O JUIZADO DE GARANTIAS

13/12/2019 às 09:09
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O TEMA.

O JUIZADO DE GARANTIAS

Rogério Tadeu Romano

Conforme o Portal da Câmara dos Deputados, em 19 de setembro de 2019, o grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e por uma comissão de juristas liderada por Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovou  naquela data a inclusão da figura do “juiz das garantias” no Código de Processo Penal (CPP) brasileiro.

O juiz das garantias é o responsável pela legalidade da fase inicial do inquérito criminal, cabendo a ele supervisionar as investigações e garantir os direitos e garantias fundamentais dos suspeitos ou indiciados.

Segundo a proposta, a parte final processo, que envolve o julgamento para a verificação da culpa ou da inocência do réu, será comandada por outro magistrado. Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença, o que, para alguns especialistas, compromete a imparcialidade do julgamento.

Alerte-se que a criação do juiz das garantias também está prevista no projeto de novo Código de Processo Penal (PL 8045/10), já aprovado pelo Senado, e em análise atualmente por uma comissão especial da Câmara.

Coautor da emenda, o deputado Paulo Teixeira disse que o Brasil ainda é um dos poucos países que não adotou o juiz de garantias. “É extremamente oportuno e importante que aprovemos esse tema aqui hoje. É a restruturação da Justiça brasileira para garantir a imparcialidade", afirmou. Ele acrescentou que ninguém pode ser julgado por um juiz parcial. "O Parlamento inova e dá sua contribuição própria para as propostas dos dois juízes”, disse.

Pelo texto aprovado, o juiz de garantia seria um magistrado que fiscalizaria a legalidade das investigações e teria o poder impedir possíveis excessos por parte do juiz que dá a sentença. Também poderia revogar medidas cautelares, como a prisão preventiva, instrumento fundamental de Moro para fazer a Lava-Jato avançar.

Senadores da base governista dizem que esse é um dos itens que podem ser vetados por Bolsonaro por recomendação do ministro da Justiça, que viu outros pontos serem desidratados pelo Congresso.

É o que se tem com relação ao chamado “Juizado de Instrução”.

Sabe-se que o Código de Processo Penal ainda não o adotou. Dele tampouco cogitou o Anteprojeto Frederico Marques. No Juizado de Instrução, a função da polícia se circunscreveria a prender os infratores e a apontar os meios de prova, inclusive a testemunhal. Caberia ao “Juiz Instrutor” colher as provas. Assim colhidas as provas pelo citado magistrado, vale dizer, feita a instrução propriamente dita, passar-se-á à fase do julgamento, suprimindo-se o inquérito.

O Juizado de Instrução existe em vários países da Europa. É o próprio juiz quem ouve o pretenso culpado, as testemunhas e a vítima e, enfim, quem colhe as provas a respeito do fato infringente da norma e respectiva autoria. Concluída a instrução(que na França é inquisitiva), cumpre ao magistrado(juge d’instruction) proferir decisão(equivalente à nossa pronúncia), julgando acerca da procedência ou não do ius accusationis. Se se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, remeterá os autos ao juiz competente, onde haverá lugar a audiência do julgamento.

A Exposição de Motivos que acompanha o CPP, no seu inciso IV, esclareceu as razões da negativa de adoção do juízo de instrução:

“O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade. De outro modo, não se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona de jurisdição, a grande distância uns dos outros e da sede da comarca, demandando, muitas vezes, com os morosos meios de condução ainda praticados na maior parte do nosso hinterland, vários dias de viagem, seria imprescindível, na prática, a quebra do sistema: nas capitais e nas sedes de comarca em geral, a imediata intervenção do juiz instrutor, ou a instrução única; nos distritos longínquos, a continuação do sistema atual. Não cabe, aqui, discutir as proclamadas vantagens do juízo de instrução. Preliminarmente, a sua adoção entre nós, na atualidade, seria incompatível com o critério de unidade da lei processual. Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo a propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir‑se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo‑se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena.”

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O PLS n. 156/2009 já previa a figura do chamado ¨Juiz das Garantias¨, que seria responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, em seu art. 15. 

Aliás, a Exposição de Motivos no Projeto de Código de Processo Penal, em seu item III, justifica a necessidade do ¨Juiz das Garantias¨, visando a consolidação de um modelo que venha a ser orientado pelo princípio acusatório. Manter-se-ia o distanciamento do juiz do processo, responsável pela decisão de mérito, em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão de acusação. Assim, pela redação do artigo 17, daquele Projeto, ¨o juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15, ficará impedido de funcionar no processo.¨

Vem a pergunta ao estudioso: A questão da imparcialidade objetiva do magistrado pode ser analisada a partir de algumas decisões que ele pode ser chamado a proferir ao longo do inquérito ou de outra forma de investigação preliminar? Haverá tal parcialidade, se, na fase de investigação, o juiz proferir manifestação, com afirmações taxativas sobre a existência do crime e mesmo a autoria delitiva? Não tenho dúvidas de que se nessa decisão o juiz, de forma categórica, em sua fundamentação, afirmar que houve crime, que o investigado foi o autor, compromete a sua parcialidade para instruir e julgar o processo.

Isso se distancia claramente da cognição que faz o juiz de pronúncia, funcionalmente competente para externar se há prova da materialidade de um crime doloso contra a vida e ainda de indícios de sua autoria.

A parcialidade objetiva surge mediante um forte prejulgamento que faz o juiz, em cognição, para adoção de medida cautelar na investigação: garantia real, prisão cautelar, busca e apreensão, por exemplo. Essa cognição será horizontal, sobre questões, ou ainda vertical, sobre o fundo do direito.

Se o magistrado disser que, na decretação de uma prisão preventiva(artigo 312 do CPP), que não tem dúvidas de que o investigado é autor do crime, estará, sem dúvida, demonstrando a sua parcialidade. Ele terá exercido muito mais do que uma cognição superficial, uma cognição própria do modelo da probabilidade. Estará comprometendo sua imparcialidade no processo.

Claro que um juiz que autoriza uma ação controlada(Lei 9.034/1995) ou ainda a prisão preventiva do investigado, diante de fortes provas de autoria delituosa, tem comprometida a sua imparcialidade para instruir e julgar o processo penal. Como poderá condenar, ou até mesmo negar uma absolvição sumária? O crivo da nulidade absoluta da sentença faz-se necessário, pois estaríamos diante de um juiz impedido.

Se um juiz puniu um servidor num processo administrativo, não pode julgá-lo em ação penal, que verse sobre o mesmo fato(causa petendi).

Na prática, o juizado de garantias vem a ser uma resposta dos parlamentares ao âmbito da chamada operação “lava-jato”, onde o mesmo juiz que condenou presidiu a coleta de provas para oferecimento da ação penal.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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