A DISCUSSÃO SOBRE AS REVISTAS ÍNTIMAS NOS PRESÍDIOS

04/12/2019 às 10:44
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O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO O TEMA DIANTE DE RECENTE DECISÃO DO STJ.

A DISCUSSÃO SOBRE AS REVISTAS ÍNTIMAS NOS PRESÍDIOS

Rogério Tadeu Romano

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, em tema de repercussão geral, enfrentou no Tema 998, a questão atinente a licitude da revista íntima em presídios.

Foi a seguinte a posição do ministro relator, Edson Fachin:

“CONSTITUCIONAL. PENAL. REVISTA ÍNTIMA PARA INGRESSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PRÁTICAS E REGRAS VEXATÓRIAS. PRÍNCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA INTIMIDADE, DA HONRA E DA IMAGEM DAS PESSOAS. OFENSA. ILICITUDE DA PROVA. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA SOCIAL E JURÍDICO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. A adoção de práticas e regras vexatórias com a revista íntima para o ingresso em estabelecimento prisional é tema constitucional digno de submissão à sistemática da repercussão geral.

MANIFESTAÇÃO

Trata-se de agravo cujo objeto é a decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto em face do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (eDOC 03, p. 254-255):

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. TENTATIVA DE INGRESSO NA CASA PRISIONAL COM DROGAS.

Nulidade. Interrogatório. Durante a instrução, a ré foi ouvida em momento anterior ao da oitiva das testemunhas arroladas. Houve irresignação da defesa quanto ao procedimento, conforme consignado em ata, e em nenhum momento foi oportunizada a renovação do interrogatório. Nulidade absoluta. Precedente do Supremo Tribunal Federal.

Violação ao art. 212 do Código de Processo Penal. Descabimento. A mera inversão da ordem dos questionamentos, quando o membro do Ministério Público está presente, configura nulidade relativa.

Ausência de degravação de audiências. Não configura nulidade, conforme art. 405, §2º, do Código de Processo Penal e Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

Ausência de prova da materialidade. O laudo pericial apenas identificou a presença de canabinoides, característicos da espécie vegetal Cannabis Sativum. Este vegetal é previsto na lista E como possível de originar substâncias psicotrópicas ou entorpecentes. Entretanto, na Lista F2 da Portaria 344/98 da ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária que delimita as substâncias de uso proscrito no Brasil não há menção à canabinoides, somente a THC (Tetraidrocanabinol) sobre o que não houve menção no exame realizado.

Crime impossível. Verificada a ineficácia absoluta do meio utilizado para consumação do fato. A existência de anterior informação anônima dando conta de que a ré tentaria entrar com drogas no estabelecimento prisional indica o dispêndio de maior atenção das autoridades policiais e dos agentes penitenciários à apelante. Do mesmo modo, para entrar no presídio, a recorrente seria, invariavelmente, submetida à minuciosa revista.

Aplicação crítica da lei, não acrítica. Conforme o constitucionalismo contemporâneo, há uma reaproximação da ética ao Direito na aplicação. O princípio da razoabilidade serve de exemplo. Doutrina.

Deficiência do Estado. A deficiência do Estado na sua infraestrutura prisional não pode ser solucionada pela imposição de pena a fatos que, em sentido lógico e rigoroso, jamais seriam concretizados em ilícitos penais. A permissão de facções no interior de casas prisionais não pode ser esquecida. No caso dos autos,a ré esclareceu que levava a droga para o seu irmão, já que ele estava devendo dentro da casa prisional, inclusive sendo ameaçado de morte.

APELAÇÃO PROVIDA. ABSOLVIÇÃO.

Os embargos de declaração opostos não foram conhecidos.

No recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, a,do permissivo constitucional, aponta-se contrariedade ao art. 5º, X, e negativa de vigência aos arts. 5º, caput, 6º, caput, e 144, caput, da Constituição Federal, sob o argumento que a equivocada interpretação e aplicação dos princípios da dignidade e da intimidade, pela decisão recorrida, redundou em afronta direta aos princípios da segurança e da ordem pública, já que afastada a caracterização do crime tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/06 (eDOC 03, p. 321).

Sustenta-se que o acórdão recorrido, ao considerar ilícita a prova produzida a partir da busca pessoal por ter sido produzida sem observância às normais constitucionais e legais, findou por colocar os princípios da dignidade e da intimidade em posição hierarquicamente superior aos da segurança e da ordem pública.

Afirma-se que vedar a realização de exame íntimo que não se mostra agressivo ou abusivo , mormente quando não há objeção do examinado, traduz-se em um verdadeiro salvo-conduto à prática de crimes como o ora em análise [...](eDOC 03, p. 333).

É o relatório.

A presente controvérsia levada a desate, refere-se à ilicitude da prova obtida a partir da revista íntima de visitante para ingresso em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem das pessoas.

Nada obstante a discussão do tema encontrar aparente óbice na Súmula 279 do STF, comumente analisado por esta Corte, verifica-se que não há pretensão do reexame da matéria fático-probatória, remanescendo a controvérsia à matéria de direito que ultrapassa os interesses subjetivos da causa.

Depreende-se dos autos que o acórdão recorrido deu provimento ao recurso da defesa para absolver a ré, destacando-se, entre os fundamentos deduzidos, a ilicitude da prova da materialidade produzida em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, honra e imagem das pessoas, já que a revista nas cavidades íntimas ocasiona uma ingerência de alta invasividade.

