O CASO OI E BRASIL TELECOM E O SÍTIO DE ATIBAIA
Rogério Tadeu Romano
Observo do site do jornal O Globo, em 11 de dezembro do corrente ano:
“Uma cadeira ao lado de delegados e procuradores que anunciaram, nesta terça, a nova fase da Lava-Jato bem que poderia ter sido reservada a Marco Aurélio Vitale, ex-diretor comercial de Jonas Suassuna no grupo Gol. É ele a fonte de quase metade das informações que serviram de munição à nova investigação, que mira o mais bem-sucedido filho do ex-presidente Lula, Fábio Luís, conhecido como Lulinha. A outra metade foi obtida em 4 de março de 2016, quando agentes da PF percorreram endereços da família Lula e de Suassuna.
Na esteira da popularidade da Lava-Jato e na condição de testemunha da relação de Lulinha com os sócios Suassuna e irmãos Bittar, Vitale escreveu em livro o que observou na convivência com os ex-colegas. Prestou dezenas de depoimentos à Polícia Federal em Curitiba.
Foi ele quem contou que a Oi pagou R$ 27 milhões por mensagens bíblicas que renderam um faturamento médio anual que mal alcançava cinco dígitos. E outros R$ 25 milhões por serviço de mensagens SMS sobre saúde e bem-estar, também um insucesso comercial.
A revelação sobre a falta de lastro para os pagamentos da Oi impulsionou a suspeita inicial das investigações, segundo a qual Suassuna e os irmãos Bittar atuavam como entrepostos de interesses da família Lula. O fato de Suassuna emitir um cheque de R$ 1 milhão, em 2010, para comprar um terreno contíguo ao sítio de Atibaia, usado pelo ex-presidente, ganhou contorno mais grave. Afinal, é dinheiro que veio de contas abastecidas por dinheiro fácil da “super tele” de Lula.”
Segundo o MPF, o grupo Gamecorp/Gol, de Fábio Luís, recebeu R$ 132 milhões entre 2004 e 2018 sem comprovar a prestação de serviços. Em troca, as operadoras de telefonia teriam sido beneficiadas pelo governo. Parte do dinheiro teria sido usada por sócios de Fábio Luís para comprar o sítio de Atibaia, que, segundo a Lava Jato, foi reformado por empreiteiras em benefício de Lula.
Em sua 69ª fase, a Lava Jato investiga contratos da Oi/Telemar e da Vivo Telefônica com empresas controladas por Fábio Luís Lula da Silva, filho mais velho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), firmas de Fábio Luís receberam R$ 132 milhões entre 2004 e 2018 sem comprovar que prestaram serviços. Em troca dos repasses, as operadoras de telefonia teriam sido beneficiadas pelo governo do petista. Ainda de acordo com os investigadores, parte do dinheiro teria sido utilizada por sócios de Fábio Luís para comprar o sítio de Atibaia, que rendeu uma condenação a Lula.
Conforme o Estadão, edição de 11 de dezembro do corrente ano, a Lava Jato afirmou que, paralelamente aos repasses à Gamecorp/Gol, a Oi/Telemar foi “beneficiada” pelo governo federal por meio de decisões no setor de telecomunicações. Citou como exemplo decreto assinado pelo então presidente Lula em 2008 que permitiu a aquisição da Brasil Telecom pela Oi/Telemar
No cardápio, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.
Fica a pergunta: como fatos ocorridos em 2010, somente agora, em 2019, voltam à berlinda?
Em verdade, a compra da Brasil Telecom pela OI precisa ser investigada.
