A (IM) POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA PELO JUÍZO FALIMENTAR E A (IN) APLICABILIDADE DO ARTIGO 99, INCISO VII, DA LEI 11.101/2005

18/12/2019 às 15:00
Leia nesta página:

O presente artigo trata-se de uma análise doutrinaria e jurisprudencial sobre a aplicação ou não da lei processual penal nos crimes falimentares.

 

 

Introdução

 

O ordenamento jurídico pátrio vive em constante evolução, pois, há necessidade deste adequar-se as novas necessidades da sociedade ou mesmo torna o sistema jurídico mais eficiente, para que isso aconteça, é necessário a criação de novas leis ou uma nova interpretação das existentes. Neste contexto, foi promulgada a lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Falências, que traz em seu bojo, matéria de natureza processual penal, sendo o seu artigo 99, inciso VII, o objeto de analise deste trabalho, pois, ele prevê a possibilidade da decretação de prisão preventiva, em face do falido e de seus administradores.

 

Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei; (BRASIL, 2005, grifo nosso)

 

O motivo da analise é a controvérsia doutrinária, pois alguns entendem que tal dispositivo contraria o princípio da dignidade humana, previsto no Artigo 5º da CF/88, bem como, tratados internacionais de Direitos Humanos, em especial o Pacto de São José da Costa Rica o qual proíbe a prisão civil por dívida. Contudo, os doutrinadores que defendem tal medida, se baseiam que a decretação da prisão preventiva não teria a finalidade de coagir o devedor a pagar, mas sim, coibir o cometimento dos crimes previstos na referida lei, só sendo possível a decretação da medida cautelar se presente os requisitos necessários.  

Deste modo, serão apresentados apontamentos dos diversos pontos relevantes acerca da Lei 11.101/2005, na busca por posições dos operadores do direito há cerca da (in) constitucionalidade do Art. 99, inciso VII da aludida Lei. Tendo como base os Tratados internacionais de Direitos Humanos, ratificados pelo Brasil, a Constituição Federal, os códigos específicos, as jurisprudências e as doutrinas.

 

Método

 

A metodologia utilizada neste trabalho foi baseada em uma revisão bibliográfica de cunho qualitativo, por meio de uma análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura, como doutrinas e jurisprudências, além de artigos divulgados no meio eletrônico atinente à temática abordada.

 

Resultados e Discussão

 

O direito falimentar ocupa espaço notório nas relações de credor e devedor, visto que atinge diretamente o direito patrimonial deste para que consequentemente arque com o ônus de seu inadimplemento em face de seus credores.

De acordo com Rossignoli (2016), o processo de falência tem como objetivos realizar o concurso de credores, fazendo com que todos fiquem em igual situação; sanear o fulcro empresarial, evitando que uma sociedade falida cause prejuízos aos credores do meio social e finalizando tem o foco em proteger não somente o crédito individual de cada credor do devedor, mas o crédito público, e assim, auxiliar e possibilitar o desenvolvimento e a proteção da economia nacional.

            É muito comum que, às vésperas da quebra, o devedor, pessoalmente ou em coautoria, execute ações ilegais no intuito de minimizar os efeitos financeiros da falência.

Neste mister, a Lei 11.101/05 admite a possibilidade de se observar condutas tipificadas como crime, previstas entre os Artigos 168 a 178 da referida lei. Em tais situações, o diploma legal em riste autoriza a possibilidade de se decretar a prisão preventiva do falido e dos demais legalmente envolvidos na eventual cadeia de crime.

O inciso VII do art. 99 da Lei 11.101/05 confere ao juízo que decreta a falência um poder geral de cautela que lhe permite: (i) tomar medidas que salvaguardem os interesses das partes; (ii) decretar a prisão preventiva do empresário individual falido ou dos administradores da sociedade empresária falida; e (iii) autorizar a continuação provisória das atividades do devedor.

 

Quanto à possibilidade de decretação de prisão preventiva pelo juízo falimentar, é preciso fazer algumas observações. Em primeiro lugar, resta claro que a prisão só poderá ser decretada, segundo a lei, se a falência tiver sido requerida com base em provas da prática de crime falimentar, os quais estão previstos na própria LRE (arts. 168 a 178). Além disso, deverão estar presentes os pressupostos que autorizam a prisão preventiva, constantes dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal. (RAMOS, 2017, p. 772).

 

Concordando com a possibilidade de decretação da prisão preventiva pelo juízo falimentar, Tomazette (2017) destaca que com a decretação da falência, poderá haver provas suficientes da prática de crimes falimentares pelo devedor falido, ou pelos administradores da sociedade falida, com isso, na própria sentença que decreta a falência, determine a prisão preventiva dos autores dos referidos crimes, naturalmente, desde que presentes os requisitos atinentes de tal modalidade de prisão, conforme disposição legal prevista no Código de Processo Penal.

Segundo Ramos (2017, p.772), essa possibilidade de o juízo da falência decretar prisão preventiva do devedor já existia na legislação falimentar anterior (art. 14, parágrafo único, VI, do DL 7.661/1945), e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a considerava constitucional. Nesse sentido:

 

Constitucional, processual penal e comercial. Recurso de habeas corpus. Falência. Prisão cautelar decretada no bojo da sentença da quebra. Possibilidade. Não violação do inciso LXI do art. 5.º da Constituição. Desnecessidade de aguardar inquéritos. Recurso improvido. I – O recorrente, sócio-gerente da falida, teve sua prisão cautelar decretada no bojo da sentença que declarou a quebra da falida. A prisão cautelar é instituto do direito processual e não do direito penal. Por outro lado, a sentença, por ser proferida por juiz cível (falências), não maltrata o inciso LXI do art. 5.º da Constituição, uma vez que decretada por autoridade judicial. II – Recurso ordinário improvido (STJ, 6.ª Turma, RHC 1.756/PR, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 08.03.1993).

