Revisão Criminal: Teoria e Prática

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06/12/2019 às 18:00
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Apelação:

Petição de Interposição de Recurso

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __a. Vara Criminal da Comarca da Capital

Proc. nº ……/19

1.        (Nome do sentenciado), por seu advogado e procurador infra-assinado, nos autos de Justificação, cujos regulares termos se processam neste douto Juízo, não se conformando com a r. decisão de fls., que a indeferiu, vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, na forma do disposto no art. 593, nº II, do Código de Processo Penal, dela apelar para(1) a Egrégia Superior Instância.

2.        Não entra em dúvida ser a apelação o recurso cabível da decisão que indefere pedido de justificação criminal, como se colhe do magistério da Doutrina (cf. Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 484).

3.        Requer, pois, a Vossa Excelência vista dos autos para arrazoar o recurso.                                                               

E.R.M.

(Local e data)

_________________________________

(Nome do advogado e número da OAB)



Razões de Apelação de

(Nome do Réu)

Colenda Câmara:

1.        Sob o argumento de que, na Primeira Instância, “não mais é possível discutir-se a responsabilidade do réu” quando já transitou em julgado a decisão condenatória, indeferiu ao apelante seu pedido de Justificação o MM. Juízo de Direito da 1a. Vara Criminal da Comarca da Capital (fl. 26).

Mas, conquanto a defesa reconheça raros méritos e talentos no digno subscritor do despacho apelado, é força(3) revogá-lo, não triunfe(4) grave ofensa ao direito e aos princípios que regem o raciocínio lógico (vênia!).

2.        Em verdade, com o intuito de obter prova para melhor instruir futuro “pedido de revisão criminal”, requereu o apelante Justificação, “in verbis(5): “Pretende agora a revisão de seu processo. Para tanto, reputa necessária a produção de prova até aqui impossível. Donde a requerer (a produção de prova), por esta via judicial (justificação), a Vossa Excelência” (fl. 4).

O despacho impugnado, portanto, não encontrou(6) somente as regras do direito;  também fez rosto às da lógica formal: à uma, porque está além de toda a disputa o cabimento da Justificação como instrumento ou meio de obter prova para a instrução de revisão criminal; à outra, porque supôs seu digno subscritor pretendesse o apelante, em Primeira Instância, pronunciamento rescisório de acórdão. Aí, “data venia”, tomou Sua Excelência a nuvem por Juno(7), engano a que decerto o levou a lacônica promoção ministerial de fl. 25. Não parecia razoável admitir, com efeito, pudesse o douto Magistrado haver por pedido de revisão criminal o que era simples requerimento de Justificação, e como tal ajuizado mediante larga (ou ao menos suficiente) fundamentação.

3.        De que a Justificação serve de medida preparatória à revisão criminal sabe-se geralmente nos círculos forenses. A vulgaridade do fato escusa(8) o apelante de comprová-lo “ad satiem(9), bastando trazer ao terreiro da controvérsia a lição de José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. II, pp. 318-319):

“Onde, porém, se nos figura ser a justificação instrumento específico de produção probatória, para instruir ação ou pedido, é no tocante à revisão criminal” (é nosso o grifo).

Isto mesmo proclama a jurisprudência de nossos Tribunais:

“É admissível a justificação no processo penal (RT 202/546; Jurisprudência-Justitia, São Paulo. Associação Paulista do Ministério Público, 1975, I/220; RJDTACrimSP 26/225. As recentes Leis ns. 11.689/08 e 11.719/08 expressamente previram a possibilidade de justificações, as quais se encontram nos atuais arts. 396-A, caput, e 406, § 3º” (Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 145).

Do que tem dito a defesa bem se pode coligir que a justificação muito há foi recebida pela Justiça Criminal e é meio útil e apropriado a produzir prova para a instauração do procedimento revisional.

4.        A reparação do injusto gravame (e, dentre estes, o maior e mais atroz é, sem dúvida plausível, a condenação do inocente) houvera de merecer à Justiça máxima diligência e solicitude, nunca ruim despacho.

