A importância da ação comunicativa e da teoria do discurso de Jurgen Habermas para a construção do Estado Democrático de Direito

12/12/2019 às 22:20
Leia nesta página:

Trata-se de uma pesquisa de natureza básica cujo objetivo é se fundamentar na teoria de Jurgen Habermas para explicar como deve se dá a construção do Estado Democrático de Direito a partir da comunicação e do debate.

1. INTRODUÇÃO

A teoria do agir comunicativo desenvolvida por Habermas, faz uma distinção entre a razão prática e razão comunicativa, aquela é realizada por um médium linguístico, através do qual as interações se articulam e as formas de vida se estruturam. De acordo com Habermas (1997, p.21), ‘’a razão comunicativa possibilita, pois na base de pretensões de validade; no entanto, ela mesma não fornece nenhum tipo de indicação concreta para o desempenho de tarefas práticas’’.Por outra perspectiva ela abrange todo espectro de pretensões de validade. Outrossim, a teoria do agir comunicativo interliga-se com a democracia, pois de acordo Habermas (1997, p.22), ‘’apesar da distância em relação aos conceitos tradicionais da razão da prática, não é trivial constatar que uma teoria contemporânea do direito e da democracia continuam buscando um engate na conceituação clássica’’. Ou seja, a democracia busca legitimidade através da participação de todos os cidadãos na sociedade política, a fim de que o poder não fique concentrado em apenas uma entidade – entidade esta, que na teoria clássica é composta pelo legislativo, executivo e judiciário.

Destarte, o Estado de Direito vem sofrendo modificações com o passar do tempo.Habermas (1997, p.123), ‘’as grandes codificações do século XVIII tornaram o direito em vigor acessível através de texto: e os princípios normativos contidos nos livros nos códigos passaram a indicar as normas que deveriam valer, ou seja, eles formaram a base do exercício do direito’’. Portanto, a importância do presente trabalho se dá pela abordagem de um tema de grande relevância para a convivência em sociedade: a importância do agir comunicativo para a construção democrática do direito, construção esta que sofre uma grave crise de legitimidade quando observada pela óptica haberniana. Mais adiante, será ressaltado o quanto a filosofia do autor pode ser associada a tese em questão, e o quanto ela pode se apresentar como solução para as problemáticas enfrentadas pela ciência política em geral aperfeiçoando o sistema a fim de garantir a legitimidade basilar para a democracia.

2. METODOLOGIA:

Trata-se de uma pesquisa de natureza básica, pois busca ampliar o conhecimento do assunto trabalhado, sem previsão de aplicação prática, elaborada através do uso do método dialético cujo o objetivo é explicativo, visto que, procura esclarecer como o agir comunicativo e a teoria do discurso se relacionam com a construção do Estado Democrático de Direito e a fortificação da legitimidade pautada na premissa de que o direito é o instrumento para alcançar o consenso democrático. Em relação aos procedimentos utilizados, adotaram-se os meios bibliográficos e documentais, visto que, a pesquisa foi realizada através de artigos, monografias e sites acerca da tese em questão.

3. RESULTADOS:

Ao abordar a filosofia crítica de Habermas e atrelá-la a construção do Estado Democrático de Direito, três caminhos serão traçados para apuração dos resultados em questão, são eles: uma análise geral da ação comunicativa, o discurso como consequência da pretensão de validade do falante ferida e a fundamentação democrática dos discursos práticos baseadas desde a elaboração das normas.

A ação comunicativa haberniana consiste na pretensão de validade do falante, ou seja, quando o orador fala algo a sua intenção é convencer seus ouvintes de que aquilo que foi dito é válido de forma ampla. Contudo, a pretensão de validade varia de acordo com os atos de fala utilizados, os quais podem ser: constatadores, reguladores, representativos e etc. Para Habermas, todos estes atos, apesar de distintos, possuem uma pretensão comum, a de compreensão. A questão fundamental que se pretende trazer nesse ponto, é de que, quando tal anseio não é atendido, surge uma problematização no ato de fala, e é aqui que se inicia - para o filósofo - o discurso.

