A FISCALIZAÇÃO SOBRE OS RECURSOS DESTINADOS AO REAPARELHAMENTO DO MP DO RIO GRANDE DO NORTE

16/12/2019 às 08:06
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O ARTIGO COMENTA RECENTE DECISÃO DO STF NA MATÉRIA.

A FISCALIZAÇÃO SOBRE OS RECURSOS DESTINADOS AO REAPARELHAMENTO DO MP DO RIO GRANDE DO NORTE

Rogério Tadeu Romano

 

No Rio Grande do Norte, a Lei Complementar nº 141/1996 instituiu no âmbito do Ministério Público um fundo especial denominado Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público, cujos recursos se destinam a apoiar, em caráter supletivo, os programas de trabalho, desenvolvidos ou coordenados pelo Ministério Público do Estado.

A Lei do Rio Grande do Norte nº 9419/10 permite aos membros do Ministério Público (MP) do estado fiscalizarem o pagamento de Fundo de Reaparelhamento do próprio MP (FRMP) nos cartórios.

Tem-se daquela lei:

Art. 3º. Constituem receitas do FRMP: I – custas processuais; II – as provenientes de convênios, contratos e acordos celebrados com pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado, interno ou externo; III – as oriundas da prestação de serviços a terceiros; IV – os provenientes das dotações constantes do Orçamento Geral do Estado; V – as contribuições, subvenções e auxílios da União, dos Estados e dos Municípios; VI – sobras de arrecadação provenientes da inscrição em concurso público de ingresso no quadro de pessoal e em provas seletivas de estagiários junto ao Ministério Público, bem como para realização de cursos, simpósios, seminários e congressos promovidos pelo Ministério Público; VII – os recursos provenientes da cobrança efetuada em todos os procedimentos extrajudiciais, todos os serviços notariais e de registro, estabelecidos com os respectivos valores na forma das tabelas do Anexo II desta Lei; VIII – 10% (dez por cento) do valor arrecadado através das multas decorrentes da transação penal referida pela Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995; IX – os recursos advindos do recolhimento prévio indicado no Anexo I desta Lei, decorrentes das ações em que haja atuação do Ministério Público, seja como parte ou como fiscal da lei. X – as provenientes de aluguéis de uso de espaços livres onde funcionem as atividades do Ministério Público; XI – as provenientes da alienação de equipamentos, veículos, material inservível ou dispensável; XII – a remuneração decorrente da aplicação financeira realizada em conta do próprio fundo; XIII – outras rendas que, por sua natureza, possam ser destinadas ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público.

Como se observa do site do STF, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) questionou, no Supremo Tribunal Federal (STF), dispositivos de uma lei do Estado do Rio Grande do Norte que tratam da fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Ministério Público estadual. A entidade ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4714), com pedido de liminar, a fim de suspender a aplicação dos artigos 7º, 8º, 9ª e 10, da Lei estadual 9.419/10, sob alegação de que, nesse caso, a competência fiscalizadora é do Poder Judiciário.

Segundo a ADI, a referida lei dispõe sobre o Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP) e a entidade contesta o Capítulo III, composto pelos artigos 7º, 8º, 9º e 10, que instituem a fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Ministério Público estadual. Conforme os autos, a Lei 9.419/10, do Estado do Rio Grande do Norte, atribui competência ao MP-RN para fiscalizar a atividade notarial e de registro (artigos 7º e 8º), cria procedimento de fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Ministério Público estadual (artigos 7º, 8º e 9º) e, também, cria penalidades a serem apuradas pelo procedimento de fiscalização (artigo 10).

A Anoreg alegou que os dispositivos questionados violam a Constituição Federal e devem ser declarados inconstitucionais, tendo em vista que a Carta (artigo 236, parágrafo 1º) estabelece que a fiscalização das serventias extrajudiciais compete ao Poder Judiciário. “A Constituição, ao determinar que a lei defina a fiscalização dos atos notariais e de registro pelo Poder Judiciário, proibiu, a contrário senso, que qualquer outro poder, ente ou organização realize tal fiscalização”, afirma.