Como Como disse o Estadão, em 17 de dezembro de 2008: “a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou no dia 18 de dezembro a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi, considerado o maior negócio do setor dos últimos dez anos, depois da privatização do Sistema Telebrás. A supertele, fruto da fusão entre Oi e BrT, nasce com receita bruta anual de R$ 41 bilhões, concentra 22 milhões de telefones fixos e quase 30 milhões de celulares. Terá posição dominante em todos os Estados brasileiros, à exceção de São Paulo. O processo de união das duas empresas começou em abril, quando a Oi comunicou ao mercado seus planos de compra da BrT. A operação, porém, não era permitida pela regras do setor de telecomunicações. Para que pudesse ir em frente, a compra dependia de uma modificação no Plano Geral de Outorgas (PGO), um decreto presidencial que impedia que duas concessionárias de telefonia fixa tivessem o mesmo controlador. Hoje, são quatro as concessionárias: Oi, BrT, Telefônica e Embratel. Em outubro, a Anatel aprovou um novo texto para o PGO, permitindo que até duas concessionárias tivessem o mesmo controlador. O texto foi encaminhado ao presidente pelo Ministério das Comunicações e publicado no Diário Oficial no mês passado. A formação de uma grande operadora com capital nacional tem recebido apoio do governo, o que inclui R$ 6,869 bilhões de bancos estatais. No dia 21 de novembro, a Oi deu entrada no processo para conseguir a anuência prévia da Anatel. Para dar seu aval ao negócio, a Anatel deve estabelecer cerca de 30 contrapartidas, que terão de ser cumpridas pela nova Oi até junho de 2010. O negócio foi cercado de polêmicas desde o início. Contando com o aval do governo, a transação envolveu mudança de legislação e um grande aporte de dinheiro público. No total, os bancos entraram com um financiamento de R$ 6,8 bilhões, em um negócio estimado em R$ 12,5 bilhões. Foram R$ 2,5 bilhões do BNDES e outros R$ 4,3 bilhões do Banco do Brasil. Além disso, há também o investimento dos fundos de pensão de estatais (Previ, Petros e Funcef), que, segundo estimativas, chega a R$ 3 bilhões. Apesar de todo o dinheiro público envolvido, os detentores da maior parte das ações da nova empresa são grupo privados: a Andrade Gutierrez, de Sérgio Andrade, e a La Fonte, de Carlos Jereissati. O governo apoiou abertamente o negócio, com o argumento de que seria bom para o Brasil ter uma grande empresa de telecomunicações para concorrer com os grupos privados que atuam no País (Telefônica, espanhola, e Telmex, mexicana). Mas, para que a transação fosse fechada, era necessário mudar a legislação. O Plano Geral de Outorgas (PGO), que regulamenta o setor, impedia que duas empresas que operassem em áreas de concessões diferentes se juntassem. Mas isso foi mudado. O negócio criou polêmica também pelos atores envolvidos. Em 2005, a Oi, então chamada Telemar, investiu R$ 5 milhões na empresa Gamecorp, que tem entre seus sócios Fábio Luis Lula da Silva, filho do presidente Lula. Além disso, a Andrade Gutierrez, uma das controladoras da Oi, foi a maior doadora da campanha do Partido dos Trabalhadores em 2006. O processo de anuência prévia da BrOi, como foi apelidada a empresa, foi o mais rápido da história da Anatel, com duração de 27 dias. Levantamento da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), que reúne rivais da Oi e da BrT, mostrou que o menor prazo até hoje foi de 63 dias. Com a aprovação na Anatel, o processo de fusão entre as duas empresas terá de passar agora pelo crivo do Cade. Mas Oi e BrT já fecharam um acordo com o órgão se comprometendo a não tomarem nenhuma medida que não possa ser revertida enquanto o processo não tiver uma decisão final.”
Por que, somente agora, as investigações são reiniciadas para se apurar crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro, dentre outros?
A Polícia Federal cumpriu, no dia 9 de dezembro do corrente ano, 47 mandados de busca e apreensão relacionados a Fábio Luis Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente Lula , e à operadora de telefonia Oi, em uma nova etapa da operação Lava-Jato que liga o empresário ao já famoso sítio de Atibaia . A PF e o Ministério Público apuram se a operadora fez contratos irregulares com Fábio e seus sócios, e se o dinheiro dessas contratações teria viabilizado a compra do sítio usado por Lula e sua família. As obras no local, pagas por empreiteiras investigadas na Lava-Jato, resultaram na condenação do ex-presidente em Curitiba e no TRF-4. Lula contesta as acusações e a Oi afirma que atua de forma transparente e que colabora plenamente com as autoridades.
Seria caso de prisão temporária do ex-presidente por conta de crimes cometidos há alguns anos? Não estariam cumpridos os requisitos para tal prisão para investigações? Certamente se fosse preso, estaria o filho do ex-presidente dentro dos limites da prisão preventiva do artigo 312 do CPP?
Como explicar o enriquecimento do filho do ex-presidente, quando seu pai, há alguns anos, era um sindicalista? O que teria feito para participar de megaoperações?
Qual o verdadeiro papel do filho do ex-presidente com a OI e os negócios escusos em que o pai se envolveu?
Chefe do Gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva nos oito anos em que o petista ocupou a Presidência da República, o ex-ministro Gilberto Carvalho considerou “a coisa mais normal do mundo” se a empreiteira Odebrecht tiver bancado a reforma de um sítio usado pelo ex-presidente.
Informado pela reportagem que a reforma ocorreu quando Lula ainda ocupava a cadeira presidencial, o ex-chefe de gabinete do petista emendou: “Não tenho informações se foi, mas, de qualquer modo, o usufruto dessa história que se deu… o Lula foi pela primeira vez nessa chácara em 2011.”.
Carvalho também argumenta que Lula não é o dono formal da propriedade, que está em nome de sócios de um dos filhos do ex-presidente.
Noticia-se que testemunhas indicam que um consórcio fez a obra.
É o que publicou o jornal “Folha de São Paulo”, quando disse que “uma espécie de consórcio informal de empresas dirigidas por amigos do ex-presidente bancou obras no sítio frequentado pela família, em Atibaia, São Paulo”
Pelo menos três empresas, todas investigadas na operação Lava-Jato, teriam participado das reformas no imóvel, de acordo com os relatos: a Usina São Fernando, do pecuarista e amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai, além da Odebrecht e OAS.
