A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O RECRUTA: PARTE 2 “GERALDO VANDRÉ”

14/12/2019 às 19:40
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Parte da autobiografia SD MONTENEGRO-1991 - Osasco Quitaúna - 2º GAAAé

Ainda nestes primeiros meses de quartel vinha uma animo de dissabor, de náusea e aflição contra o serviço militar obrigatório que pairava sobre alguns e que deveriam estar pensando na mesma coisa: Se estamos servindo pela constituição, então o que eles podem fazer se não obedecermos ?

É proibido mesmo pelo RDE (Regulamento Disciplinar do Exercito) qualquer castigo corporal, bem como a constituição já tutelava a honra e imagem das pessoas, sorte que o ambiente familiar e de camaradagem, de auxilio e proteção a uma imagem comum prevaleceu;

Com o tempo não só percebi, mas os oficiais davam extremo valor ao Soldado, porque era este simplesmente a engrenagem e a base de tudo, não há mais nada, sem o serviço militar, nem suas funções são perdidas, e o quartel pararia de funcionar, é tudo feito em razão do Soldado e é na formação do recruta que tudo se orienta.

Triste mesmo é quando alguns tomam as dores daqueles que praticaram fatos durante a ditadura, mesmo sem ter vivido nela; Apesar de graduados e oficiais bastantes novos, já no tempo da Constituição de 1988, tinha sempre um que gostava de vestir o papel de outro.

E foi exatamente em função disto que fomos advertidos por um grupo de graduados que invadiu de um quartel a outro, quando cantávamos no vestiário a musica do Vandré “Para Não Dizer Que Não Falei das Flores”;

Após um blá,blá,blá estes acabaram ficando sem graça porque apesar de graduados eram da Infantaria e não Artilheiros, embora tenham anotado o nome de todos. Pois bem, era certo que eles não eram torturadores e nem daquele tempo, e nem nós guerrilheiros ou comunistas mas afinal, o que estávamos fazendo lá ?! Vimos então a manifestação de um choque de forças.

E foi no quartel que aprendi a advogar, aprendi a exercer um papel dentro de um contexto, a não ser dono de uma farda ou fuzil, não ser dono da guarita nem da munição, mas simplesmente emprestar meu corpo à posse de alguma missão;

E esta é uma falha muito comum no funcionalismo ou na justiça por exemplo achar que o cargo é privado e pessoal, e não algo emprestado somente nas horas do oficio: Exatamente assim que eleitos passaram a se apropriar do dinheiro público, e juízes passaram a entender que a justiça lhes pertence, mesmo sem qualquer obediência a legislação;

Era evidente que diante deste quadro caótico, com a corrupção e o valor do lucro político determinando tudo, com pessoas de altas patentes presas por serem mascarados, que a força seria chamada, e esta tendência demonstrada nas ultimas eleições provam que a força veio para ficar, para também desempenhar um papel na sociedade e no estado, e a força não pertence a um ou outro, mas se organiza e se institucionaliza, distribuindo-se em funções, nos EUA a formação de milícias é bem vista e perfeitamente natural, embora eles tenham um sistema de justiça muito mais aperfeiçoado que o nosso: Se um cidadão tem armas potentes, significa em dizer que eles devem ter também alguma capacidade de julgar, com exceção dos loucos e interditos.

Mas alguns meses de aquartelamento se passaram, por vezes eu preferia permanecer no quartel, já que dormia um pouco mais e usava o tempo livre para fofocar junto aos de serviço e da guarda, além de adiantar todo o serviço, a comida não me parecia tão repudiante, além de farta sempre com carne e gratuita costumava a digerir com uma ou outra lata de coca-cola ou guaraná comprada na cantina.

Apesar de tudo, chamado muitas vezes de “laranjeira” por permanecer no quartel, mereci a confiança de alguns oficiais de alta patente,  o Sargento que me perseguia já havia dado baixa, e foi exatamente na sargenteação (escritório do quartel), local aonde aquele exercia chefia que eu fui lotado, ao lado do comandante da bateria e no pavilhão permanecia fazendo registros e ofícios junto ao computador “Microdigital-Apple” que emprestei ao quartel, aonde cumpri a minha jornada até a chegada dos novos recrutas, chamados de “peixe” oras “negativo” ou “positivo” daqueles que seriam perseguidos ou protegidos respectivamente...

 

Sobre o autor
Cassio Montenegro

Bacharel - Universidad Empresarial – Costa Rica. Concursado no V Exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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