos e garantias assegurados pelo sistema jurídico adotado no Estado. A liberdade de associação não permite a formação de grupos com autonomia para decidir quais direitos e obrigações estabelecidas pelo Estado aplicam-se aos membros da comunidade religiosa, dessa forma, a decisão de igrejas de restringirem o direito de casamento de seus fiéis sob pena de expulsão da associação é inconstitucional no Brasil.

 

Situações como essa, deixam mais evidente que não raras as vezes, as religiões não acompanham as evoluções sociais, considerando o fato de que famílias não oriundas do casamento propriamente dito, encontram também amparo de proteção nas normas vigentes, pois independente de casamento ou de com quem o indivíduo escolha casar, ainda sim será caracterizada uma família.

 

Além disso, não permitir que os fiéis casem com pessoas de outra religião pode ocasionar até mesmo um afastamento de fiéis e de outros simpatizantes daquela religião em razão dessa restrição. Ademais, a laicidade estatal deve colaborar para que não haja essa interferência, pois em tese, Estado e Religião devem permanecer separados, embora haja momentos que ambos se cruzam. Como esclarece Ponzilacqua (2002, p. 1037):

 

Nos tribunais brasileiros, mesmo nas instâncias superiores, pululam casos envolvendo explícita ou implicitamente o fenômeno religioso. São comuns serem levados aos tribunais casos, são comuns serem levados casos relativos a transfusão de sangue e a liberdade religiosa de determinados segmentos religiosos (como destaque testemunhas de Jeová); conflitos abertos em denominações religiosas […], problemas jurídicos atinentes a tributação e a isenção das organizações religiosas e/ ou templos; definição como instituição religiosa ou não de grupos específicos, problema da filiação religiosa de crianças; imposição de ritos ou crenças em ambiente de trabalho, casos envolvendo bioética ou ética religiosa, como a discussão do aborto de anencefálicos ou da união civil de casais homoafetivos… Enfim, uma plêiade crescente de jurisprudência que se forma torno da matéria religiosa e precisa ser gradativamente sistematizada, considerada e ponderada, especialmente sob o ponto de vista da técnica jurídica e da sua compreensão como fenômeno integral a partir de elementos de outras ciências.

 

O trecho anterior reforça a ideia de que o conflito entre as liberdades sempre vai existir, considerando que a proximidade histórica entre Estado e Religião, traz consequências e impactos dessa complexidade para a sociedade atual, cabendo ao executivo, legislativo, judiciário e cidadãos brasileiros tratar e gerir esses conflitos da melhor maneira.

 

Paralelo a isso, o Código Civil vigente aponta a proteção ao casamento quando apresenta em seu art. 1513, o seguinte dispositivo, “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Porém, sabe-se o quanto as religiões influenciam nesse processo de formação da família, na medida que princípios, dogmas e práticas são passados a cada geração. Por isso, muitas vezes fiéis acabam naturalizando o fato de uma mulher ter que permanecer ligada ao marido “até que a morte os separe”, não importa o que aconteça, logo, restringir as possibilidades de contrair matrimônio somente com indivíduos que frequentam o mesmo local religioso e compartilham da mesma crença, acaba sendo também perfeitamente aceitável.

 

Como exemplo destaca-se o comentário geral adotado pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas N° 24/1977, A/36/40. Julgado em 1981 o caso Lovelace vs. Canadá é considerado um significativo precedente quanto às relações e conflitos entre diferentes sistemas jurídicos e campos culturais,  como destaca Bartolomé Clavero (1999, p.2).

 

No caso em comento, Sandra Lovelace, que nasceu e foi registrada como Maliseet Indian, reivindica a alteração de uma lei canadense que retira os direitos e status de mulheres indígenas que se casam com um  homem branco. Dentre os direitos perdidos está o de usufruir da terra e consequentemente o de viver na reserva. No comentário geral, o Comitê destaca que:

 

(9) A maior perda para uma pessoa que deixa de ser indiana é a perda dos benefícios culturais de viver em uma comunidade indiana, os laços emocionais com o lar, a família, os amigos e os vizinhos e a perda de identidade.


