11. DOS PROCESSOS NA JUSTIÇA EM ANDAMENTO
A prática de inserção de DIU por enfermeiros, tem sido alvo de questionamentos na esfera judicial.
No mês de agosto de 2019, o Conselho Regional de Medicina de Alagoas – CREMAL recebeu a denúncia de que enfermeiros da cidade de Arapiraca estavam realizando a colocação de Dispositivo Intrauterino (DIU) nas unidades de saúde do município.
Considerada atividade privativa do médico, a aplicação do DIU por enfermeiros fere a Lei do Ato Médico (Lei Federal nº 12.842/2013), configurando crime.
Após ciência do fato, o presidente do CREMAL realizou reunião com o secretário de saúde de Arapiraca, com o intuito de paralisar as atividades, sem conseguir resposta positiva .
Em 09/09/2019 foi veiculada a seguinte material jornalística:
“Mulher grávida tem DIU inserido incorretamente por enfermeiro em Penedo”.
O caso aconteceu na cidade de Penedo, Baixo São Francisco de Alagoas.
A ação do profissional foi tratada como incapacidade técnica e o Conselho de Medicina do Estado de Alagoas (Cremal) .
Em razão da negativa por parte do gestor municipal, e dos fatos veiculados na imprensa, o Conselho Regional de Medicina de Alagoas – CREMAL ajuizou Ação Civil Pública (ACP) com pedido de liminar na Justiça Federal de Alagoas em face do Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (COREN-AL) e dos Municípios de Arapiraca e Penedo .
A ACP que tramita sob nº 0809157-77.2019.4.05.8000 na 2ª Vara Federal de Alagoas, foi distribuída em 04.11.2019, e obteve em 03.12.2019 concessão de liminar em favor do CREMAL, determinando-se que o COREN-AL, divulgue em seu sitio eletrônico a decisão liminar com menção à proibição da prática de inserção de DIU por enfermeiros, nos termos da Lei nº 12.842 de 2013.
Ainda liminarmente se determinou que o Município de Penedo interrompa a inserção de dispositivo intrauterino e contraceptivo (DIU) através de profissionais de enfermagem do Sistema de Saúde Pública .
Importante destacar que o Juiz Federal André Carvalho Monteiro, na fundamentação da decisão liminar adotou como fundamentos o disposto pelo art. 4º inc. III c/c § 4º inc. III da Lei nº 12.842/2013, assim como a Nota de Esclarecimento da FEBRASGO, para considerar liminarmente que a inserção de dispositivo intrauterino (DIU) por enfermeiros viola as normas supracitadas, por ser ato privativo de médico.
Disse ainda, que a aludida prática por enfermeiro viola o Princípio da Legalidade da Administração Pública já que cabe ao Administrador Público cumprir o que a lei estabelece.
Da mesma semelhante, no Estado da Bahia, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) recentemente moveu uma ação civil pública contra a empresa Calfa por violar o direito à informação, à segurança e à segurança, colocando a vida de consumidoras em risco.
De acordo com a promotora de Justiça Joseane Suzart, a empresa ministra cursos para profissionais de enfermagem, que abordam direitos sexuais e reprodutivos com ênfase na inserção de dispositivo intrauterino (DIU), embora tal procedimento seja ato privativo de médicos.
A promotora aponta que a realização do curso “Direitos Sexuais e Reprodutivos com foco na inserção de DIU pela enfermeira” é uma prática abusiva ao direito do consumidor, já que viola normas legais, como a Lei do Ato Médico (12.842/2013), o Código de Ética Médica e a lei que regulamenta o exercício da enfermagem (7.498/1986).
Além da legislação, a promotora se baseia em manifestações do Conselho Federal de Medicina e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Conforme a ação, um “sem número de consumidores” poderão colocar, sem saber da irregularidade da prática, sua vida em risco, ao serem expostos a profissionais indevidamente treinados pela Calfa para realizar procedimento médico fora da norma e sem efetiva regulamentação dos órgãos competentes.
