Viva Zumbi dos Palmares

30/11/2019 às 08:02
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O artigo põe em discussão recente nomeação para a direção da Fundação Zumbi dos Palmares.

Fundação Cultural Palmares é uma entidade pública brasileira vinculada ao Ministério da Cultura, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22 de agosto de 1988.

No artigo 1º, da Lei que a instituiu, lê-se:

(...) promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

A entidade teve seu Estatuto aprovado pelo Decreto nº 418, de 10 de janeiro de 1992, e tem como missão os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira, além de fomentar o direito de acesso à cultura e à indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.

O artigo 215 da Constituição Federal de 1998 assegura que o "Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

 Entre as suas atividades está a disseminação da cultura afro-brasileira nas escolas.

Certamente não é esse o perfil do jornalista Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares – órgão de promoção da cultura afro-brasileira.

Numa publicação antes de ser nomeado para o cargo, o jornalista classificou o racismo no Brasil como "nutella". "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda", afirmou.

Sobre o Dia da Consciência Negra, Sérgio Camargo afirmou que o "feriado precisa ser abolido nacionalmente por decreto presidencial".

Ele disse que a data "causa incalculáveis perdas à economia do país, em nome de um falso herói dos negros (Zumbi dos Palmares, que escravizava negros) e de uma agenda política que alimenta o revanchismo histórico e doutrina o negro no vitimismo".

Esse discurso, palmilhado de inconsequências intelectuais, é mais uma tentativa, ainda que envolto na cegueira da ignorância, de ressurgir o embranquecimento racial.

Clareamento racialbranqueamento racial ou simplesmente branqueamento, é uma ideologia que era amplamente aceita no Brasil entre 1889 e 1914, como a "solução" para o excesso de negros. Simpatizantes da ideologia de Branqueamento acreditavam que a raça negra iria avançar culturalmente e geneticamente, ou até mesmo desaparecer totalmente, dentro de várias gerações de miscigenação entre brancos e negros. Esta ideologia ganhou o apoio da ideologia do racismo cientifico e foi um ato Darwinismo social, no qual foi aplicada a teoria de Darwin da seleção natural a uma sociedade ou a sua raça. Combinando essas duas ideias, o branco da elite da época acreditaram que o sangue ''branco" seria superior e inevitavelmente iria "clarear" as demais raças.

Essa forma de fascismo cultural deve ser combatida.

Há no Brasil uma forma de racismo estrutural.

Racismo estrutural é a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros grupos de modo consistente e constante causando disparidades que se desenvolvem entre os grupos ao longo de um período de tempo. O racismo social também foi chamado de racismo estrutural, porque, segundo Carl E. James, a sociedade é estruturada de maneira a excluir um número substancial de minorias da participação em instituições sociais.

Silvio Luiz de Almeida, em seu livro O que é racismo estrutural? (2018) afirma que o racismo não é um ato ou um conjunto de atos e tampouco se resume a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é, sobretudo, um processo histórico e político em que as condições de subalternidade ou de privilégio de sujeitos racializados é estruturalmente reproduzida e que considerar o racismo como parte da estrutura não exime a responsabilidade das pessoas em combater o racismo:

[...] pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsável pelo combate ao racismo e aos racistas.

— Silvio Luiz de Almeida em O que é racismo estrutural?

Para Almeida, há três concepções do racismo, o racismo individual, que trata o racismo como uma atitude do indivíduo que pode ter um problema psicológico, comportamental etc, o racismo institucional, que considera o racismo apenas o resultado de um mau funcionamento das instituições; e por fim o racismo estrutural que tem o racismo como normalidade, funcionando tanto como uma ideologia quanto como uma prática de naturalização da desigualdade

 Zumbi dos Palmares nasceu no estado de Alagoas no ano de 1655. Foi um dos principais representantes da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial.

Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas. O Quilombo dos Palmares estava localizado na região da Serra da Barriga, que, atualmente, faz parte do município de União dos Palmares (Alagoas). Na época em que Zumbi era líder, o Quilombo dos Palmares alcançou uma população de aproximadamente trinta mil habitantes. Nos quilombos, os negros viviam livres, de acordo com sua cultura, produzindo tudo o que precisavam para viver.

Em 1680, com 25 anos de idade, Zumbi torna-se líder do quilombo dos Palmares, comandando a resistência contra as topas do governo. Durante seu “governo” a comunidade cresce e se fortalece, obtendo várias vitórias contra os soldados portugueses. O líder Zumbi mostra grande habilidade no planejamento e organização do quilombo, além de coragem e conhecimentos militares.

O bandeirante Domingos Jorge Velho organizou, no ano de 1694, um grande ataque ao Quilombo dos Palmares. Após uma intensa batalha, Macaco, a sede do quilombo, é totalmente destruída. Ferido, Zumbi consegue fugir, porém é traído por um antigo companheiro e entregue as tropas do bandeirante. Aos 40 anos de idade, foi degolado em 20 de novembro de 1695. 

