O CONCEITO DE LEGADO
O legado é a disposição testamentária a título singular, pela qual o testador deixa a pessoa estranha, ou não, à sucessão legítima, um ou mais bens individualizados, certos, precisos, determinados ou certa quantia, podendo ser estes bens corpóreos ou incorpóreos, devendo este legado ser lícito, possível e útil ao legatário.
Segundo Gonçalves (2012), o legado é o meio pelo qual o “de cujus” cumpre seus deveres sociais premiando os amigos e parentes pelo carinho e afeto recebido, contribuindo para instituições de caridade, recompensando serviços, contribuindo para educação do povo, impedindo que jovens dignos da sua estima tomem na vida caminho errado e distribuindo esmolas, para qualquer pessoa, seja ela parente ou não, natural ou jurídica, simples ou empresária.
Enquanto para Maria Helena Diniz (2012), o legado requer a presença de três pessoas:
1) o testador, quem outorga o legado;
2) o legatário, que adquire o direito ao legado, no entanto o beneficiário não precisa, necessariamente, ser pessoa diversa do herdeiro, mas se a mesma pessoa for constituída legatário e herdeiro será denominada de prelegatário ou legatário precípuo, recebendo o prelegado além dos bens que constituem sua herança;
3) o onerado, é sobre quem recai o ônus do legado ou a quem compete prestar o legado.
Ainda segundo Diniz, seria qualquer pessoa que suceda a título universal o autor da herança, em contrapartida para Gonçalves, o ônus poderá recair sobre o herdeiro ou sobre o legatário.
Vale ressaltar que o legatário deve estar expresso no testamento, caso contrário não considerará constituído.
Ao contrário do herdeiro, o legatário não segue o princípio da saisine (CC, art. 1784), pois o ingresso na posse do objeto ocorre com a abertura da sucessão, devendo reclamar a coisa legada ao herdeiro.
A instituição do legado pode ocorrer das seguintes formas: puro e simples, condicional, a termo, modal ou subcausa. Quando for puro e simples, produzirá seus efeitos independentemente de qualquer fato. O condicional tem seus efeitos subordinados a evento futuro e incerto, desde que não seja captatório, caso em que será nulo o legado (art. 1900, I e 1923). Será a termo, quando sua eficácia estiver limitada no tempo, a um evento futuro e certo, aperfeiçoando-se ou extinguindo-se com o advento do prazo fixado pelo testador (art. 1921). O modal ocorre quando o testador gravar o legado com encargo ou obrigação do legatário, podendo este aceitar ou não, mas aceitando o bem, aceita também o encargo, rejeitando o encargo, rejeita o bem. Por último, há o subcausa ou por certa causa, quando houver algum motivo no passado que motivou o testador a instituí-lo, e ele o justifica (DINIZ, 2012).
Os legados estão regulados no Código Civil nos artigos 1.912 a 1.940, em um só capítulo, dividido em três seções: disposições gerais, dos efeitos dos legados e do seu pagamento e da caducidade dos legados.
A diferença entre legado e herança, é que a herença compreende a sucessão legal ou testamentária, do patrimônio do “de cujus”, incidindo na totalidade ou numa quota parte deles, sucedendo, os herdeiros, em seus direitos, obrigações e até mesmo em seus débitos, desde que não sejam superiores às forças da herança (DINIZ, 2012).
Segundo GONÇALVES (2012), herdeiro representa o defunto para efeitos patrimoniais, mas o legatário não, exceto quando a herança for insolvável, ou distribuída, por inteiro, em legados válidos, ou quando a obrigação de atender ao passivo lhe é imposta pelo testador explicitamente.
DA CAPACIDADE DE SUCEDER
Como sabemos a essência do legado é a liberalidade da vontade do “de cujus” em deixar determinado bem de forma individualizada, ou direito, ou mesmo uma quantia de dinheiro para pessoa determinada, nisso o legado difere da herança que geralmente é deixada a título universal. O legado é um ato unilateral a título singular.
Segundo o artigo 1.798 do Código Civil, legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. O legado pode ser deixado para herdeiro, legatário simplesmente ou até mesmo para pessoa jurídica com determinada finalidade.
Caso seja nomeado legatário que ainda não seja nascido no momento da partilha o Código Civil esclarece dispõe em seu artigo 1.799:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.
A legitimidade para ser legatário, portanto, é a mesma da vocação hereditária prescrita no capítulo III do Código Civil.
DA CADUCIDADE DO LEGADO
Havendo caducidade, o legado, embora feito validamente, perderá a razão de existir, por circunstâncias posteriores à facção testamentária, conforme Maria Helena de Diniz (2012).
A caducidade não deve ser confundida com a nulidade, pois nesta o testamento nasce inválido, por inobservância das formalidades legais ou em razão da incapacidade do agente. Enquanto que a caducidade é por causa ulterior de disposição testamentária válida.
O legado pode caducar por causa superveniente de ordem objetiva, quando falta o objeto do legado, ou por ordem subjetiva, quando falta do beneficiário. Se ocorrer qualquer das hipóteses o legado volta à massa hereditária, beneficiando os herdeiros, nos termos do artigo 1.788, última parte do Código Civil.
