ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO E ATUAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA

12/12/2019 às 09:18
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STF DIANTE DE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.

ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO E ATUAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA

Rogério Tadeu Romano

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou determinação do Conselho Nacional do Ministério Público de submeter ao Tribunal de Justiça do Maranhão decisão do procurador-geral de Justiça do Estado de arquivar os autos de um procedimento investigativo criminal (PIC).

O ministro Luiz Fux, relator do Mandado de Segurança (MS) 34730, observou que "não há previsão legal para que a determinação do procurador-geral seja submetida ao controle do Judiciário". As informações estão no site do Supremo.

"Se houver irresignação contra o arquivamento, a última palavra é do procurador-geral de Justiça" afirmou. Para o ministro, o arquivamento de PIC determinado pelo procurador-geral de Justiça não necessita de prévia submissão ao Judiciário, "pois pode ser revisto caso apareçam novos meios de prova, ou seja, não acarreta coisa julgada material".

O ministro Fux anotou que, como o procurador é a autoridade própria para aferir a legitimidade do arquivamento desses procedimentos, "não há motivo para que sua decisão seja objeto de controle jurisdicional".

Ora, bem ensinou Fernando da Costa Tourinho Filho(Processo Penal, volume I, 6ª edição, pág. 243) que o pedido de arquivamento, nos crimes de ação penal pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente este é que poderá requerer ao Juiz seja arquivado o inquérito, e, caso o magistrado acolha as razões invocadas por ele, determina-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o artigo 28 do CPP.

A opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente a investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor.

O exercício da ação penal pública cabe ao Ministério Público. Se este concluir pela não-propositura da ação penal, não mais fará senão manifestar a vontade do Estado, de que é órgão, no sentido de não haver pretensão punitiva a ser deduzida. O mais que o juiz poderá fazer será exercer aquela função anormal, a que se referiu Frederico Marques, fiscalizando o princípio da obrigatoriedade da ação penal, evitando, assim, o arbítrio do órgão do Ministério Público. Ora, se o juiz submeteu o caso à apreciação do Chefe do Ministério Público e este entendeu que o Promotor estava com a razão, cessou o arbítrio, arquiva-se então o inquérito.

Assim o Ministério Público tem “o poder de ação”, e o juiz o “poder jurisdicional”.

Como bem disse ainda Fernando Tourinho Filho(obra citada, pág. 352), de notar-se que o titular da ação penal pública é o Estado, e o órgão incumbido de promover a ação penal é o Ministério Público. A este cumpre verificar se é caso de promove-la. Do contrário, estaria o Juiz(aí, sim) invadindo seara alheia, pois exerceria, de maneira obliqua o poder de ação. Mesmo na França, onde a ação penal é sempre pública, o procurador da República pode, quando julga infundada a noticia criminis, deixar de iniciar a ação penal.

Lembro que, no passado, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de anular um processo sob o seguinte motivo: o promotor requereu o arquivamento de inquérito que versava sobre crime contra a saúde pública. O juiz determinou o arquivamento, mas, nos termos do artigo 7º da Lei nº 1.521, recorreu ex officio. O Tribunal deu provimento ao recurso e determinou que fosse oferecida a denúncia. O promotor ofereceu-a. Afinal, em recurso, foi o réu condenado. Apreciando habeas corpus impetrado, o STF anulou o processo, sustentando, com acerto, que a iniciativa da ação penal cabia, com exclusividade, ao Ministério Público. O Tribunal não podia obriga-lo a oferece-la.

Observe-se a Súmula 524 do STF.

Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

Jurisprudência selecionada no site do STF: 

● Súmula 524 e artigo 18 do CPP: diferença entre as regras de desarquivamento de inquérito e exercício da ação penal baseada em inquérito arquivado