 

Uma comunidade religiosa traz traços culturais e representa parte da identidade de seus membros, ou seja, é parte essencial da construção moral e social daqueles que fazem parte do grupo. Na medida em que uma religião determina a expulsão de um membro caso opte por casar-se com pessoa de diferente religião, nega ao excluído o direito de professar e praticar sua própria religião, limitando assim o direito à liberdade religiosa que detém.

 

Por fim, podemos enfatizar a relevância dos Direitos Humanos, que possui como fundamento a natureza humana, esses direitos e liberdades, graças ao reconhecimento, ganharam proteção. São garantidos pela ordem jurídica, pelo Estado. Isto significa passarem a gozar de coercibilidade. Sim, porque uma vez reconhecidos cabe ao Estado restaurá-los coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja órgão ou agente do Estado (FILHO, 2016, p. 47).

 

Na verdade, o estado contemporâneo nasce, como se viu, de uma filosofia política que o justifica exatamente pela necessidade de dar proteção aos Direitos Fundamentais, Art. 2º da Declaração de 1978, “O fim de qualquer associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem”, Por isso é delicado a Religião interferir dessa maneira na autonomia do indivíduo de casar-se com quem desejar, sob pena de invadir as suas liberdades protegidas pelo estado e adentrar em questões do núcleo familiar.

 

4 ARGUMENTAÇÃO À FAVOR DE REGRAS LIMITADORAS

 

    Por outro lado, é perceptível que existe uma relação dúbia entre religião e Estado, uma vez que há uma influência duradoura na sociedade e nos próprios valores jurídicos do Ocidente. Para impedir tal interferência religiosa no ordenamento jurídico, bem como nas atividades administrativas, o legislador procurou sanar isso ao garantir que o Estado fosse laico, bem como estabeleceu a liberdade religiosa como direito fundamental, como foi previsto pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal de 1988, a seguir transcrito: 

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

[...] 

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 

 

Inclusive, no Brasil a Lei nº 10.825 de 2003 acrescentou ao art. 44 do Código Civil os incisos IV e V, bem como os parágrafos 1º, 2º e 3º. No caso em exposto, os significativos são o inciso IV e §4º, que alterou a classificação jurídica das igrejas, in verbis:

 

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: 

[...] 

IV - as organizações religiosas; 

[...] 

§ 1º São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. 

 

Nesse contexto, as regras das organizações religiosas podem ser formuladas conforme as decisões dos membros, obedecendo os critérios das próprias entidades, mesmo que não sejam de conformidade com o pensamento da minoria pertencente à seita, necessitando apenas da maioria e, cada indivíduo, voluntariamente, escolhe seguir ou não a essas regras, exercendo o seu direito constitucional de liberdade de associação.

 

Inobstante, pode-se dizer que algumas normas podem vigorar mesmo que contra a vontade da maioria, pois já foram estabelecidas anteriormente e a imutabilidade é cláusula protetora, ou então, a elaboração seja de exclusividade de um grupo seleto de membros. Nesse sentido, classifica Lopes (2015, p. 166): 

 

Partindo-se do pressuposto de que um grupo deve ter o direito de fixar suas próprias regras, deve-se também aceitar o direito desse grupo de estabelecer o procedimento por meio do qual essas regras são tomadas. Isso pode implicar em aceitar a existência de regras que excluam alguns membros da participação da tomada de decisões (por exemplo, uma comunidade indígena na qual apenas os homens têm o direito de participar das reuniões e de votar) ou, considerando que, muitas vezes, as decisões são tomadas a partir da regra da maioria, ter que aceitar que uma parcela minoritária de um grupo nunca possa ganhar uma votação (por exemplo, as mulheres de um determinado grupo religioso). 