A promotora solicita à Justiça que, em decisão liminar, proíba a empresa de oferecer e ministrar qualquer tipo de curso, aula ou oficina com foco na realização, por profissionais de enfermagem, de procedimentos invasivos entendidos como atos médicos .
A ACP do MP-BA tramita na 20ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, sob nº 8036510-91.2019.8.05.0001 .
12. DO PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Com base no artigo 5º, XXXV, da CF, o Poder Judiciário tem competência para decidir com força de definitividade quaisquer litígios trazidos à sua apreciação, inclusive os de caráter administrativo.
Entretanto, não é exclusiva essa competência.
Com base no princípio da autotutela é cabível que a própria Administração Pública exerça controle sobre seus atos, tendo a possibilidade de anular os ilegais e de revogar os inoportunos, o que se deve à vinculação existente entre a Administração e a lei, podendo inclusive exercer o controle da legalidade de seus atos.
Tem-se assim que a autotutela administrativa é mais ampla que a tutela jurisdicional: em primeiro lugar, pela possibilidade de a Administração reapreciar seus atos de ofício, sem necessidade de provocação do particular, ao contrário do que ocorre no Judiciário, cuja atuação pressupõe necessariamente tal manifestação (princípio da inércia), em segundo pelos aspectos do ato que podem ser revistos, já que a Administração poderá reavaliá-los quanto à sua legalidade e ao seu mérito, ao passo que o Judiciário só deve apreciar, em linhas gerais, a legalidade do ato administrativo.
No âmbito da Administração Pública, o Princípio da Autotutela encontra-se consagrado na Lei 9.784/99 em seu artigo 53: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
Trata-se de um princípio infraconstitucional que decorre da supremacia do interesse público, visando uma maior celeridade na composição da ordem jurídica afetada pelo ato ilegal, bem como, buscando dar prestimosidade à proteção do interesse público, quando violado pelo ato administrativo inconveniente.
Nesse sentido, dispõe a Súmula 346, do Supremo Tribunal Federal (STF) que: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”.
Segue mesmo rumo a Súmula 473, também da Suprema Corte, quando versa nos seguintes termos:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
(STF Súmula nº 473 - 03/12/1969 - DJ de 10/12/1969, p. 5929; DJ de 11/12/1969, p. 5945; DJ de 12/12/1969, p. 5993.Republicação: DJ de 11/6/1970, p. 2381; DJ de 12/6/1970, p. 2405; DJ de 15/6/1970, p. 2437).
Administração Pública - Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos.
É nesse sentido que já se tem também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STJ):
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.< ADMINISTRATIVO. INCORPORAÇÃO NO SERVIÇO ATIVO DA AERONÁUTICA APÓS A EDIÇÃO DA PORTARIA 1.104/GM3-64. AUSÊNCIA DO DIREITO À ANISTIA. PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TEMPESTIVIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
I - Em razão do poder de autotutela, a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos, quando eivados de vícios que tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade.
II - Agravo regimental improvido.”
(RMS 25596, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI (art. 38, IV, b, do RISTF), Primeira Turma, julgado em 01/04/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-02 PP-00389) (grifei)
Segue e mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – ANULAÇÃO DE LICITAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA APÓS A CONCLUSÃO DAS OBRAS PELO PARTICULAR – AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA – CINCO ANOS – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
1. O princípio da autotutela administrativa aplica-se à Administração Pública, por isso que a possibilidade de revisão de seus atos, seja por vícios de ilegalidade, seja por motivos de conveniência e oportunidade, na forma da Súmula nº 473 do eg. STF, que assim dispõe: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
(...) (grifei)
DA CONCLUSÃO
Considerando todo o anteriormente exposto, deve o Ministério da Saúde, com base no Princípio da Autotutela, revogar imediatamente a NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS e excluir do MANUAL TECNICO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – DIU COM COBRE T Cu 380 A (2018), toda e qualquer orientação para que permita ao profissional de enfermagem realizar a prática de inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU) nos Programas da Saúde da Mulher, por se tratar de normas e diretrizes notoriamente ilegais.
Ainda, deverá se abster de permitir que profissionais da saúde se abstenham de praticar atos que conflitem com o disposto na Lei nº 12.843/2013.