O PL 10.372
Rogério Tadeu Romano
São dignas de registro as últimas alterações no direito penal material por conta do PL 10.372.
O PL 10.372/2018 altera de 30 para 40 anos o tempo máximo de cumprimento de pena. O texto prevê também o aumento da pena de vários crimes. Por exemplo, o homicídio praticado com arma de fogo de uso restrito ou proibido terá pena de 12 a 30 anos de reclusão. Os crimes de calúnia, injúria e difamação nas redes sociais poderão ter a pena máxima multiplicada por três. O uso de armas de uso proibido teve a pena aumentada de 3 a 6 anos de reclusão para 4 a 12 anos de reclusão.
Reiterando uma tendência de outras alterações legislativas, foram criadas novas hipóteses de crimes hediondos. De acordo com o projeto aprovado, serão crimes hediondos, entre outros, o homicídio ou roubo com arma de fogo de uso restrito ou proibido; o roubo com restrição de liberdade da vítima ou que resulte em lesão corporal grave da vítima; a extorsão com restrição de liberdade da vítima ou lesão corporal grave; o furto com uso de explosivo; bem como a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido.
Outro item de enrijecimento da lei é a autorização, nos presídios de segurança máxima, para gravar a conversa entre advogados e detentos. Trata-se de evidente desrespeito ao direito de defesa.
A chamada progressão de regime dependerá do tipo de crime. Hoje, a regra estabelece que que a pessoa tenha cumprido pelo menos 1/6 da pena para mudar de regime (semi-aberto ou aberto).
Para crimes hediondos, a exigência é de 2/5 (40%) da pena se o réu for primário e de 3/5 (60%) se reincidente.
Com as novas regras, o tempo exigido varia de 16%, para o réu primário cujo crime tenha sido sem violência à vítima, a 70%, no caso de o condenado por crime hediondo com morte da vítima ser reincidente nesse tipo de crime. Neste último caso, o condenado não poderá contar com liberdade condicional, mesmo se não for reincidente. A medida agrava o problema da superlotação dos presídios.
Na Câmara, o PL 10.372/2018 foi aprovado por 408 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções. O folgado placar foi possível em razão da retirada do texto de pontos especialmente controvertidos. Contrariando a proposta do governo federal, o Congresso não autorizou a ampliação das hipóteses de excludente de ilicitude aplicáveis aos policiais. Eventual atuação fora da lei das forças de segurança continua sendo passível de punição.
O texto prevê que nenhuma medida cautelar e recebimento de denúncia ou queixa-crime poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator. Correto tal entendimento que já vem na linha de diversos entendimentos.
Estabelece, ainda, que se o acordo de colaboração não for confirmado, o Ministério Público ou a Polícia não poderão usar as informações ou provas apresentadas.
De positivo tem-se que o texto aprovado previu a criação da figura do juiz de garantias, o que pode melhorar a qualidade e a lisura do processo penal. Com a medida, passa a existir um juiz específico para a fase de investigação – o juiz de garantias –, diferente do magistrado que conduz o processo e profere a sentença. Mas, há notícias de que tal dispositivo será vetado pelo presidente da República.
Item do Pacote Anticrime de Moro, a possibilidade de transação penal entre acusação e defesa também foi excluída do projeto. Moro pretendia importar a figura norte-americana do plea bargain, em que o réu é instado a confessar o crime em troca de uma redução de pena. Tendo em vista a experiência não bem-sucedida com outras figuras jurídicas estrangeiras, o Congresso agiu bem ao excluir o assunto de um projeto tão amplo. Também ficou fora do texto a proposta de início da execução da pena antes do trânsito em julgado. Sobre tal já escrevemos em texto anterior pela inconveniência da medida no Brasil.
Segundo o texto aprovado, policiais sob investigação pela morte de alguém sem confronto ou legítima defesa no exercício de suas funções poderão contar com advogado pago pela corporação para defendê-lo em processos extrajudiciais e inquéritos policiais militares.
Isso ocorrerá se o profissional não indicar seu próprio defensor e se não houver defensor público com atribuição para atuar na região do inquérito. Aqui deve-se entender que há evidente inconstitucionalidade se for aplicado ao texto a possibilidade de advogado público assim agir, com recursos do contribuinte. Em tal caso haverá evidente inconstitucionalidade por afronta ao artigo 37 da Constituição Federal.
A regra vale ainda para militares que atuarem em ações de policiamento e combate ao crime para a garantia da lei e da ordem (GLO).
O texto-base considera crime de tráfico de drogas, punível com reclusão de 5 a 15 anos, quando o acusado entrega ou vende a policial disfarçado drogas, insumos, matéria-prima ou produto químico para fabricá-la.
Poderá ser suspensa a contagem da prescrição de pena quando houver recursos pendentes em tribunais superiores. A prescrição ocorre quando termina o prazo para que a Justiça promova a punição contra um acusado de crime. Aqui cabe elogiar o texto.
Pelo PL foi proibida a concessão do benefício de livramento condicional para todos os criminosos de crimes hediondos que resultaram em morte
O texto final aprovado pelo Congresso é bem melhor do que o originalmente proposto pelo governo federal. No entanto, ele ainda tem fortes traços populistas, propugnando soluções fáceis para problemas complexos.
Observe-se, por fim, que as medidas tomadas no campo do direito penal somente poderão atingir casos futuros, uma vez que há aplicação do princípio da irretroatividade da lei que piora a situação do acusado.