Tanto há racismo no Brasil que foi necessário a elaboração de normas penais combatendo essa forma de comportamento, nociva à democracia.

Eu, pessoalmente, tenho muito orgulho de ter na minha descendência meu bisavô materno oriundo de Cabo Verde. A cor de minha pele isso reflete.

Tal é o caso da injúria racial.

O racismo é uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em ‘raças’, em face de suas características somáticas, bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação, apregoa a superioridade de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória.

Isso é inconcebível na sociedade atual.

Existe a prática do racismo (segregação por conta da superioridade de uns humanos em face de outros, considerados inferiores). Existem tipos penais incriminadores de condutas representativas do racismo. Logo, a resposta é muito simples: cada tipo penal da Lei 7.716/89 é um modo particular de se praticar o racismo. E (“eureka”) a injúria racial é outro tipo penal, que permite praticar o racismo, entendido este como forma de ativar a segregação entre os entes superiores e os entes inferiores na raça humana, que é una e indivisível.

Estudos internacionais têm demostrado – agora por análise de DNA, que não havia no passado – inexistir diferença alguma entre as antigas raças, apontadas pela velha doutrina: caucasiana, negra e amarela. Pura bobagem. Somos todos absolutamente iguais no DNA, para caracterizar a raça humana. Variam coisas supérfluas, como cor da pele, cor dos olhos, cor dos cabelos etc. Nada significante para separar seres humanos em grupos diversos.

Zumbi dos Palmares foi um dos principais representantes da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. 

A Fundação Palmares, pois, representa, como entidade de direito público, o significado de toda essa luta que vem de Zumbi e vai para os tempos atuais na luta contra o racismo e pela valorização da cultura luta, na sua luta permanente pela inclusão.

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Muito há a fazer contra o racismo no Brasil.

Uma pesquisa publicada em 2011 indica que 63,7% dos brasileiros consideram que a raça interfere na qualidade de vida dos cidadãos. Para a maioria dos 15 mil entrevistados, a diferença entre a vida dos brancos e de não brancos é evidente no trabalho (71%), em questões relacionadas à justiça e à polícia (68,3%) e em relações sociais (65%). O termo apartheid social tem sido utilizado para descrever diversos aspectos da desigualdade econômica, entre outros no Brasil, traçando um paralelo com a separação de brancos e negros na sociedade sul-africana, sob o regime do apartheid. O resultado da pesquisa, elaborada em 2008, demonstra que, apesar de compor metade da população brasileira, os negros elegeram pouco mais do que 8% dos 513 representantes escolhidos naquela eleição de 2014.

Um relatório divulgado pela ONU em 2014, com base em dados coletados no fim de 2013, apontou que os negros do país são os que mais são assassinados, os que têm menor escolaridade, menores salários, menor acesso ao sistema de saúde e os que morrem mais cedo. Também é o grupo populacional brasileiro que mais está presente no sistema prisional e o que menos ocupa postos nos governos. Segundo o relatório, o desemprego entre os afro-brasileiros é 50% superior ao restante da sociedade, enquanto a renda é metade da registrada entre a população branca. As taxas de analfabetismo são duas vezes superiores ao registrado entre o restante dos habitantes. Além disso, apesar de fazerem parte de mais de 50% da população (entre pretos e pardos), os negros representam apenas 20% da produção do produto interno bruto (PIB) do país. A violência policial contra os negros e o racismo institucionalizado também são apontados pelas Nações Unidas. "O uso da força e da violência para o controle do crime passou a ser aceito pela sociedade como um todo porque é perpetuado contra um setor da sociedade cujas vidas não são consideradas como tão valiosas", criticou a ONU. Em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros. Apesar de reconhecer avanços no esforço do governo para lidar com o problema, o chamado mito "democracia racial" foi apontado pela organização internacional como um impedimento para superar o racismo no país, visto que é "frequentemente usado por políticos conservadores para desacreditar ações afirmativas". "A negação da sociedade da existência do racismo ainda continua sendo uma barreira à Justiça", afirmou o relatório”.

Não será negando essa realidade que o atual ocupante da Fundação Palmares irá ajudar a sociedade a lutar contra esse mal cruel que é o racismo.

Será caso do Ministério Público Federal no Distrito Federal ajuizar ação civil pública pugnando, liminarmente, pela suspensão da nomeação e, no mérito, pleiteando a desconstituição do ato, por anulamento, uma vez que está ferida a razoabilidade do ato onde o desvio de finalidade é absolutamente evidente. Além disso há vício de motivo a exigir a sua impugnação.

No polo passivo da ação deverão estar a União Federal e o nomeado para o cargo já noticiado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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