Argumenta-se que a absolvição alicerçada na aplicação dos princípios da dignidade e da intimidade, redundou na contrariedade ao artigo 5º, X, e na negativa de vigência aos arts. 5º, caput, 6º, caput, e 144, caput, da Constituição Federal, pois não houve o devido emprego dos critérios de razoabilidade e da proporcionalidade.

Importa observar que a tese está a merecer o crivo desta Corte, por versar sobre princípios constitucionais de manifesta relevância social e jurídica, que transcende os limites subjetivos da causa.

Dito isso, e explicitando a necessidade de se exigir clareza ao tema da ilicitude da revista íntima realizada no âmbito do sistema prisional, tenho que a matéria é, portanto, de índole constitucional e tem repercussão geral.

Com efeito, a temática funda uma questão constitucional relevante, a fim de trazer à luz a existência de práticas e regras vexatórias, desumanas e degradantes.

Ante o exposto, submeto a presente manifestação, pelo reconhecimento da repercussão geral, aos Ministros deste Supremo Tribunal Federal.

Publique-se.

Brasília, 9 de maio de 2018.

Ministro Edson Fachin

Relator”

Tratava-se de controvérsia relativa à ilicitude da prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem.(ARE 959.620, Relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 1º.6.2018).

A questão da ilicitude da prova obtida em revista íntima em presídio se encontra pendente de julgamento pelo STF (ARE 95​9.620, com repercussão geral).

A matéria veio a julgamento no STJ, no REsp 1.695.349.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são ilegais as provas obtidas por meio de revista íntima realizada em presídio com base em elementos subjetivos ou meras suposições acerca da prática de crime. Para o colegiado, tal conduta contraria o direito à dignidade, à intimidade e à inviolabilidade corporal.

A decisão foi tomada em recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu uma ré do crime de tráfico de drogas por entender que a prova contra ela foi colhida em revista íntima realizada sem fundadas razões.

A corte gaúcha aplicou por analogia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 603.616, no qual se concluiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é legítimo – a qualquer hora do dia ou da noite – quando houver fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem a ocorrência de flagrante delito no interior da residência.

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A acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.

Como se lê do site de notícias do STJ, em 4 de dezembro do corrente ano, em seu voto, o relator do recurso na Sexta Turma, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que o procedimento de revista íntima – que por vezes é realizado de forma infundada, vexatória e humilhante – viola tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, além de contrariar recomendações de organismos internacionais.

"É inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana (um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito), em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso", disse o ministro.

Schietti citou resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que exige que a revista pessoal seja feita com o uso de equipamentos eletrônicos (como detectores de metais, aparelhos de raios X e escâner corporal) e proíbe qualquer forma de revista que atente contra a integridade física ou psicológica dos visitantes.

Citou ainda a Lei Federal 13.271/2016, que proíbe revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambiente prisional.

Há evidente confronto de princípios.

No julgado citado aduziu-se que ”no que diz respeito à colisão entre o direito coletivo à segurança pública, bem protegido pela Constituição Federal, e outros direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, Fabiana Prado considera que: A segurança é um bem protegido pela Constituição Federal de 1988 e constitui, também, um direito fundamental da pessoa. Situada no mesmo nível dos demais direitos fundamentais, se em conflito com outros direitos fundamentais, a segurança é um direito que pode ser levado à balança da ponderação. O seu "peso", avaliado no caso concreto, poderá, dependendo das circunstâncias, fazê-la preponderar sobre outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos”. (PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa do. A ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal. São Paulo: IBCCRIM, 2006, p. 196-197)

Em verdade, a adoção de revistas íntimas vexatórias e humilhantes viola tratados internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil e contraria recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, das Organizações das Nações Unidas e da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Destacou-se, naquele julgamento emanado do STJ, que há duas correntes:  A primeira considera não ser possível a realização de revista íntima em presídios, por ser ela vexatória e atentatória à dignidade da pessoa humana, valor básico ensejador dos direitos fundamentais. Ainda, invoca a proibição constitucional de se submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).Há, no entanto, uma segunda corrente, para a qual é possível, sim, a realização de revista íntima em estabelecimentos prisionais, com base em uma ponderação de interesses, pois existe a necessidade de controlar a entrada de produtos proibidos nos presídios – armas, bebidas, drogas etc. –, de forma que, por questão de segurança pública e em nome da segurança prisional, estaria autorizada a medida (desde que, obviamente, fossem tomadas as cautelas devidas, tais como a realização de revista em mulheres por agentes públicos do sexo feminino).

No caso dos autos, tem-se daquele julgamento apontado no Superior Tribunal de Justiça, que, diversamente, houve apenas denúncia anônima acerca de eventual traficância praticada pela ré, incapaz, portanto, de configurar, por si só, fundadas suspeitas a autorizar a realização de revista íntima. Não se mostra razoável conferir aos agentes penitenciários total discricionariedade para, a partir de mera notícia anônima, ir revistar, de modo intuitivo, as pessoas e seus pertences no momento do ingresso, como visitantes, em estabelecimentos prisionais. Correta, pois, a conclusão do Tribunal de origem pela ilicitude das provas obtidas em desfavor dos réus, a partir de uma analogia com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao ingresso forçado em domicílio alheio sem prévia autorização judicial (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes).

É polêmica, portanto, a matéria que ainda determinará uma série de discussões nos tribunais.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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