ARAGARÇAS: 60 ANOS

02/12/2019 às 14:36
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O ARTIGO DESCREVE A HISTÓRICA REBELIÃO DE ARAGARÇAS OCORRIDA A EXATOS 60 ANOS.

ARAGARÇAS: 60 ANOS

 

Rogério Tadeu Romano

 

A rebelião de Araguarças, iniciada a 3 de dezembro de 1959, foi a reedição igualmente fracassada, do levante de Jacareacanga, ocorrido em 1956. Liderada pelos mesmos oficiais da FAB, identificados com a corrente mais radical do lacerdismo, como Haroldo Veloso e Burnier.

Araguarças teve por estopim a indignação com o fato de Jânio Quadros haver renunciado à sua candidatura presidencial, postulada pelas oposições de direita, à época.

O objetivo era iniciar um "movimento revolucionário" para afastar do poder o grupo que o controlava, cujos elementos seriam, segundo os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com o comunismo internacional.

Os rebeldes também denunciavam uma conspiração comunista em marcha, que seria inspirada no então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

Os oficiais prometiam ainda “paredão” para “os que tripudiavam sobre a miséria do povo”.

Não conseguiram, sequer, comover os seus principais aliados.

Carlos Lacerda, instado a apoiar o levante, preferiu denunciá-lo ao deputado Bento Gonçalves, então presidente da Frente Parlamentar Nacionalista, que transmitiu o recado ao então ministro da Guerra, General Lott.

O movimento que contou com a participação de apenas dez oficiais da Aeronáutica, três do Exército e uns poucos civis, iniciou-se com um sequestro de avião – o primeiro no Brasil – e foi debelado em 36 horas, sem causar vítimas.

Tal como acontecera, antes, com Jacareacanga, JK anistiou os rebeldes, usando toda a sua capacidade de conciliação, esvaziando o conteúdo político do episódio, além de associá-lo às forças derrotistas contra o desenvolvimento.

JK classificou o movimento como “violenta indisciplina” não se aplicando aos revoltosos punição maior do que as sanções do código disciplinar militar.

Os revoltosos desviaram para a cidade goiana de Aragarças um quadrimotor da Panair do Brasil, de nome Constellation (semelhante ao da foto), que partiu do Rio com destino a Belém. O objetivo era derrubar o governo de Juscelino Kubitschek, eleito pelo voto popular em 1955.

Segundo o CPDOC, partindo do Rio de Janeiro, com três aviões Douglas C-47 e um avião comercial da Panair sequestrado, e de Belo Horizonte, com um Beechcraft particular, os rebeldes rumaram para Aragarças, em Goiás. Pretendiam bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar também as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. Na realidade, nem o bombardeio aos palácios, nem a ocupação das bases chegaram a ocorrer, e a rebelião ficou restrita a Aragarças. A revolta durou apenas 36 horas. Seus líderes fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, e só retornaram ao Brasil no governo Jânio Quadros.

Um dos chefes da intentona foi o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier (1919-2000), que mais tarde apoiou o golpe militar de 1964 e foi acusado de orquestrar um plano terrorista para explodir o antigo Gasômetro, em frente à rodoviária do Rio, e colocar a culpa na oposição.

Em 1971, estava num grupo da Aeronáutica que foi afastado em meio às investigações sobre a tortura e morte do estudante Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, na Base Aérea do Galeão. Burnier morreu em 2000, aos 80 anos. Ele personalizava um dos tantos ciclos de autoritarismo e conspiração da história brasileira.

O avião da extinta Panair decolou do Aeroporto do Galeão, no Rio, com destino a Belém, com 38 passageiros e oito tripulantes. Na altura de Barreiras, na Bahia, um militar da Aeronáutica mandou o piloto desviar para a cidade goiana. Outros quatro aviões de menor porte também tomados pelos revoltosos chegaram a Aragarças.

Os passageiros foram levados para o Grande Hotel, o único do município, e os revoltosos montaram ali mesmo, na pista de pouso, a resistência. Tonéis de combustíveis e galhos foram espalhados na pista para impedir a descida de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) enviados pelo governo. O Revoltoso do Veloso, como o movimento ficou conhecido na cidade, durou pouco. Líderes do movimento não esperaram a reação e seguiram no Constellation para Buenos Aires. No terceiro dia da revolta, paraquedistas do Exército desceram no aeródromo e estraçalharam a cauda de um dos pequenos aviões dos revoltosos que retornavam de um voo de inspeção em Mato Grosso. Os tonéis de combustíveis foram bombardeados.

O levante começou a ser articulado em 1957, quando Juscelino atraía a atenção do País para o canteiro de obras de Brasília.

Os líderes da revolta de Aragarças ainda estiveram juntos no apoio ao movimento golpista que, em 1964, derrubou o governo João Goulart. Ao longo da ditadura, Haroldo Coimbra Veloso e João Paulo Moreira Burnier, porém, seguiram rumos diferentes. Em 1966, Veloso se candidatou a deputado federal pela Arena do Pará. Dois anos depois, organizou uma marcha de defesa do então prefeito de Santarém, Elias Pinto, do oposicionista MDB, que sofria processo de cassação pelo regime militar. Durante a marcha, um policial atirou na virilha de Veloso. Ao saber que o velho companheiro agonizava na cidade remota da margem do Rio Amazonas, Burnier, já brigadeiro, deslocou um avião do Rio até Santarém para socorrer o amigo. Veloso, no entanto, morreu semanas depois, aos 49 anos, num hospital, como herói da resistência à ditadura que sua geração ajudou a construir ainda no tempo de Getúlio.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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