 As provas que pretende o apelante produzir em sede de justificação, e que lhe serão cabais ao reconhecimento da inocência, consistirão em:

I – Submissão voluntária ao detector de mentiras, ou polígrafo, de cuja eficácia na apuração da autoria de fato delituoso discorreu eruditamente Almeida Jr. (Lições de Medicina Legal, 7a. ed., p. 499). Aliás, a só disposição do réu de sujeitar-se àquele aparelho depõe em crédito de seus protestos de inocência…;

II – Inquirição de testemunhas, cujas declarações se consideram da primeira importância para a liquidação da responsabilidade criminal do apelante.

Suposto já tenha o decreto condenatório transitado em julgado, nunca será inoportuno perseguir os meios que a Lei confere àquele que se conta entre as vítimas de insidioso erro judiciário, como o apelante.

5.        Em face do que leva exposto, fia a defesa que Vossas Excelências sejam servidos prover o recurso do apelante para ordenar o processamento de seu pedido de justificação perante o Meritíssimo Juízo recorrido.

(Local e data)

_________________________________

(Nome do advogado e número da OAB)

Notas

(1)      “(…) apelar para a Egrégia Superior Instância”. Esta, a verdadeira regência do verbo: apelar para (e não “apelar a”). Haja vista os exemplos seguintes: “Apelo da vossa língua para a vossa consciência” (Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 206); “(…) apelando de uma corrupta maioria parlamentar para a nação” (Rui, Obras Completas, vol. XVI, t. II, p. 429); “Apelo para a memória dos nobres Senadores” (Idem, ibidem, vol. XXXII, t. I, p. 82); “Apelei do seu coração para a sua coragem” (Camilo, O Bem e o Mal, 1955, p. 154).

Apelar a alguém ou a alguma coisa, no sentido de recorrer, é solecismo sáfio” (José de Sá Nunes, Língua Vernácula, 1939, 3a. série, p. 262).

(2)      “Não entra em dúvida (…)”. Pode dizer-se ainda: é sem dúvida que, não é ponto de dúvida, é fora de questão, é superior a toda a controvérsia, não sofre disputa, não padece contradição, não cai em dúvida, não deve haver debate sobre, etc.

Para traduzir o estado de dúvida que lhes subjugava o espírito, usavam autores de nomeada expressões desta laia: “Via-me mais embaraçado que os argonautas na conquista do velo de ouro” (Rafael Bluteau, Prosas Portuguesas, 1728, 1a. parte, p. 367); “Neste ponto andam enredados os teus comentadores” (Latino Coelho, Galeria dos Varões Ilustres de Portugal, 1880, vol. I, p. 24); “Nada se pode averiguar neste ponto com certeza” (Idem, ibidem, p. 332); “(…) havemos de encontrar a fábula, coberta de um véu escuro e impenetrável” (Matias Aires, Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752, p. 30); “Hipóteses criadas à volta de um vácuo” (Camilo; apud Miguel Trancoso, Camilo e Castilho (Correspondência), 1930, p. 90); “O mesmo Alves Moreira se deixa envolver nas tralhas de um equívoco quando desta guisa se exprime” (Orosimbo Nonato, Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 111); “As disceptações se desenvolvem em rumos vários, a controvérsia frondeja e se esgalha” (Idem, Curso de Obrigações, 1959, vol. I, p. 101); “Isto é tão escuro como um terceto de Dante” (Camilo; apud Joaquim Pinto de Campos, A Divina Comédia de Dante, 1866, p. XXVII); “Grammatici certant et adhuc sub judice lis est” – Discutem os gramáticos e a questão ainda está por decidir (Horácio, Arte Poética, v. 78); “Bastaria que acerca de uma palavra, uma expressão (…) pairassem laivos de dúvidas” (Laudelino Freire, Estudos de Linguagem, p. 73); “Tenho por sem dúvida que (…)” (D. Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, 1937,  p. 226); “É pois fora de toda a dúvida que (…)” (Castilho, Tosquia dum Camelo, 1853, p. 30); “Não é pouco cego o nó da questão presente, e de muitas vezes que a tenho ouvido propor, e discutir, nunca o juízo ficava satisfeito, dando por exausta a dificuldade” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1711, t. III, p. 261); “(…) tendo por sem dúvida que havia de vencer (…)” (Vieira, História do Futuro, 2005, p. 165; Editora UnB); “Não me resta dúvida mínima de que é condenado” (Camilo e Castilho, Correspondência, 1930, p. 9); “A frase não tem sentido nitidamente penetrável” (Rui, Réplica, nº 95); “Em resposta diremos não nos parecer suscetível de questão que (…)” (Rui, Obras Completas, vol. XXVIII, t. III, p. 194); “Tudo isto nos deixa no ânimo grandes dúvidas” (João de Lucena, Excertos, 1868, p. 218); “Que o credor possa concedê-la (dilação de prazo) a um só dos credores, coisa é maior de qualquer dúvida” (Orosimbo Nonato, Curso de Obrigações, 1a. ed., vol. II, p. 243); “Andar em opiniões – Ser controverso; ter reputação duvidosa” (Constâncio, Dicionário, 1877; v. opinião).