Com efeito, a Súmula 524 desta Suprema Corte estabelece que, "arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas". A situação sob análise não é, como visto, a de oferecimento de denúncia após o desarquivamento de inquérito, mas de reabertura de inquérito. Para que ocorra o desarquivamento de inquérito, basta que haja notícia de novas provas, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal, enquanto não se extinguir a punibilidade pela prescrição. De fato, diante da notícia de novos elementos de convicção veiculada pelo Parquet, afigura-se admissível a reabertura das investigações nos termos da parte final do citado dispositivo do CPP, mesmo porque o arquivamento de inquérito policial não faz coisa julgada nem acarreta a preclusão, por cuidar-se de decisão tomada rebus sic stantibus. Assento, por oportuno, que não se discute aqui a possibilidade de o Ministério Público apresentar a denúncia diretamente, prescindindo do inquérito policial, quando tiver elementos de convicção suficientes para fazê-lo, nos termos do  art. 46, § 1º, do CPP, mas de desarquivamento de inquérito policial. Convém registrar, ainda, que, se para desarquivar o inquérito policial basta a notícia de provas novas, diversamente, o Ministério Público só ofertar a denuncia se tiverem sido produzidas provas novas, nos termos da supramencionada Súmula 524 do STF. Como bem observa Afrânio Silva Jardim, atualmente, toda questão relativa ao desarquivamento vem sendo examinada e resolvida por meio da automática aplicação da mencionada Súmula, como se ela estivesse limitada a uma interpretação extensiva do artigo 18 da lei processual penal. Não se percebeu, lembra ele, a real diferença entre o que está escrito na norma legal e aquilo que diz a jurisprudência sumulada. Mas a diferença é evidente, fazendo com que ambas as regras tenham campos de incidência distintos, como lembrou o Procurador-Geral da República (fl. 213). Enquanto o art. 18 regula o desarquivamento de inquérito policial, quando decorrente da carência de provas (falta de base para denúncia), só admitindo a continuidade das investigações se houver notícia de novas provas, a Súmula 524 cria uma condição específica para o desencadeamento da ação penal, caso tenha sido antes arquivado o procedimento, qual seja, a produção de novas provas. É certo, ademais, que o desarquivamento pode importar na imediata propositura da ação penal, se as novas provas tornem dispensável a realização de qualquer outra diligência policial. Mas isso não quer dizer que esses dois momentos - o desarquivamento e o ajuizamento da demanda - possam ser confundidos. Como salientei acima, para o desarquivamento é suficiente a notícia de novas provas, legitimando o prosseguimento das investigações encerradas pela decisão de arquivamento. Já a propositura da ação penal dependerá do sucesso destas investigações, isto é, da efetiva produção de novas provas. Sem tal requisito, faltará justa causa para a ação penal, devendo a denúncia ser rejeitada nos termos do artigo 43, III, do CPP. Desse modo, o desarquivamento do inquérito policial nada mais significa do que uma decisão administrativa, de natureza persecutória, no sentido de modificar os efeitos do arquivamento. Enquanto este tem como consequência a cessação das investigações, aquele tem como efeito a retomada das investigações inicialmente paralisadas pela decisão de arquivamento. Em resumo, sem notícia de prova nova o inquérito policial não pode ser desarquivado, e sem produção de prova nova não pode ser proposta ação penal. É evidente que o juiz poderá sempre rejeitar a denúncia do Ministério Público, com base no inquérito policial desarquivado, se ela não tiver arrimada em novas provas. Mas, para que estas novas provas sejam apresentadas, é preciso permitir a reativação das investigações, mediante o desarquivamento do inquérito, em face da notícia de novas provas. Afasta-se, pois, na espécie, a incidência da Súmula 524, porque ela - insisto - não regula o desarquivamento, disciplinando apenas, o exercício da ação penal baseada em inquérito arquivado.
[HC 94.869, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 26-6-2013, DJE 39 de 25-2-2014.]


● Afastamento da Súmula 524 e do artigo 18 do CPP em caso de arquivamento por atipicidade do fato penal 


Não se revela cabível a reabertura das investigações penais, quando o arquivamento do respectivo inquérito policial tenha sido determinado por magistrado competente, a pedido do Ministério Público, em virtude da atipicidade penal do fato sob apuração, hipótese em que a decisão judicial - porque definitiva - revestir-se-á de eficácia preclusiva e obstativa de ulterior instauração da "persecutio criminis", mesmo que a peça acusatória busque apoiar-se em novos elementos probatórios. Inaplicabilidade, em tal situação, do art. 18 do CPP e da Súmula 524/STF. Doutrina. Precedentes.
[HC 84.156, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 26-10-2004, DJ de 11-2-2005.]


● Artigo 18 do CPP e Procedimento Investigatório no MP


A investigação foi instaurada sem estar instruída com provas, na medida em que requisitadas cópias de ambos os procedimentos anteriores. As diligências determinadas por ocasião da instauração consistiram na solicitação de documentos a órgãos públicos e na renovação do pedido de assistência internacional determinado no anterior inquérito civil. Disso se conclui que, em parte, o Ministério Público do Estado de São Paulo retomou as investigações iniciadas no inquérito civil, desta feita sob a roupagem criminal. (...) O fato de o Ministério Público ter extraído dos fatos uma suspeita maior quanto ao período e quanto aos crimes não é relevante. As provas existentes e o contexto fático são os mesmos. Essas novas definições são simples tentativa de dar nova roupagem às investigações. O Ministério Público não pode simplesmente arrepender-se do arquivamento de investigação, mesmo por falta de provas. Sem que surjam novas provas, ou ao menos meios de obtê-las, não é cabível retomar as pesquisas.
[Rcl 20.132 AgR-Segundo, rel. min. Teori Zavaski, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 23-2-2016, DJE 82 de 28-4-2016.]

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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