Conforme a entidade, a Lei Federal 8.935/94 (que regulamenta o artigo 236, da CF) reafirma a competência fiscalizadora do Poder Judiciário, sem qualquer menção à fiscalização pelo Ministério Público. Assim, a associação ressalta que “a interferência indevida na competência fiscalizadora do Poder Judiciário, além de violar o expressamente disposto no artigo 236 da CF, também viola a separação dos poderes prevista no artigo 2º, também da CF”, bem como os artigos 128, parágrafo 5º e 129, todos da Constituição Federal.

A Anoreg explica que a competência fiscalizadora do Poder Judiciário, definida pela Constituição, tem sua razão de ser, uma vez que os serviços notariais e de registro “são serviços públicos típicos destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ou seja, são serviços públicos intimamente ligados ao Poder Judiciário”. Portanto, salienta que qualquer forma de compartilhar, ou mesmo, restringir a competência do Poder Judiciário “é grave afronta aos preceitos constitucionais”.

Por fim, a associação esclarece que não pretende ver declarada a inconstitucionalidade da contribuição ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público, também prevista na norma estadual, mas, tão somente, dos artigos referentes à fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Ministério Público. Assim, pedem, em caráter liminar, a suspensão dos dispositivos atacados e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade destes, em definitivo.
 Essas medidas não estão entre as atribuições institucionais do Ministério Público, previstas no artigo 129 da Constituição Federal. Na sua avaliação, a realização de procedimento administrativo fiscal para apuração do recolhimento devido de taxa pelo exercício do poder de polícia não se relaciona diretamente à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis que são afetas ao MP.

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Ainda segundo o site do STF, em 13 de dezembro de 2091, em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional dispositivos da Lei 9.419/2010 do Estado do Rio Grande do Norte, que dispõe sobre o Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP). Os pontos invalidados tratam da fiscalização pelo Ministério Público do recolhimento de recursos provenientes das atividades notariais e de registro para investir no processo de modernização, manutenção e reaparelhamento do órgão.

Em sessão do Plenário Virtual, os ministros acompanharam o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, para julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4714, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), e declarar inconstitucionais os artigos 7º ao 10 da Lei 9.419/2010. Segundo os dispositivos atacados na ação, o procurador-geral de Justiça deveria promover a inspeção do correto recolhimento pelos cartórios dos emolumentos e estabelecia prazo para impugnação do valor do débito apurado durante a inspeção, a inscrição em dívida ativa estadual em caso de inadimplência – cabendo ao procurador-geral adotar as medidas necessárias à sua execução – e a aplicação de penalidades caso o cartório deixasse de recolher os recursos ao fundo.

Segundo a ministra Cármen Lúcia, essas medidas não estão entre as atribuições institucionais do Ministério Público, previstas no artigo 129 da Constituição Federal. Na sua avaliação, a realização de procedimento administrativo fiscal para apuração do recolhimento devido de taxa pelo exercício do poder de polícia não se relaciona diretamente à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis que são afetas ao MP.

 

A ministra Cármen Lúcia concluiu destacando que as atribuições conferidas ao Ministério Público do Rio Grande do Norte pela lei estadual “são típicas das Secretarias de Estado de Fazenda” e não se compatibilizam com a finalidade constitucional daquela instituição.

Com o devido respeito, caberia ao Judiciário, através dos órgãos da Corregedoria Local, tal fiscalização.

Discute-se sobre a natureza jurídica dessa exação.

Seria uma taxa?