 

Assim, podemos trazer como exemplo o caso das Testemunhas de Jeová, que estão acionando o Poder Judiciário para tratar da relação indivíduo-Estado, pois esta religião não permite que sejam realizados determinados procedimentos por ferir certas regras. Uma delas será discutida no Recurso Extraordinário nº 1212272/AL, de repercussão geral, e que decidirá sobre a transfusão de sangue em tratamentos de saúde. 

 

Igualmente, vale destacar o Recurso Extraordinário 611.874/DF, também de repercussão geral (Tema 386: Realização de etapas de concurso público em datas e locais diferentes dos previstos em edital por motivos de crença religiosa do candidato), que discute o caso de uma professora, praticante da religião Adventista, que foi reprovada em seu estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, pois sua religião não permite a realização de atividades as sextas-feiras a partir do pôr do sol e aos sábados. 

 

Nesse sentido, percebe-se que pode ser utilizado o direito de defesa, qual seja a abstenção do Estado nas liberdades individuais, limitando assim a ação objetiva da administração pública. Mendes e Branco (2019, p. 158) sobre esse assunto, expressam que “Os direitos de defesa vedam interferências estatais no âmbito de liberdade dos indivíduos e, sob esse aspecto, constituem normas de competência negativa para os Poderes Públicos”. 

 

Assim, é dado ao indivíduo o livre direito de escolha em participar de determinada associação, sem a obrigação de permanecer associado, e o Estado não irá se manifestar sobre regras que possam ser discutidas entre os membros, sendo de escolha discricionária do participante, devendo ser cada ponto de vista ser considerado válido, em aproximação ao Relativismo Cultural (REICHERT, 2006). 

 

Entende-se, ainda, que existem sim privações para tais regras, como sugere Bulos (2015, p. 578), expondo que “As liberdades religiosa e de convicção político-filosófica podem, porém, sofrer privações em duas hipóteses: descumprimento de obrigação legal a todos imposta e descumprimento de prestação alternativa fixada em lei (CF, art, 5º, VIII)”. 

 

Portanto, que desde que as normas religiosas não entrem em conflito com as leis, nem façam seus participantes se sentirem obrigados a realizar atos sem a sua vontade, podem-se manifestar conforme a sua liberdade de crença, desde a elaboração do estatuto a ser seguido pelos membros, até por quem elabore tais preceitos e as implementem, mesmo que seus fiéis entrem em conflito, precisando escolher o que melhor lhes convém, seja continuar em determinada religião e seguir as regras, inclusive às contrárias aos direitos humanos, seja discordar e sair. Nesse dilema, expõe Ferreira (2016, p. 81): 

 

Desde já, é reconhecida a dificuldade em expressar um viés mais adequado de solução que o outro pois, todos implicam diversas consequências positivas e negativas, conforme já exposto, sendo ambos absolutos. Ou se abre mão da vida em detrimento da liberdade religiosa, ou vice-versa. 

 

O direito de saída é perfeitamente possível que caso o indivíduo não concorde com a regra imposta pela sua religião e para Lopes (2015, p. 167) significa:  

 

O direito de saída é definido como o direito do membro de um grupo de livremente decidir sair dele. Não é suficiente que o direito se exerça apenas de jure, mas deve também o ser de facto

(...) Assim uma prática para ser aceita deve permitir que o indivíduo, ainda que depois de ter saído do grupo, não carregue nenhuma marca indelével ou que faça com que terceiros possam identificá-lo como alguém que algum dia fez parte dessa minoria cultural.

 

No mesmo sentido, Green (1998, p. 168) leciona sobre o direito de saída: 

 

Social groups are thus free association from the political point of view. No one is legally or politically compelled to be a member of any of them. If membership brings limitations on belief and behavior, if it subjects adherents to practices that would otherwise be discriminatory, unjust, or foolish, then these disadvantages nonetheless flow from a free decision to belong, and any of them can be evaded by leaving the group.

