O Direito como vocação: utopia, entropia e distopia

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Se pensarmos que o direito se opõe à violência, como construção histórica, então, é fato que o Direito é um processo racional – englobando-se a vida social – que conduz forçosamente à Pacificação Social, como normalização e normatização da vida comum do homem médio. Assim, do ponto de vista Ontológico (história da construção racional e prospectiva da Política e da Ética) não há muita divergência, pensando-se inclusive que a Humanidade não se propõe o Mal deliberadamente, até porque não há lógica (onto-lógica) em se abandonar a Luta Por Conservação e Legitimação Social.

Entretanto, enquanto observação do realismo político-jurídico – entremeios a fluência do “antidireito” e da “exceptio” – a problemática está em argumentar demonstrativamente, em especial como nomenclatura e conceituação, de que forma se relacionam a Utopia, a Entropia e a Distopia social e do Poder Político na feitura e na subsunção do mesmo Direito: quer seja na forma instrumental, quer seja na forma vocacional (como “directum”: o meio correto, a linha reta até à Justiça).

Do ponto de vista instrumental-operacional do Estado de Direito, o Poder Político é condicionado por uma regra (onto-lógica, tele-ológica: entre telos, virtus e práxis) que segue dois sentidos jurídicos: i) obriga-se a seguir o Direito sem nenhum tipo de transgressão que não seja inclusiva de novos direitos (o discrímen – discriminação positiva, é o vetor da Justiça Social – aprofunda as garantias ao Princípio do Não-Retrocesso Social); ii) obriga-se a defender a virtus pública do Direito inclusivo da/à Polís e da civitatis activae. Sem o discrímen, a discriminação positiva dos Direitos Humanos, o substrato lógico e político do Direito a ter direitos, o Direito Posto (interposto, imposto ou conceitualmente propositivo, a exemplo deste texto) tende a ser só espada, e, assim, limita-se à exclusão. Esta, por fim, é a lógica do Estado de Exceção: a inclusão (regra) verte-se em exclusão (exceptio); a regra (tese) passa à condição de antítese (negação); o exceptio desconstrói o discrímen.

Neste curso, da “unidade na diversidade”, vai-se constituindo a lógica da preponderância de uma adversidade sem qualquer perspectiva de unidade socialmente construída e suportável diante do Princípio da Dignidade Humana. Do Princípio da Razoabilidade vai-se à irracionalidade. Na lógica da exceção, está dentro quem vai por para fora. Mas, como é que se incluiu quem vai excluir?

Lembremos que este raciocínio também estruturou-se como lógico, agora no formato de uma Razão de Estado retroalimentada por uma “razão instrumental” do Direito e da política cotidiana que mitigam a Política (Utopia). Este é o presente curso observado pelas lentes do chamado realismo político na Ópera Mundi: um seleiro de Distopias. Este realismo político se mantém por um raciocínio binário, monopolizador, excludente, do tipo “vita mea, mors tua” (maniqueísta): a máxima Entropia, em que o “fazer política” exclui o “fazer-se em política”, em consonância à antítese democrática de que, não havendo Política, a política é uma condução da guerra. Afirma-se que, para o “novo mundo” nascer, o velho tem que morrer. O proselitismo ainda se reveste de retórica: “o poeta só escreve na dor ou no amor”.

Por outro lado, tendo-se que a Distopia não é regra eterna na ontologia política, pode-se ver que o meio termo está entre o sim e o não, assim como o diálogo tende a substituir o “discurso competente”, por interposição da condição humana apregoada pela fé pública do Direito (juris prudentia) e garantida pelo Princípio Democrático do Contraditório. Afinal, o lusco-fusco é claro ou escuro? Ou é claro-escuro? Também pode-se deduzir pela lógica dialética: quem é senhor e quem é escravo do Direito? O senhor não é escravo do seu próprio escravo? Quem vive na liberdade? O senhor (sobre)vive sem o escravo? A vida do senhor depende de quem? A vida do escravo (ou do “servo voluntário”) começa na libertação? Então, quem domina a vida? Quem tem sua vida submetida a outrem? O Outro não é o liberto de si e dos outros?