RAZÕES DE CADUCAÇÃO
Segundo o Código Civil, segue ass razões pela qual o legado pode vir a caducar:
Art. 1.939. Caducará o legado:
I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe couber a denominação que possuía;
Ocorre quando o testador, ou terceiro a seu pedido, modificar o objeto do legado, tendo já feito o testamento. Essa modificação ocorre de tal forma que não cabe ao objeto a denominação anterior. Desta forma, são dois os requisitos essenciais para que ocorra a caducidade: a modificação deve ser substancial e ser feita pelo próprio testador ou a seu pedido. Se a modificação não for substancial ao ponto de alterar a coisa, neste caso prevalece o legado, pois seu objeto manteve.
II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;
Segundo WASHINGTON, o testador que aliena a coisa legada demonstra de forma inequívoca a sua mudança de vontade. Há uma presunção de revogação da vontade do testador, esta presunção é “juris et de jure”, não admitindo prova do contrário. Da mesma forma, se entende a promessa de venda com caráter irrevogável, acarretando a caducidade do legado, por aplicação do princípio da mudança da vontade do testador. Esta alienação pode ser a título oneroso ou gratuito, de venda, permuta, dação em pagamento, doação, partilha em vida e sub-rogação, feito a terceiros. Quando feito ao próprio legatário e a qualquer título, ainda assim haverá a caducidade, pois houve, neste caso, uma antecipação da liberalidade, seja com a doação, ou uma revogação da vontade, seja com a venda. Porém, se a alienação for anulada, revigorado estará o legado, desde que demonstrado que a invalidação se deu em razão de algo que afetou diretamente a vontade do alienante, como um problema mental, por exemplo.
Quando caducado o legado pela alienação voluntária, esta será mantida, mesmo que a coisa legada volte ao patrimônio do testador, em razão de nova aquisição, ainda que o testador prove que o readquiriu para restaurar o legado, pois se fosse este seu objetivo, deveria ter feito novo testamento. Salvo se houver disposição contrária do testador, ou se o produto da alienação foi guardado em separado, num cofre ou mesmo em invólucro especial, em mãos de terceiros, tendo sido indicado na quantia conservada pro depósito a sua identificação com o legado feito.
Já quando a alienação for voluntária e parcial, caducará o legado até onde a coisa deixou de pertencer ao testador, ou seja, o legado subsistirá no remanescente de que o testador continua proprietário.
III – se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento;
Se houver a evicção ou perecimento do objeto, o legado deixará de existir, pois faltará o principal, o objeto do legado, independentemente se ocorrer antes do fato morte do testador, ou se não houver culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento.
Se o perecimento ocorrer por culpa do herdeiro ou legatário e for comprovado esta culpa, o beneficiário estará autorizado ao ressarcimento respondendo aqueles por perdas e danos. Porém, se a culpa for de terceiro, o legatário não poderá acioná-lo no intuito de receber o valor da coisa legada. Isto poderá ser feito unicamente ou pelo testador ou pelos herdeiros. Da mesma forma, se a coisa perecer por caso fortuito ou de força maior, estando o herdeiro ou legatário em mora, poderá o beneficiário buscar reparação, salvo se comprovar que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Se a coisa perecer sem a culpa de herdeiro ou legatário, resolve-se o legado, ou seja, acarretará a caducidade da liberalidade, pois deixa de existir o objeto do legado, seja por qualquer causa: destruição, inutilização, perda, incêndio, morte de semovente, etc. Assim, não será assistido ao legatário o direito de reclamar o pagamento do valor da coisa, pois se presume que o testador apenas pretendeu deixar a própria coisa e não o seu valor, desaparece o objeto, caducará o legado por falta deste.
Porém se ocorrer o perecimento parcial, o legado continuará a valer na parte que se salvar. Já na evicção haverá caducidade se a coisa for declarada do reivindicante, quando da evicção de sentença judicial, desta forma o objeto do legado não será do testador e sim do reivindicante.
IV – se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815
Conforme o Art. 1.815, a exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.
No caso de indignidade presume-se que o testador não desejava que a coisa legada ficasse com quem se mostrou indigno, que o bem saísse de seu patrimônio e fosse parar nas mãos daquele que havia praticado atos contra a sua vida, honra ou liberdade de testar. Sendo assim, torna-se ineficaz a cláusula testamentária que beneficia o legatário.
V – se o legatário falecer antes do testador
Se o legatário vier a falecer antes do testador, caducará o legado. Pois, a intenção do testador era de beneficiar o legatário, e não eventuais sucessores, cabe salientar que não cabe o direito de representação no legado por ser instituto exclusivo da sucessão legítima. Assim sendo, os descendentes do legatário não podem reclamar o legado por se tratar de liberalidade intuitu personae. Todavia, é possível que o autor da herança deixe registrado em testamento que, na falta do legatário, a herança se transmita para os herdeiros deste.
Portanto, conclui-se que a caducidade é a ineficácia do legado decorrente de causa superveniente à sua constituição, pois ele pode ser criado de forma válida, porém, perder a razão de existir em decorrência de inobservância das formalidades legais ou até mesmo por incapacidade do testador, não se confundindo, portanto com a nulidade, caso em que o testamento já é nulo em sua origem.
Bibliografia
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16. Ed. Rio de janeiro: Forense, 2007. 6v.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 7v.