 

Esse direito também encontra-se garantido no art. 10 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art. 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos, conforme vejamos: 

 

Art. 10º Liberdade de pensamento, de consciência e de religião

1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.

2. O direito à objeção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.

 

[...]

 

Art. 18º 

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. 

 

Entretanto, mesmo existindo o direito de saída, o qual é baseado nos dizeres “ame-o ou deixo-o”, não se pode garantir que haverá uma real saída do indivíduo do grupo que anteriormente pertencia, não existindo a garantia de que, como leciona Green (1998, p. 166) “a right of exit is enough to protect internal dissidents". Principalmente quando se trata de deixar uma religião, escolhida pela fé do indivíduo, o qual acabou, ao longo dos anos, por internalizar diversos preceitos morais que formaram a personalidade e regem a vida em sociedade. 

 

Como exemplo, se pode citar a comunidade amish. Os integrantes dessa comunidade praticam suas tradições de forma bem diferente do “comum”, já que vivem uma vida simples, sendo fazendeiros quase a totalidade dos homens. Além do mais, consomem alimentos produzidos pela comunidade, devendo residirem em suas propriedades com todos os membros da família e os casamentos serem realizados só com membros da religião, bem como não sendo adeptos da energia elétrica e de métodos contraceptivos (WEYER, et al, 2003).

 

Assim, caso um dos membros não concordasse com certa prática realizada, como a do casamento, percebe-se que não seria uma tarefa fácil tentar se desassociar da comunidade amish, sendo, portanto, o direito de saída não é absoluto. Ao longo da vida dos integrantes da referida comunidade, foram inseridos diversos preceitos morais, os quais causaram “profundas repercussões na vida e na identidade pessoal do indivíduo” (LOPES, 2015, p. 168), sendo um desafio romper com sua religião e sua família.

 

Por isso, Green (1998, fls. 177-178) considera que existem certos direitos que podem adicionar fundamentos para garantir a saída de certos grupos, vejamos: liberdade de desfiliação, liberdade de locomoção, liberdade de expressão, liberdade de associação e justa distribuição dos recursos comuns.

 

Sobre esse assunto, também é importante mencionar que Elizabeth Reichert (2006), estabeleceu três parâmetros para se saber se determinada regra cultural está de acordo com direitos humanos. O primeiro, analisa-se se a prática é um costume antigo ou recente; o segundo, se foi uma prática democraticamente escolhida; e, por fim, é necessário saber se a maioria dos países condena a realização dessa prática.

 

Para analisar esses parâmetros, tomaremos como exemplo, dessa vez, o caso da mutilação genital feminina, prática cultural realizada, até os dias atuais, por diversos grupos étnicos que residem em países da África e do Oriente Médio e que é invocada como forma de legitimar a religião muçulmana.

 

Os primeiros dados colhidos acerca da mutilação genital femininas são datados de, aproximadamente, 5.000 anos (GRANT, 2016), sendo uma tradição que está enraizada na cultura dos grupos étnicos que a praticam.

 

Sobre o segundo parâmetro, provavelmente, essa prática não foi democraticamente escolhida, já que ela envolve, “procedimentos que envolvam a remoção parcial ou total da genitália externa feminina ou outras lesões aos órgãos genitais femininos, quer por razões culturais, quer por outras razões não-médicas ou não-terapêuticas” (GRANT, 2016, p. 04). Entretanto, por ter se tornado uma tradição, toda a comunidade e as autoridades locais incentivam a realização da mutilação, como justificativa de “purificar” e preservar a virgindade das mulheres até seus casamentos.

 

Quanto o terceiro parâmetro, essa prática é rejeitada pela grande maioria da sociedade mundial, pois acaba ocasionando diversos problemas de saúde às mulheres afetadas por essa tradição, tais como, hemorragia intensa, infecções, comprometimento do sistema urinário e reprodutor, dores no ato sexual e no parto, podendo levá-las, inclusive, a óbito (GRANT, p. 07).

