A multipropriedade e o curioso caso da titularidade do tempo

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Neste artigo, procuro demonstrar que a multipropriedade é apenas uma nova espécie de condomínio na qual os multiproprietários têm uma fração ideal do imóvel com as faculdades de uso e gozo moduladas no tempo.


I – INTRODUÇÃO


No Brasil, a multipropriedade, que já existe em outros países e é abordada pela doutrina e jurisprudência, foi introduzida, em nosso Ordenamento jurídico por meio da Lei n° 13.777/18.

Este artigo tem como objetivo analisar essa inovação, identificando a sua natureza e os seus desdobramentos práticos.


A principal questão a ser trabalhada é a da possibilidade da titularidade do tempo, tentando responder as seguintes questões: O que significa isso? Quais os efeitos práticos desse novo conceito?

Acreditamos que podemos demonstrar que, ao contrário do que é apresentado de forma majoritária na doutrina, a multipropriedade não corresponde a uma titularidade de fração de tempo, mas sim e tão somente, à fração ideal do imóvel cujas faculdades de uso e gozo estão moduladas no tempo

lI - DIREITO DAS COISAS


As normas que disciplinam a multipropriedade estão inseridas na Livro III (Do Direito das Coisas). Nele, são tratadas as relações entre os sujeitos de direito e as coisas. Então, como primeira conclusão, com todo respeito às posições divergentes, é a de que a titularidade ali regulada é a que existe em relação às coisas e não em relação ao tempo.


Esse é um aspecto importante que será retomado mais adiante em nossa abordagem.


III - CONCEITO DE MULTIPROPRIEDADE


A respeito da multipropriedade temos o conceito formulado por Gustavo Tepedino (Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993 p.1, apud Venosa, Multipropriedade (time sharing), disponível em
https://m.migalhas.com.br/depeso/295907/multipropriedade-time-sharing), nos seguintes termos:

“Multipropriedade de forma genérica é a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”.


Sobre o tema, a Lei n° 13.777/18 introduziu no Código Civil, dentre outros, o seguinte artigo:


Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde à faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.

A referida norma apresenta a interessante expressão "titular de uma fração de tempo" a qual nos provoca as seguintes questões:


O multiproprietário é titular de uma fração do imóvel ou do tempo?


Como seria a matrícula a ser aberta para uma dada multipropriedade?


Apresentaria o imóvel em sua totalidade, mas fracionado no tempo ou fisicamente fracionado e com as faculdades de usar e dispor ativas apenas em um dado período de tempo?


Um multiproprietário tem legitimidade para requerer medidas protetivas e de reintegração em períodos fora de sua respectiva fração de tempo?


São sobre essas questões que trataremos a seguir.

IV - O CURIOSO CASO DA TITULARIDADE DO TEMPO


Tentando elucidar a questão da titularidade do tempo, podemos desenvolver o seguinte raciocínio:


1 - Retomemos a regra que define a multipropriedade:


Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde à faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. usar e goza totalidade do imóvel naquele dado período.


2 - A norma , acima citada, que estabelece a multipropriedade, está inserida no Capítulo VII-A (Condomínio em Multipropriedade), do Titulo III (da propriedade), do Livro III (Do Direito das Coisas).

Portanto, do texto do artigo 1.358-C retro e da sua posição no Código Civil, podemos conluir que a multipropriadade não corresponde a um novo direito real, mas sim, a um novo regime de condomínio.

3- Nessa linha, é de se destacar que todo o Título III trata da propriedade.

Por outro lado, é prescrito na norma em análise que os proprietários de uma multipropriedade são titulares de uma fração de tempo, a qual corresponde às faculdades de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel.


4 - A solução nos parece simples.


O exercício exclusivo no tempo decorre do fato de que cada multipropriedade é associada às faculdades de uso e gozo que ficam suspensas durante parte do tempo e, apenas em um dado período, de forma exclusiva, tornam-se ativas, o que faz com que cada multiproproprietário possa, isoladamente e de forma exclusiva, utilizar e gozar da totalidade da coisa.


5 - Assim, defendemos que, na matrícula a ser aberta para uma dada multipropriedade, será indicado que o seu titular tem uma fração ideal do imóvel e não a sua totalidade.


Essa tese decorre das observações acima e das seguintes considerações:



1 - A multipropriedade corresponde a uma espécie de condomínio;

2 - No condomínio geral, por exemplo, temos que o titular é proprietário de uma fração ideal do imóvel;

3 - O tempo não é o objeto da propriedade, sendo apenas um parâmetro para exercício das faculdades de uso e gozo;

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4 - Em sintonia com tudo isso, no art. 1.358-I, nos direitos do multiproprietário, o único no qual há uma limitação temporal é o inciso I, onde existe expressa referência à denominada fração de tempo.

Nos demais incisos, não existe essa limitação.


5 - Por outro lado, se admitirmos, para fins de debate, que cada multiproprietário é titular de 100% do imóvel, teríamos, ao mesmo tempo, o somatório de mais de 100% do imóvel como sendo de titularidade dos multiproprietários, o que é matematicamente impossível.


6 - Ainda, como exercício lógico, suponhamos que estamos no mês de janeiro e um multiporprietário, cuja faculdade de uso e gozo só está ativa para o último trimestre, quer alienar a sua parte.

Isso é possível ?


Sim. Porque a faculdade de dispor está ativa para todos os períodos


Portanto, concluímos que cada multiproprietário é titular de uma fração do imóvel e não de uma fração de tempo.


V - PROPOSTA DE REDAÇÃO PARA A MATRICULA A SER ABERTA


Imóvel : Fração ideal de 25% (supondo 4 multiproprietários) da casa n° 100 (endereço), tendo o dito imóvel uma área construída de 200m², (descrição dos cômodos), edificada em terreno próprio (descrever medidas perimetrais , área do terreno, limites e confrontação), com as faculdades de uso e gozo ativas de forma exclusiva no I Trimestre de cada ano (de 1° de janeiro a 31 de março) e as faculdade de dispor e de reaver ativas por todo o tempo.



CONCLUSÃO

Em conclusão, ousamos afirmar, contrariando a doutrina majoritária e a literalidade de parte da Lei, que não há que se falar em titularidade de fração de tempo, mas sim, que existe uma multipropriedade onde as faculdades de usar e gozar estão ativas apenas, e de forma exclusiva, em parte do tempo.

Sobre os autores
Valdecy José Gusmão da Silva Junior

advogado e engenheiro eletrônico em Recife (PE)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Desejo provocar um debate a respeito dessa minha posição, pois a considero diferente das que estão são sendo apresentadas pela doutrina

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