 

Em sentido contrário, Rodrigues (2013), disserta que o art. 99, inc. VII, da Lei de Falências, é inconstitucional, especificamente no que tange à possibilidade de o juízo falimentar determinar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores. Ele ainda acrescenta que o direito brasileiro não mais abrange prisão por dividas, exceto na inadimplência voluntária e inescusável de obrigação alimentícia, conforme disciplinado no artigo 7º, parágrafo 7º, do Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992 e conforme entendimento do STF nos Recursos Extraordinários nº 349.703 e 466.343 e no Habeas Corpus nº 87.585. Além disso, a lei 11.101/05, não traz em seu contexto nenhum dos fundamentos exigidos para a prisão cautelar, ou seja, os requisitos da cautelaridade constantes nos art.311, 312 e 313 do Código de Processo Penal.

 

Por certo, o art. 99, inc. VII, da lei nº 11.101/05, sequer tangencia a necessária existência dos fundamentos ensejadores da decretação da prisão preventiva, quais sejam, garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Desse modo, resta claro que o único intento daquela segregação prevista na lei falimentar seria salvaguardar os interesses dos credores, o que não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio. (RODRIGUES, 2013, p. 3).

 

No mesmo sentido quanto a impossibilidade de decretação da prisão preventiva pelo juizo falimentar à luz da Lei 11.101/05, Ponte e Soares (2015),  destacam que apesar da constituição da República Federativa do Brasil, em seu Artigo 5º, Inciso LXVII preceituar que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel, tais preceitos não podem mais ser considerados,  pois o Estado brasileiro, visando a otimização do direito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, ratificou o Pacto de São José da Costa Rica. E com o advento da Emenda Constitucional de nº 45/2005, que elevou os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ao status de Emenda Constitucional. Assim fixou-se o entendimento de que o tratado, por questões de hierarquia, revogou o dispositivo legal da prisão civil do depositário infiel.

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Fica claro que a ordem de prisão preventiva decretada pelo juízo falimentar caracteriza-se como uma coação, prevista pela Lei Falimentar, no sentido de forçar de forma esdrúxula o devedor insolvente a saldar sua dívida diante de seu credor, portanto, evidencia-se que o  art. 99, inc. VII, da lei de Falências, é preceito flagrantemente inconstitucional por infringir a dignidade da pessoa humana, dado ao fato de que a liberdade é um direito fundamental, e o ordenamento jurídico do Brasil não admite prisão por dívida, salvo pelas dívidas de cunho alimentar. Outrossim, as demais legislações apresentam um arcabouço de mandamentos legais que oferecem segurança para que o direito brasileiro venha forçar de forma digna o devedor a pagar suas dívidas PONTE e SOARES, 2015, p. 17).

Considerações finais

 

Esse trabalho não tinha a intenção de exaurir o assunto em tela, mas, busca instigar o leitor a considerar os aspectos legais que envolvem o inciso VII do artigo 99 da lei 11.101/05, na busca por apresentar o máximo de informações legais e interpretações variadas, com a finalidade que subsidiá-lo a construir um juízo de valor a cerca do assunto ou direcionar quanto a possíveis literaturas que poderiam ser pesquisadas.  

 

Palavras-chave

 

Falimentar. Prisão. Preventiva. Falência.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da Republica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em: 22 out. 2019.

 

Pacto de San José da Costa Rica sobre direitos humanos. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 23 out.  2019.

 

PONTE, Vitória Arruda Linhares; SOARES José Erasmo Ramos.  A possibilidade de prisão preventiva decretada em face de crimes falimentares e a inconstitucionalidade do artigo 99, VII, da Lei nº11.101/2005. Jus.com.br. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39133/a-possibilidade-de-prisao-preventiva-decretada-em-face-de-crimes-falimentares-e-a-inconstitucionalidade-do-artigo-99-vii-da-lei-n-11-101-2005. Acesso em: 23 de out. 2019.

 

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 7.ed. São Paulo: Método, 2017.

 

RODRIGUES, Cristiano Alves. A inconstitucionalidade da possibilidade de decretação de prisão preventiva pelo juízo falimentar e a inaplicabilidade prática do artigo 99, inciso VII, da Lei 11.101/2005. Conteúdo Jurídico, 2013. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36260/a-inconstitucionalidade-da-possibilidade-de-decretacao-de-prisao-preventiva-pelo-juizo-falimentar-e-a inaplicabilidade -pratica-do-artigo-99-inciso-vii-da-lei-no-11-101-2005. Acesso em: 23 out. 2019.

 

ROSSIGNOLI, Estefânia. Direito Empresarial. 5. ed. Salvador: Juspovidivm, 2016.

 

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Falência e Recuperação de Empresas 3. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Estudantes do 7º período de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE

[2] Professora do curso de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE

Sobre o autor
Frederico Willian da Cruz

Funcionário Público Estadual do Estado de Minas Gerais, Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Docência do Ensino Superior, Ensino Multimídia.

Informações sobre o texto

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