Do escravo ao direito

Na relação de senhor e escravo, o senhor acaba por obrigando o outro a trabalhar para ele, em um processo que torna o escravo como um simples “objeto”. Entretanto, o que o dominador não se atenta é que, ao submisso realizar todo o serviço laboral, o senhor torna-se dependente daquele, para sua própria sobrevivência.

O mais interessante, então, é que o escravo é imprescindível para o senhor, mas sem o senhor, o escravo acaba ganhando a sua liberdade. A atuação do direito demonstra, portanto, que o escravo não é simplesmente uma “coisa” ou objeto para se ter um proprietário ou para que ele seja adquirido por alguém, pois o mesmo é também um cidadão que deve ter seus direitos protegidos.

De acordo com Lérès (2002), ao confirmar esta ideia do semelhante, o escravo conta com ao menos seu direito absoluto, o direito à vida e à liberdade. Com isso, os escravos-libertos do jugo agora também são sujeitos de direitos – uma forma de interação jurídica nova e libertária, a partir da qual “interagem direitos” em benefício dos indivíduos protegidos, tendo como valor primordial a dignidade da pessoa humana.

Por fim, faz-se com que a situação do escravo-liberto (muitas vezes das próprias “amarras internas”) promova-se por um princípio de igualdade de consideração e respeito (SÃO PAULO, 2004). Esta é a orientação que fundamenta o próprio discurso dos direitos humanos. O escravismo ou as “condições análogas à escravidão”, no século XXI, estão aí para nos perturbar, a consciência individual e a realidade fática de milhares, milhões, de pessoas no Brasil e no chamado “mundo globalizado”.


Breve Conclusão

A partir dos anos 1970, a Ratio essendi do Direito afirmou – com amplo suporte nos Direitos Humanos – uma mutação constitucional (e do Direito Internacional) considerável, vindo a constituir sua natureza jurídica constitucional na forma/condição de um Estado de Direito Democrático de Terceira Geração. Agora, sob a variante de um Estado Ambiental fruto e garantidor de uma eco-lógica. É certo que na vida social, notadamente enquanto Política ativa, não há maniqueísmos possíveis. É certo, ainda, que o dono não existe sem que seja posse de sua própria dominação.

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Referências bibliográficas:

LÉRÈS, G. Três escravos. Ágora, Rio de Janeiro, vol.5 no.2, p. 219-228, Jul./Dec. 2002.

SÃO PAULO (ESTADO). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos. Direitos humanos no cotidiano jurídico. São Paulo, 2004. 460. p. (Série Estudos n. 14).

Sobre os autores
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Vinícius Scherch

Graduado em Direito pela Faculdade Cristo Rei, Cornélio Procópio - Paraná (2010). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes - Paraná (2014). Graduado em Gestão Pública pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná (2015). Mestre em Ciência Jurídica pela UENP -Jacarezinho. Advogado na Prefeitura Municipal de Bandeirantes - Paraná.

Vanderlei de Freitas Nascimento Junior

Doutorando no PPGCTS, da UFSCar. Advogado. Especialista em direito processual civil pela Rede Anhanguera/UNIDERP.

Waldileia Cardoso

Docente da FSDB e SEMED/Manaus, Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar (PPGE/UFSCar)

Sueli Cristina Franco dos Santos

Advogada (OAB/AC 4696), Bacharelada pela PUC/PR, Militante feminista

Rachel Lopes Queiroz Chacur

Advogada, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFSCar (PPGCAm/UFSCar)

Maria de Fátima da Silva Araújo Mendes

Bacharel em Administração de Empresas, Licenciatura em Língua Portuguesa, inglês e Literatura, Pós-Graduação em Língua Portuguesa, Professora na Rede Pública de Ensino/MG

Talitha Camargo da Fonseca

Jornalista e advogada com Pós-Graduação em Direito Público. Milita na advocacia privada e presta aconselhamento para o mandato da Deputada Leci Brandão.

Sandra Maria Guerreiro Saraiva

Advogada, OAB/RO 2525

Janete Maria Warta

Advogada, OAB/RO 6223

Jamile Gonçalves Calissi

Doutora em Direito. Docente na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. Docente no Curso de Direito das Faculdades Integradas de Jaú/SP.

Manoel Rivaldo de Araújo

Advogado, OAB/RO 315-B

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Letícia Fernanda Scarin

Graduanda, 2º ano, do Ciências Biológicas-Licenciatura - UFSCar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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