 

Nesse sentido, conclui-se que existem argumentos que legitimam a prevalência da liberdade de casamento/religiosa sobre a liberdade de associação, contudo, um de seus principais, o direito de saída, acaba por não ser absoluto, não garantindo que essa saída seja realizada de forma completa, já que algumas tradições culturais realizam práticas que podem deixar marcas substanciais, sejam físicas ou psicológicas, em seus (ex-) praticantes. 

 

5 CONCLUSÃO

 

Diante da problemática e as argumentações expostas acima, destaca-se as divergências de opiniões dos participantes da pesquisa, pois como se observa, o conflito surge quando o indivíduo se encontra em um dilema entre seguir a doutrina religiosa que restringe o seu direito de escolha para formação de vinculo conjugal, ou de se ver obrigado a deixar a instituição para ver garantido o seu direito de casar com quem almeja.

 

Portanto, encontra-se choque de posições de interpretações sobre a temática, já que as normas nacionais e internacionais em estudo para o presente artigo apenas visam dar garantias de direitos fundamentais, resguardando a dignidade da pessoa humana, sem a observância de sobreposição de direitos.

 

Surgindo assim o posicionamento em benefício da norma limitadora estabelecida pela entidade religiosa, tendo em vista que a liberdade de associação é de caráter individual de se identificar com a doutrina da igreja, ou seja, o indivíduo se vincula por vontade própria a tal instituição, submetendo-se as convenções que esta lhe impuser.

 

Tendo em vista ainda a autonomia das instituições de reger seus preceitos, bem como é dado a garantia de saída do indivíduo quando não lhe for mais conveniente, não sendo necessário a intervenção Estatal para solucionar o conflito, cabendo apenas ao cidadão escolher seguir ou não a religião, ou que seja levado em discussão tal preceito perante os seus membros. Entendendo-se ser o caso de intervenção Estatal nas entidades religiosas quando os membros forem menores de idade, e que venha pôr em risco a saúde e a integridade física.

 

Em contradição ao pensamento exposto anteriormente, apresenta-se a argumentação contra a norma limitadora do casamento imposta pela instituição religiosa, analisando o processo histórico do direito da liberdade durante a revolução francesa em que se buscou fervorosamente garantir as liberdades individuais, almejando a mínima intervenção do Estado e da igreja na vida dos cidadãos.

 

Tal norma não deve prosperar, pois impõe limites de escolha do indivíduo, o que dificulta o processo de se constituir família, que também é um direito do ser humano, além de intervir diretamente na vida íntima do indivíduo, de forma abusiva, transgredindo as liberdades conquistadas pelo povo, na qual o Estado passou a proteger. Motivando-se a intervenção Estatal para que venha ser reivindicado, pois o direito à liberdade religiosa não é de caráter absoluto.

 

Destacando-se ainda que o mero direito de saída, não desvincula o indivíduo totalmente da igreja, já que a fé e a crenças religiosas são formadoras de caráter moral, constituindo a personalidade do cidadão, permanecendo mesmo após a saída do indivíduo da instituição.

 

Sendo este o posicionamento da maioria dos integrantes da pesquisa acreditando-se que a   intervenção da instituição religiosa na limitação da escolha do indivíduo em relação ao cônjuge, fere as liberdades estabelecidas pelo o Estado. Assim, a liberdade de casamento deverá prevalecer sobre a liberdade de livre associação.

 

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Sobre os autores
Pedro Henrique Silva de Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Especialista em Direito e Processo Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC

Delela Murta Figueiredo

Advogada. Especializando em Direito e Processo Constitucional.

Emanuelle Furtado Sousa

Advogada. Especializando em Direito e Processo Constitucional.

Mariane Sampaio Freire

Advogada. Especializando em Direito e Processo Constitucional.

Ana Cecília Zaranza Antunes

Advogada. Especializando em Direito e Processo Constitucional

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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