O Abolicionismo Penal

29/11/2019 às 20:50
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Este artigo traz à tona o desenvolvimento do abolicionismo penal e do minimalismo, relacionando-os ao sistema jurídico brasileiro.

O Abolicionismo Penal surge como uma corrente político-criminal, decorrente das manifestações contra culturais da década de 1960, a fim de deslegitimar o sistema carcerário e a lógica punitiva, ainda em prática, bem como “combater este sistema injusto e utilizado como forma de separar classes e reproduzir desigualdades”.

O Direito Penal, enquanto instrumento de higienização e segregação social, age de forma determinista, uma vez que atribui estigmas a uma certa população, tomando consequências por causas. Neste sentido:

A aplicação seletiva das sanções penais estigmatizantes, e especialmente o cárcere, é um momento superestrutural essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade. Incidindo negativamente sobretudo no status social dos indivíduos pertencentes aos estratos sociais mais baixos, ela age de modo a impedir sua ascensão social. (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2014)

Na contramão da prática contemporânea, o Direito Penal se define como o do tratamento, ou seja, busca legitimar a defesa social de modo que a mesma seja capaz de reeducar e reinserir o indivíduo na sociedade, pois o legislador tem consciência que as inovações introduzidas no sistema carcerário não podem fazer desaparecer de um golpe os efeitos negativos da prisão no futuro, e que são opostos a sua inserção.

Assim, identificados os maiores problemas relacionados à injustiça e ao determinismo do sistema penal, bem como a insuficiência do sistema carcerário na reinserção do indivíduo na sociedade, conclui-se que antes de se chegar ao sujeito criminoso, mister se faz uma reestruturação ideológica da sociedade.

Devido a essa internalização que ocorre no indivíduo, o abolicionismo de Hulsman propõe a substituição de signos ligados à sistemática penal, como criminoso, política criminal, crime, a fim de substitui-los por vocábulos que não induzam a um pré-julgamento do sujeito que se encontra em fase processual, já que tais signos estimulam e corporificam uma rede significante que tende a condenar o sujeito antes mesmo de que seja proferida a sentença.

Destarte, a sistemática conciliatória utilizada nos procedimentos cíveis tornar-se-ia um instrumento de resolução de conflitos também na seara criminal, sob essa perspectiva adaptações nos tribunais cíveis far-se-iam necessárias, a fim de ampliar o nível de coercitividade de suas sentenças. “Com a possibilidade de satisfazer os sentimentos retributivos ou vingativos pelos mecanismos cíveis sem a marginalização e estigma do sistema penal.”

Diante de tais levantamentos, pondera-se que a teoria de Hulsman pretende desenvolver uma nova perspectiva acerca do fenômeno criminal, “devolvendo os conflitos às partes interessadas e com soluções humanas” em detrimento das já saturadas tentativas de solução dos diversos problemas enfrentados pelo atual sistema penal.

A possibilidade de interação entre as partes na esfera conciliatória, para além da máxima dostoievskiana de crime e castigo, oferta ainda a possibilidade de entendimento e compreensão dos fatos circunstanciais que deram origem ao problema, a fim de se buscar um resultado positivo e eventualmente benéfico à sociedade como um todo.

Nada obstante, ainda que as ideias de Hulsman tenham se desenvolvido com base na realidade social da Europa na segunda metade do século XX, e esteja um tanto quanto distante da realidade sociocultural do Brasil hodierno, o abolicionismo apresentou aspectos e princípios pertinentes a serem observados na prática penal contemporânea, entre esses, há de se ressaltar que a justiça restaurativa assimilou parte do corolário principiológico que o norteia, o que ensejou uma alternativa de solução de conflito, capaz de satisfazer os interesses das partes com uma decisão que contemple as necessidades de todos os envolvidos.

Em contraste e em complementação à proposta abolicionista, surge o movimento minimalista. Neste não se vê a pretensão de substituição total do sistema penal por formas alternativas de resolução de conflitos, mas sua contração máxima.

Entre os expoentes do minimalismo, encontramos Alessandro Baratta, idealizador da política criminal alternativa baseada no pressuposto da deslegitimação do sistema penal, guardando a pretensão de mitigar a violência punitiva ao máximo, afim de possibilitar a aplicação de fato dos Direitos Humanos.

Na proposta de Baratta os Direitos Humanos cumpririam uma função negativa, servindo de filtro para toda intervenção realizada pelo sistema penal, bem como uma função positiva, em que apenas a violação dos Direitos Humanos seria passível de uma resposta penal. Não obstante sua estruturação como sistema, sua proposta seria utilizada tão somente de médio a curto prazo, não diferente do ângulo coberto pelo segundo destaque do minimalismo como meio: Eugenio Raúl Zaffaroni, que cunhou o modelo denominado “Realismo Marginal Latino-americano”.

Há certo pragmatismo em considerar Baratta e Zaffaroni como minimalistas, no entanto, visto que o objetivo final de ambos era atingir o abolicionismo, com ênfase na impossibilidade da relegitimação do sistema penal. Por outro lado, o garantismo penal de Luigi Ferrajoli não considera o minimalismo caminho, mas sim o próprio destino.

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Chamado de utilitarismo penal reformado, Ferrajoli distancia-se dos abolicionistas argumentando pela permanência do sistema penal ao auferir os riscos de sua inexistência, razão pela qual propõe que a lei deva determinar tudo, de modo que o mínimo ficaria a cargo do julgador , bem como ampla divisão entre moral e direito , relembrando o advento do iluminismo e a subsequente normatização positivista. Nesse âmbito, porém, há certamente algo que lembra o próprio fator retributivo no modelo do jurista italiano, que se afasta das teorias relativas da pena.

Há, portanto, uma semelhança muito mais evidente no abolicionismo de Hulsman e os minimalismos de Baratta e Zaffaroni que entre ambos e o minimalismo de Ferrajoli. Há, evidentemente, uma permanência das estruturas do sistema penal, enquanto apenas a conjuntura sofre mudanças expressivas. Por outro lado, nas palavras de Salo de Carvalho, o garantismo jurídico-penal permanece como modelo viável, tanto perante a teoria abolicionista, quanto diante da criminalização excessiva e punição desproporcional.

Neste interim, compete ressaltar que o abolicionismo e o minimalismo, embora não tenhamk se concretizado evidentemente, influenciaram os juristas que trouxeram as ideias de garantismo para o ideal de justiça brasileiro. Nesse sentido, o Direito Penal evoluiu concomitantemente à filosofia do inimigo no direito penal, o que veio, posteriormente, a afetar todos aqueles que infringem leis penais, não suficiente, o conceito de inimigo direcionou a forma de tratamento que o modelo punitivo trataria todos os cidadãos que viessem a cometer algum crime, porém agora concentra-se em mudar a forma com que se pensa tal ramo da lei no sistema judiciário brasileiro.

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