Resenha: FILKENSTEIN, Maria Eugênia. Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 4ª ed., 2008, 311 p.
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Sobre a autora.
Maria Eugênia Filkenstein é bacharel em direito pela Universidade de São Paulo (USP), advogada, mestre em direito comercial pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutora em direito comercial pela USP, igualmente sendo professora universitária na matéria.
Sobre a obra.
Na obra “Direito Empresarial”, a autora introduz os estudantes e profissionais do direito nesse novo universo que se desvelou com a edição da Lei nº 10.406, que alçou ao direito brasileiro o Código Civil de 2002, substanciando o conjunto de normas voltadas predominantemente ao direito privado e capazes de disciplinar as relações jurídicas que envolvem empresa e empresário.
Nessa abordagem que se descortinou para o direito, e, sobretudo, para o plano obrigacional, ressalta a autora que – exceção feita aos contratos voltados para as relações de consumo –, os contratos mercantis possuíam disciplina pelo antigo Código Comercial (Lei nº 556/1850), de forma que o diploma de 2002, pugnando unidade ao direito privado, relativizou a antiga diferenciação entre contratos civis e comerciais, ainda que continuem informados pelo tradicional princípio da autonomia da vontade (pacta sunt servanda) (p. 162). Embora fazendo lei entre as partes (lex inter partes) e carreando a força vinculante aos obrigados – e como não poderia deixar de ser –, mantém-se na disciplina tradicional do direito privado e do atual Código Civil a possibilidade de se cotejar o caso fortuito e/ ou força maior ensejadoras de descumprimento no artigo 393, e concretizando o entendimento na expressa previsão da cláusula rebus sic standibus (teoria da imprevisão), na qual a resolução contratual se torna possível a partir da oneração excessiva de uma das partes em face de eventos não previsíveis e extraordinários, capazes de trazer vantagens em excesso para uma delas em um contexto de condições econômicas deveras diferentes das verificadas quando do momento da celebração (p. 163). Acresça-se que no bojo do artigo 478, em caso de discussão judicial, os efeitos da sentença que decretar a resolução do instrumento contratual retroagirão à data da citação.
Nesse ínterim, o direito empresarial supera a teoria dos atos de comércio abarcando a teoria da empresa, que tem como núcleo a atividade profissional organizada voltada para a circulação de bens e serviços, no que a Autora transita com grande desenvoltura entre os temas contemporâneos em face das antigas legislações, como se observa na análise da Lei de Falências – atual Lei nº 11.101/2005 justaposta ao revogado Decreto-Lei nº 7661/1945 – sem deixar de atentar-se aos trâmites econômicos e políticos que norteiam a normatividade jurídica, em exemplo do debate acerca da aplicabilidade ou não do dispositivo às companhias aéreas, culminando no entendimento do regime da recuperação judicial ser igualmente a elas aplicado (p. 269).
Por sinal, na nova normativa da Lei de Falências, como bem destaca a obra, o regime de recuperação judicial da empresa visa a manutenção da existência dela em cumprimento de sua função social e, correspectivamente, dos empregos e dos interesses dos credores, seguindo uma tendência mundial já verificada em países como Argentina, Estados Unidos da América, Alemanha, França e Itália (p. 267). Nesse sentido, prevê o artigo 95 da nova lei falimentar a possibilidade do devedor, no próprio prazo da contestação do pedido de falência, requerer a recuperação judicial (p. 221).
A relevância da obra, ademais, fica exemplificativamente expressa na abordagem do tema dos títulos de crédito (p. 120 e seguintes). A autora explica que por conta do desenvolvimento do comércio internacional, surgiram convenções na matéria, como se vê na edificação da Convenção de Genebra de 1930 e seu texto da Lei Uniforme (p. 121). Havendo no Brasil o Decreto nº 2044/1908, a Lei Cambial, aplicável à matéria – e com o status de lei ordinária, sendo que somente no texto constitucional de 1946 os decretos passaram a ter a feição atual –, nesse mesmo ano a referida convenção foi ratificada no país (p. 121).
Desta feita, prossegue a autora aduzindo que “em 1966 o Decreto nº 57.663/66 estabeleceu que a Lei Uniforme deveria ser cumprida, simplesmente anexando o seu texto aos dizeres do diploma legal brasileiro”, e em um trâmite inadequado para a promulgação de convenção internacional, não o fazendo por meio de lei ordinária, criando celeuma acerca da possibilidade de decreto presidencial poder retirar a sua vigência e cunhando a existência de não revogação formal da Lei Cambial Brasileira pela Lei Uniforme (p. 121).
De forma política, o Supremo Tribunal Federal acabou por decidir em 1971 que a Lei Uniforme vigorava no país, com exceção dos pontos em que haviam sido feitas reservas, onde, então, aplicar-se-ia o conteúdo da Lei Cambial (p. 121).
Não obstante, há a disciplina dos títulos de crédito pelo Código Civil de 2002 nos artigos 887 a 927, adotando o princípio da liberdade de criação e emissão de títulos inominados, ainda que não haja disposição aos nominados, como letra de câmbio, cheque, nota promissória e duplicata (p. 121).
Esses, portanto, são apenas alguns dos aspectos em que a obra expõe a sólida formação da Autora, conjugada no aporte intelectual e na atividade como advogada, trazendo por meio do livro resenhado grande contribuição para estudantes e profissionais do direito adentrarem ao universo do agora consolidado e sempre pertinente direito empresarial.