Há uma passagem da ação comunicativa para o discurso, quando, exemplificando: um dos ouvintes discorda do orador, neste ponto a pretensão de validade é ferida. O discurso quer dizer que o falante tem que fazer uso de argumentos para justificar que suas asserções são verdadeiras (discurso teórico), que uma determinada ação ou norma de ação seja correta (discurso prático), ou ainda explicar algo incompreendido pelo meu ouvinte (discurso explicativo). (NOGUEIRA, 2006, p. 9)

É no discurso que a argumentação irá se fortificar, de acordo com Harbemas (1983) a argumentação é a base fundamentadora que fazem das asserções verdadeiras. É que a inegável diferença entre a lógica do discurso teórico e do discurso prático não são tais que expulsem o discurso prático do âmbito da racionalidade; que as questões prático-morais podem ser decididas “por meioda razão”, por meio da força do melhor argumento; que o resultado do discurso prático pode ser um resultado “racionalmente motivado”, a expressão de uma “vontade racional”, um consenso justificado, garantido ou fundado; e que, em conseqüência, as questões práticas são suscetíveis de verdade num sentido amplo dessa palavra. (HABERMAS, apud ATIENZA, 2002, p. 352)

As questões práticas referidas pelo filósofo serão abordadas como questões do Direito e da Política, as quais podem ser resolvidas também através do melhor argumento, do melhor resultado apresentado. Para exemplificar essa teoria discursiva prática e entrar no ponto crucial dos resultados do presente trabalho utilizaremos a esfera do Direito que apresenta problemas de origem prática, como a elaboração das normas. Segundo Álvaro Ricardo de Sousa Cruz (2004), a instancia formal do direito (o processo legal de elaboração das normas) não é suficiente para torna-lo legitimo, visto que a legitimidade só será atingida através de um processo de formação de opinião construído pela vontade presumida como racional, e, ao buscar esse fim é necessário que todos os participantes dos interesses estatais reconhecem a racionalidade dos argumentos vencedores.

Dessa forma, os cidadãos não podem limitar-se à condição de destinatários da normatividade estatal, devendo passar a condição de co-autores da mesma. Assim, os direitos de liberdade à expressão e de participação podem vir a sustentar o espaço da esfera pública, ao controlar a legitimidade jurídica através de foros permeáveis a ampla discussão. Logo, a Constituição passa a ser entendida como organização de procedimentos de garantia do fluxo de comunicação de argumentos para justificação das ações estatais, de modo que elas só se legitimem se entendidas como ‘’justas’’, de forma recíproca entre a maioria e a minoria, em qualquer debate. A Teoria Discursiva do Direito procura demonstrar que a legitimidade do direito repousa em normas jurídicas que criem obrigações, que tanto a maioria como a minoria estejam dispostas a aceitar. (CRUZ, 2004, p. 5).

Portanto, é notório que na perspectiva do autor e fazendo analogia a filosofia de Habermas, há uma crise de legitimidade no Estado Moderno, pois atualmente é perceptível uma falta de sintonia entre o interesse público e o interesse estatal, e com isso, o modelo de representação política tradicional se mostra incapaz de refletir a vontade popular.

A democracia que o Estado democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre. justa e solidária (art. 3~. lI), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo. diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1~, parágrafo unico); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista. Porque respeita a pluralidade de idéias. culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício. (SILVA, 1988, p. 22)

Em tese, O Estado Democrático de Direito se assemelha muito a teoria do discurso de Habermas, como o grifo sugere, é a partir do debate, onde todos os lados são ouvidos e respeitados com a devida empatia, que nasce o princípio básico da democracia: a legitimidade.