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(3)      “É força”. Expressões equivalentes: é forçoso, é de preceito, é de rigor, é mister, é de mister, etc. “É força que, é necessário” (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo, 2a. ed.; v. força); “Força era concluir, portanto, que (…) seria naquele espaço de tempo uma impossibilidade total” (Rui, Réplica, nº 2); “Era de preceito, pois, em boa guerra, que o confessasse” (Idem, ibidem, nº 206).

(4)      “(…) não triunfe grave ofensa ao direito (…)”. Caso de elipse da conjunção final (para que), incluída pelos mestres da língua entre os primores do estilo e elegância da arte literária: “Chamo para o caso a atenção de quem o possa remediar, não surja por aí algum outro vereador que (…)” (Cândido de Figueiredo, Combates sem Sangue, 1925, p. 166); “Vem e voltemos, não suceda estar já meu pai com mais cuidado em nós, do que nas jumentas” (Bíblia Sagrada; 1 Rs, 9,5; trad. Antônio Pereira de Figueiredo).

(5)      “In verbis”. Locução latina empregada amiúde nos escritos forenses, que se traduz por: nestas palavras, textualmente, etc. Expressões de igual sentido e força:

 “Ipsis verbis” – Por estas mesmas palavras, textualmente, à letra ou ao pé da letra, fielmente;

Ipsis litteris” – Com as mesmas letras. Ex.: Transcreveu “ipsis litteris” o despacho agravado, isto é, exarou-lhe o teor com exatidão e fidelidade, pontualmente.

(A grafia “litteris” é melhor que “literis”).

Ad litteram” – Letra a letra, literalmente, sem mudar nem omitir palavra. Ex.: Reproduziu a Defesa “ad litteram” os passos capitais do acórdão revidendo.

Ipsis litteris virgulisque” – Expressão latina que, traduzida em vulgar, quer dizer: com as mesmas letras e vírgulas.

 “Ad verbum”, “e verbo”, “de verbo pro verbo” – Literalmente, à letra, palavra por palavra.

Verbatim” – Literalmente.

 “Verbo ad verbum” – Palavra por palavra.

(6)      “O despacho impugnado não encontrou somente as regras do direito (…). Entre as acepções do verbo encontrar figura a de opor-se a, contrariar, contravir a, ir de encontro a, contrapor-se a, topar com, fazer rosto a, malferir, etc. Ex. “Coisas que encontram as leis, a consciência” (Morais, Dicionário, 1813; v. encontrar); “(…) são epítetos que se encontram e repelem (Rui, Réplica, nº 464); “Em frente à ilha de Marajó, o Amazonas encontra o Mar” (Francisco da Silva Borba, Dicionário Gramatical de Verbos, 1990; v. encontrar).

(7)      “(…) tomou Sua Excelência a nuvem por Juno”. “Tomar a nuvem por Juno, iludir-se com as aparências” (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo, 1925; v. nuvem).

(8)      “A vulgaridade do fato escusa o  apelante de comprová-lo”. Neste lugar está empregado o verbo com a significação de: ser desnecessário, não ser (ou haver) mister, etc. Ex.: “A enfermidade, que já não dura, foi enfermidade: já o não é. Escusa, pois, falar na enfermidade, enquanto dura. É luxo de pleonasmo” (Rui, Obras Completas, vol. XXIX, t. I, p. 164).

A citação do exemplo de Rui escusa outros mais que se possam inventariar…

(9)      “Ad satiem”. À saciedade; que farte; até à medula. Expressões latinas equivalentes: “Usque ad satietatem”, “usque ad nauseam”.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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