No ensinamento de Aliomar Baleeiro(Direito Tributário Brasileiro, 9ª edição), taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem à sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou ato seu, despesa especial dos cofres públicos.
Assim quem paga taxa recebeu serviço ou vantagem: goza da segurança decorrente de ter o serviço à sua disposição, ou, enfim, provocou uma despesa do poder público.
Assim é característico na taxa a especialidade do serviço.
Conclui ainda Aliomar Baleeiro que a taxa é sempre uma técnica fiscal de repartição de despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo restrito de pessoas que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o tem a seu dispor.
Vem a pergunta: É possível a cobrança de taxa(espécie de tributo) com relação a serviços potencialmente oferecidos?
Para Hector Villegas “esta atividade deve ser efetivamente prestada e não pode ser meramente potencial...”
Ora, a ilação que se teria é o que o pressuposto da taxa é relacionado com serviços inerentes à soberania estatal, em regime de exclusividade, não havendo possibilidade, consequentemente, de o sujeito passivo da obrigação tributária vincular-se com o serviço público senão usando-o.
Nessa linha de pensar, tem-se a lição de Dino Jarach, analisando o Modelo de Código Tributário para a América Latina, quando considerou inaceitável que a taxa se possa justificar por um serviço individualizado, porém, meramente potencial, acrescentando, ainda, que municípios da Argentina se apoiam neste argumento para justificar taxas arrecadadas por serviços não prestados.
Lembre-se que o Código Tributário Nacional exige expressamente que as taxas somente serão devidas quando o serviço público, de utilização compulsória, estiver potencialmente à disposição do contribuinte mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.
Aurélio Pitanga Seixas Filho(Taxa, doutrina, prática e jurisprudência, 1990, pág. 26) entendeu que “como é imprescindível, para a validade da taxa, que o serviço público compulsoriamente “prestado” ao contribuinte seja específico e mensurável, não me parece que a frequência com o serviço público compulsório fique, validamente, à disposição do usuário sem ser utilizado seja tão significa assim para merecer esta excepcionalidade, participar da definição da taxa, que seria o seguinte: “o tributo cujo fato gerador é uma prestação de serviço público, específico e divisível, usado compulsoriamente ou com exclusividade pelo contribuinte”.
Na matéria de taxa, ainda Aurélio Pitanga Seixas Filho(obra citada) conclui: a taxa se caracteriza por ser o seu fato gerador uma prestação de serviço público, especifico e divisível, usado compulsória e exclusivamente pelo contribuinte; quando o serviço prestado pelo Estado for utilizado voluntariamente, o seu regime jurídico não precisará ser o tributário, pois se trataria de preço público; o serviço público específico e divisível usado compulsória ou exclusivamente pelo contribuinte de uma taxa não é compatível com prestação potencial de serviço público, específico e divisível, colocado à disposição do usuário; para não se confundir com um imposto, a base de cálculo da taxa só pode levar em consideração o serviço prestado; a alíquota da taxa pode variar de acordo com a qualidade do serviço que é exigida pela atividade do contribuinte; a capacidade econômica do usuário do serviço público pode ser considerada para dimensionar a alíquota da taxa.
Fala-se ainda na taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia.
A esse respeito, Aliomar Baleeiro(obra citada, pág. 316) dizia que as taxas fundadas no “exercício regular do poder de polícia” devem ser entendidas em primeiro lugar, aquelas com finalidade extrafiscal, como a de impedir ou restringir atividades que ameacem o interesse da comunidade. Em segundo lugar, as taxas para custear serviços com essa finalidade.
De toda sorte, calcadas ou não no poder de polícia, taxas se devem revestir sempre do caráter de contraprestação inerente a essa espécie de tributos.

Ora, as receitas que servem para o aparelhamento do Parquet devem ser objeto, primordialmente,  de impostos ou outras receitas indicadas em lei.  

O imposto é uma prestação pecuniária para as pessoas, exigido pela autoridade devida, de modo permanente e sem remuneração por tal, para cobrir uma função pública necessária. Ao contrário da taxa, é um tributo não vinculado: é devido pelo contribuinte independentemente de qualquer contraprestação por parte do Estado.

Veja-se, especificamente, o artigo 3ª, item VII, daquela lei estadual: VII – os recursos provenientes da cobrança efetuada em todos os procedimentos extrajudiciais, todos os serviços notariais e de registro, estabelecidos com os respectivos valores na forma das tabelas do Anexo II desta Lei.

Trata-se de taxa, algo que não se alberga na categoria de imposto, algo que diz respeito a serviços inerentes ao Judiciário ou sua fiscalização do Judiciário.

No entanto, obedecido o princípio da congruência, observa-se que a requerente não pretende ver declarada a inconstitucionalidade da contribuição ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público, também prevista na norma estadual, mas, tão somente, dos artigos referentes à fiscalização dos serviços notariais e de registro pelo Ministério Público.

Em sendo assim tem-se que o julgamento apenas reconheceu que não cabia ao Ministério Público do Estado a fiscalização sobre a cobrança desses recursos junto aos Cartórios do Estado do Rio Grande do Norte.

 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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