Por que tais construtoras investiriam tempo, dinheiro e empregados para reformar o sítio de Atibaia se ele não fosse regularmente frequentado por Lula e a família? De resto, por que fariam tais agrados a ele? Para recompensá-lo por medidas que adotou no governo? Para remunerá-lo indiretamente por algum favor?
O caso mereceu a devida investigação sob os ângulos dos delitos de corrupção passiva e ocultação de patrimônio.
Trata o artigo 317 do Código Penal do crime de corrupção passiva.
O núcleo do tipo é solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida, mesmo fora da função, ou antes de assumi-la, desde que em virtude da função.
O ato funcional, de natureza comissiva ou omissiva sobre o qual versa a venalidade pode ser lícito ou ilícito.
Fala-se em corrupção própria ou imprópria. Necessário exemplificar.
Constitui corrupção própria receber numerário para conceder uma licença a que não se tem direito. A corrupção imprópria (simples) ocorrerá se o funcionário receber uma vantagem para consentir numa licença devida. Na corrupção própria a prática se refere à solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida para realização de um ato ilícito. Na corrupção própria tem-se a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem indevida para a realização de ato lícito.
Fala-se em corrupção antecedente e consequente. Ocorrerá a primeira quando a recompensa for entregue ou prometida, visando a uma conduta futura. Na outra, ocorrerá a recompensa após a prática do ato. Na corrupção antecedente, a solicitação da vantagem ilícita e a aceitação da promessa se dão antes da realização do ato. Por sua vez, na corrupção consequente ou subsequente, a solicitação da vantagem ilícita ou a aceitação da promessa dar-se-ão após a prática do ato.
A corrupção passiva foi objeto da Consolidação das Leis Penais sob a forma de peita ou suborno. A peita, consoante o Código Penal de 1830, ocorria quando recebesse o servidor dinheiro ou algum donativo. O suborno, quando se deixasse corromper o funcionário por influência ou outro pedido de alguém, lembrando a atual corrupção privilegiada.
A conduta poderá se efetivar de três formas: solicitando, recebendo ou aceitando promessa de vantagem indevida.
A conduta ilícita envolve qualquer tipo de recompensa, seja pecuniária ou não. Poderá consistir além de dinheiro na prática de favores sexuais, por exemplo, para obtenção de um cargo ou uma condecoração.
Não é necessário estar o funcionário público no exercício da função.
Pode ele não se encontrar em exercício, ou mesmo não tê-lo ainda assumido, e o delito existirá desde que o fato se dê em razão da função. Mesmo que o funcionário só venha a receber a vantagem indevida depois de haver deixado a função, ocorre o crime, uma vez que a traficância se deu em virtude da função.
O crime é de natureza formal. Será consumado com a simples solicitação de vantagem indevida, com o recebimento desta, ou com a aceitação da promessa.
Formulada a solicitação, o crime é consumado, entendendo-se que o crime não está sujeito a tentativa.
O elemento subjetivo é o dolo genérico.
A tentativa é inadmissível para Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao Código Penal, pág. 475). Diverge Heleno Cláudio Fragoso, na linha de Mirabete (Manual de direito penal, 22ª edição, pág. 309), para quem a tentativa é possível. É o caso de pedido de servidor interceptado por terceiro antes que chegue a conhecimento da vítima.
Já se entendeu que não ocorre o delito de corrupção passiva, embora de natureza formal, consumando-se o crime pela simples solicitação, se esta é impossível de ser cumprida, isto é, não estiver ao alcance da pessoa que é solicitada (TJSP, RT 505/296).
Nessa linha de pensar é o entendimento no sentido de que não pode haver o crime de corrupção passiva quando a vantagem é impossível. Embora o crime seja de natureza formal, não se tipifica a vantagem desejada pelo agente que não tem competência ou atribuição para o oficio (RT 538/324).
Disse Mirabete (obra citada, pág. 307) que é indispensável para a caracterização do ilícito em estudo que a prática do ato tenha relação com a função do sujeito ativo. O ato ou a abstenção a que se refere a corrupção deve ser de competência em suas atribuições funcionais, porque somente nesse caso podemos nos deparar com o dano efetivo ou potencial ao regular funcionamento da administração. Além disso, o pagamento feito ou prometido deve ser a contraprestação de ato de atribuição do sujeito ativo (RF 201/297; JTJ 160/306). Assim, não se tipifica a infração se a vantagem desejada pelo corruptor não é de atribuição e competência do funcionário (RT 505/296). Poderá, assim, a conduta ser enquadrada como crime de tráfico de influência (artigo 332) ou poderá haver a prática de coautoria de funcionário em crime de corrupção ativa, se transferir o dinheiro ao colega que detém a competência.
Recentemente o ex-presidente da República, Lula da Silva, foi condenado em segunda instância, por corrupção e lavagem nesse caso do sítio de Atibaia.
O caso expõe, em toda a sua realidade, a falta de respeito com o dinheiro público ocorrido na chamada “era petista”.
Isso, talvez, explique a fragilidade da defesa do ex-presidente no caso da corrupção no Sítio de Atibaia, onde se louvou em diversas teses processuais.