É através dela que as normas não se limitam apenas ao processo formal de elaboração – que deve ser seguido conforme os parâmetros estabelecidos – mas saltam para algo além, algo superior, um aspecto material que se preocupa não só com a formalidade em si mas com a necessidade da norma perante a sociedade onde ela vai ser imposta, perante a aplicabilidade e eficácia desta no plano social e perante ainda a racionalidade com que ela foi produzida, racionalidade esta que será atingida com aquilo que atende tanto a maioria quanto as minorias.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nesse contexto, fica evidente que o consenso – obtido através do discurso – é instrumentalizado pelo direito e pela democracia, à medida que Habermas dedicou sua obra a ‘‘investigar as possibilidades de interação entre os indivíduos em sociedade que levem a aparar conflito exacerbados, e, para isso, identificará no espaço público, na democracia e no direito formas excelentes de construção de procedimentos e consensos universalizáveis.’’ (MASCARO, 2016, p. 318). Portanto, com a analogia feita é possível chegar a conclusão de que, a visão de Habermas se associa evidentemente com a teoria do Estado Democrático de Direito, e a crise deste, para o autor, poderia ser solucionada através da comunicação argumentativa entre os elaboradores da lei e os destinatários desta, onde serão levantados os argumentos de cada uma das partes chegando ao princípio da universalização, por meio de um discurso prático e racionalmente motivado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante do exposto, fica evidente a importância da filosofia haberniana para construção teórica do Estado Democrático de Direito, a qual, não se prende meramente a desenvolver uma teoria a respeito da comunicação, mas sim sugerir uma maneira inovadora de agir socialmente.

Infelizmente, sua teoria tem grande peso quanto intenção, pois ao partir pra prática, o discurso que prega o princípio da universalização é visto como utopia nos dias atuais, visto que ‘‘a consciência individual é muito expressiva na sociedade moderna, os homens além de seremmegocêntricos, estão assaz separados por aspectos de natureza cultural e socioeconômica’’ (NOGUEIRA, 2004, p. 7).

Contudo, o próprio filósofo enxerga a dificuldade de exteriorizar sua teoria, segundo Leandro Mascaro (2016, p. 318), Habermas acredita que ‘‘a renúncia aos consensos mínimos gera o individualismo exacerbado – economicamente representado pelo neoliberalismo –, o que acarreta a fragmentação social. A falta deferências universalizáveis rói a interação social’’.

O que se buscou evidenciar no presente trabalho, foi que apesar da eficácia do direito no plano social apresentar uma grande problematização para a ciência política – visto que, a legitimidade das normas é constantemente violada – a teoria discursiva do direito de Habermas tenta resgatar a legitimidade do direito positivo, como uma forma de restabelecer o Estado Democrático de Direito onde o cidadão participe da elaboração da norma que ele mesmo vai cumprir, sendo co-autores da mesma. Portanto, a ação comunicativa, proposta pelo autor, deve ser utilizada como ferramenta para a legitimar o direito e se apresenta como alternativa para buscar eliminar a crise política, moral e democrática presente nos dias atuais.

5. REFERÊNCIAS:

ALVES, Leonardo M. Habermas e o direito. Ensaio e Notas. 3 ago. 2016. Disponível em
<https://ensaiosenotas.com/2016/08/03/habermas-e-o-direito/> Acesso em: 16 out. 2018.

DE SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Jurisdição constitucional democrática. Editora del
Rey, 2004.
HABERMAS, Jürgen; SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Direito e democracia: entre
facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
MASCARO, Leandro Alysson. Habermas. Filosofia do direito. ed. 5, São Paulo: Atlas. 2016.
p. 314-329.
NOGUEIRA, Clayton Ritnel. A teoria discursiva de Jurgen Habermas. Direitonet. 30 jun.

2016. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2715/A-teoria-discursiva-
de-Jurgen-Habermas>. Acesso em: 16 out. 2018.

PEREZ, Miriam Azevedo Hernandez. Teoria do agir comunicativo e estado democrático de
direito. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, 2012.
SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, vol. 173, p. 15-34, jul./set. 1988.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos