Um panorama sobre a indefinição jurídica da garantia da ordem pública como pressuposto subjetivo para a decretação da prisão preventiva.

09/12/2019 às 10:39
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Trata-se de artigo cientifico com o intuito de fazer um breve panorama acerca do instituo da garantia da ordem pública como fundamento à decretação da prisão preventiva.

Inicialmente, é importante trazermos à baila do conhecimento que a figura da prisão preventiva se refere a uma prisão de natureza cautelar, admitida quando presentes os pressupostos simultâneos e obrigatórios, da prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti), previstos na parte final do art. 312 do CPP.  

Além disso, também se faz necessário o preenchimento do requisito periculum in libertatis, consubstanciado em pelo menos um dos fundamentos do art. 312 do CPP a) garantia da ordem pública; b) a garantia da ordem econômica; c) garantia da aplicação da lei penal; d) a conveniência da instrução criminal, e; e) descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

E por fim, ainda se faz imprescindível para a segregação preventiva a análise do tipo penal imputado ao agente, verificando sob a ótica do art. 313 do CPP, a admissibilidade da decretação da referida medida (BRASILIERO, pag. 963, 2017)[1].

Pois bem, adentrando ao enfoque desse artigo acadêmico, registro preliminarmente que a garantia da ordem pública possui uma definição vaga e indeterminada, que por obviedade faz gerar controvérsias, tanto na doutrina como na jurisprudência (BRASILEIRO, pag. 964, 2017).

Nesse sentido, ressalto que devido a incógnita conceitual de garantia da ordem pública, houve a chamada “banalização e normalidade da prisão preventiva”, rompendo a linha da excepcionalidade (prisão como extrema ratio), e aplicando tal medida como “regra” na maioria dos casos em que o crime praticado pelo agente permita à sua aplicação. Para isso, basta uma breve vista da quantidade de presos provisórios em nosso sistema carcerário, 40% segundo levantamento de 2018 feito pelo CNJ (CNJ, BNMP 2.0)[2].

Ante a flagrante falha do legislador em definir o real significado de garantia da ordem pública, coube a doutrina é a jurisprudência formular uma definição do que seria esse fundamento. Fazendo surgir assim 3 (três) correntes acerca do tema.

Para a primeira Corrente, o fundamento da garantia da ordem pública, funciona apenas como uma modalidade de cumprimento antecipado da pena, tendo em vista, que para os adeptos dessa corrente, as medidas cautelares de natureza pessoal, jamais podem ser aplicadas com intuito extraprocessual, isto é, finalidade de evitar a pratica de novas infrações penais (BRASILEIRO, pág. 964, 2017).

Já uma segunda corrente, de caráter restritivo, e detentora de uma posição majoritária, sustenta que a prisão preventiva poderá ser decretada com o intuito de resguardar a sociedade da reiteração de crimes em virtude da periculosidade do agente (BRASILEIRO, pág. 964, 2017).

Por fim, para a terceira corrente, com um caráter mais ampliativo, entende que a prisão preventiva poderá ser decretada com a finalidade de impedir que o agente solto, continue a delinquir, e também nos casos em que o cárcere ad custodiam for necessário para acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça em crimes que provoquem clamor público (Informativo nº 397 do STJ – HC 120.167/PR)[3].  

Diante desse breve arrazoado, é perceptível que não há um consenso no tocante a definição de garantia da ordem pública, ao tempo que, pelo conceitos apresentados há uma visível violação à presunção de inocência, art. 5, LVII da CRFB, dado que o único objetivo da segregação preventiva seria o atendimento instantâneo e exclusivo ao clamor social, ignorando por completo a real necessidade da aplicação da medida, o que ao meu sentir serve apenas como uma espécie de “carta na manga” do julgador, que a utiliza para fundamentar a decretação de prisão preventiva do agente que venha praticar algum delito de natureza abstratamente grave e que cause repercussão social, funcionando assim, como uma espécie de reposta do poder judiciário ao anseio punitivo imediato da sociedade, que em sua maioria desconhece os preceitos constitucionais de presunção inocência e devido processo legal.

Nesse rumo, Eugênio Pacelli (pág. 423/424, 2007)[4] sustenta que a difícil definição da expressão garantia da ordem pública, pode muitas das vezes acaba por justificar um perigoso controle da vida social, no ponto em que se arrima na noção de ordem, e pública, sem qualquer referência ao que efetivamente significaria desordem.

Não há que se concordar que a garantia ordem pública seja para a proteger a sociedade da reiteração de crimes, visto que esse, de uma maneira singela seria o objetivo da pena definitiva, e não da pena provisória.

Ademais, quanto ao fato de que o fundamento da garantia da ordem pública seria destinado à proteção da comunidade em razão da periculosidade do agente, vejo que esse não deve ser o caminho, isso porque, se esse fosse o entendimento, como ficaria a sociedade no caso de uma eventual absolvição ou extinção da punibilidade do agente ao fim do processo?

Ainda cabe consignar que a proteção da sociedade no Estado Democrático de Direito se inicia com  medidas processuais, com a persecução penal propriamente dita, e se efetiva com condenação definitiva, de modo que, não há que se falar em uma segregação provisória a fim de se resguardar a sociedade da periculosidade do agente, o que ao meu ver revela-se como uma característica do modelo criminal idealizado por Günter Jakobs, que acima de tudo se baseia na ideia de prevenção.  

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Dessa forma, sem maiores delongas ao tema, cabe registrar, que talvez  o melhor mais adequado conceito para garantia da ordem da pública, seria aquele voltado a resguardar o regular e efetivo andamento do processo penal, e não aquele que ignora a excepcionalidade da prisão e aplica a prisão cautelar típica e normal quando constatado a pratica de algum crime abstratamente grave que venha, ou não, causar clamor social.


[1] Lima, Renato Brasileiro de Lima, Manual de processo penal: Volume único/ Renato Brasileiro de Lima – 5. Ed. Ver., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

[2] CNJ divulga os mais recentes dados sobre população carcerária no Brasil. Justificando, 2018. Disponível em: <http://www.justificando.com/2018/08/08/cnj-divulga-os-mais-recentes-dados-sobre-a-populacao-carceraria-no-brasil/>. Acesso em 11 de setembro 2018.

[3] Informativo nº 397 do STJ – HC 120.167/PR - 5ª Turma – Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 04/06/2009. No sentido de que A garantia da ordem pública não se restringe às medidas preventivas para evitar conflitos e tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinquência: STJ, 5ª Turma, RHC, 26.308/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08/09/2009, DJe 19/10/2009.

[4] Oliveira, Eugênio Pacelli de, Curso de processo penal, 8. Ed., – Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007

Sobre o autor
Lucas Menegussi Medeiros

Advogado criminalista .

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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