DOS CRIMES CONTRA AS PESSOAS DEFICIENTES SOB A ÓTICA DA LEI 13.146/2015

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O presente trabalho procura demonstrar a análise das condutas tipificadas como crimes contra a pessoa com deficiência, sob a ótica da Lei 13.146/2015.

DOS CRIMES CONTRA AS PESSOAS DEFICIENTES SOB A ÓTICA DA LEI 13.146/2015

INTRODUÇÃO

A pessoa deficiente tem um conjunto de disposItivos normativos que servem de carapaça protetiva contra aqueles que tentam desreSpeitar direitos mínimos assegurados tanto pela Constituição Federal quanto pelos diversos tratados de direitos humanos do qual o Brasil ratifica o compromisso de honrar o respeito à diginidade da pessoa com deficiência, inserido no unimerso mais abrangente dos direitos humanos. Dentro desse conjunto de regras protetivas temos a Lei 13.146/2015, a qual será objeto de nossa análise, especialmente nos dispositivos que tratam dos crimes contra a pessoa com deficiência.

          O artigo 88 da Lei 13.146/2015 tipifica como crime a conduta: “ Art. 88  Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência.” A sanção para quem comete referido ilícito penal é a pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

         A pessoa deficiente requer um olhar e uma assistência afetiva peculiar à sua condição. Gestos que por vezes não causam a mínima pertubação a uma pessoa pode ter dimensões catastróficas quando direcionadas à pessoa portadora de deficiência. Considerando essa peculiaridade, o legislador categorizou como crime no artigo 88 da Lei 13.146/2015 a prática de discriminação contra a pessoa deficiente, impondo uma pena de reclusão de 1 ( um ) a 3 ( três ) anos.

 

         A discriminação, por si só, já é um ato covarde, mesquinho e quando tem como vítima a pessoa com deficiência, o senso condenatório da sociedade se amplifica. O avanço das leis de proteção à pessoa portadora de deficiência tenta afastar este tipo de comportamento repugnante. Exemplificando, quando um funcionário proíbe a entrada de uma pessoa deficiente na sala de cinema em razão de sua deficiência, pratica a conduta tipificada no art. 88 da Lei 11.346/2015.

 

          O legislador, por sua vez, conferiu tipicidade não somente ao sujeito que pratica o ato de discriminação, mas também aquele que induz ou incita referido ato. Segundo Damásio de Jesus induzir é incitar, incutir, mover, levar. No induzimento, o sujeito faz penetrar na mente da vítima a idéia de autodestruição. [1].

 

          O mesmo autor define a instigação como o ato de reforçar a idéia delitiva já existente no estado anímico do criminoso. [2].

 

          Observe-se que o ato de incutir ou incitar tem o mesmo efeito bombástico para a vítima, pois apenas aquele que disparará o “start” criminoso será diferente, mas o sujeito que agiu por “trás” induzindo, incitando é tão ou mais perigoso, razão pela qual mereceu a reprimenda legal por parte do legislador.

 

          Observe-se que as vítimas do referido crime já internalizam uma batalha interna de aceitação por parte da sociedade e atitudes de discrimação tendem a colocar essas pessoas num universo ainda maior de isolamento.

 

          Há uma agravante prevista no § 1º do art. 88 a supracitada Lei.

“ Art. 88

§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 ( um terço ) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente”

 

          Quando a pessoa deficiente está sob o cuidado e responsabiliade de determinada pessoa, a sociedade chancela a confiança de que a referida pessoa será protetora da pessoa portadora de deficiência contra qualquer ato que ofenda seus direitos fundamentais, principalmente tendo como norte o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da vida. Acrescido à responsabilidade que o Estado lhe confere, ainda existe o fator de afetividade e confiança que a pessoa portadora de deficiência deposita naquele que tem o encargo de protegê-la. Então quando este que deveria proteger começa a praticar o ato de discriminação, a vítima perde seu alicerce psicológico, fica abalada, seu grau de desespero acelera e será necessário fazer um trabalho psicosocial para que a mesma fique sob os cuidados de outro responsável, sem ficar inerte no trauma da relação anterior, razão pela qual o legislador erigiu a situação agravante prevista no § 1º  da Lei 13.146/2015.

        Caso o crime seja cometido com a utilização de meios de comunicação social  ou publicação de qualquer natureza, a sanção penal aumenta para o intervalo de 2 ( dois ) a 5 ( cinco ) anos e multa, conforme artigo transcrito abaixo:

 

“ Art. 88

 

§ 2º  Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:

Pena – reclusão, de 2 ( dois ) a 5 ( cinco ) anos e multa.”

 

       Hoje com a proliferação dos meios de comunicação e a explosão do uso das redes sociais e aplicativos de mensagens, é facilmente difundido e movimentado qualquer acervo de informações inseridas na rede mundial de computadores e, infelizmente, a prática dos crimes virtuais de discriminação não são uma realidade inexistente. O criminoso pratica o crime crendo que está protegido por um falso anonimato, esquecendo porém que o trabalho de inteligência da polícia consegue rastrear e identificar a origem criminosa dos delitos virtuais.

 

     Qualquer meio que o criminoso se utilize para propagar sua sanha discriminatória será apenado com maior rigor.

 

    Vale frisar que o Juiz poderá determinar, após manifestação do Ministério Público, o recolhimento e a busca e apreensão do material discriminatório e a interdição das mensagens e páginas da internet, conforme orientação do § 3º, I e II da referida Lei.

 

“ Art. 88.

§ 3º. Na hipotese do parágrafo 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste,  ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I – o recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;

II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.”

 

     Após o trânsito em julgado da decisão condenatório, o material apreendido será destruído, conforme a regra do art. 88, § 4º da Lei 13.146/2015.

    

     No artigo 89  da Lei 13.146/2015, o legislador penaliza aquele criminoso que investe sua ambição contra o patrimônio da pessoa portadora de deficiência. O patrimônio da pessoa portadora de deficiência é de titularidade da mesma e aquele que desfalca ou se apropria de parcela ou integralidade desse patrimônio está praticando o crime tipificado no supracitado artigo. Vale frisar que não só os bens são protegidos, mas proventos, pensões, benefícios, remuneração ou qualquer tipo de renda. Exemplo: O portador de deficiência tem uma vila de casas, auferindo alugueres. Se alguém se apropria dos valores desses alugueres estará praticando crime. Igualmente, vamos imaginar que o deficiente receba auxílio acidente pago pelo Órgão previdenciário e alguém se apropria do referido valor estará cometendo o crime. O parágrafo único do referido artigo em seus incisos I e II prevê um aumento de pena quando o sujeito ativo do crime for quaisquer das pessoas elencadas nos referidos incisos. Imagine, um inventário com um acervo de bens, cujo herdeiro seja uma pessoa deficiente e o inventariante do referido processo se aproprie dos bens. O referido criminoso terá sua pena agravada. Imagine-se outra situaçao, na qual o advogado constituído para patrocinar a causa de danos morais do deficiente em face de uma grande empresa  fique com o dinheiro proveniente da indenização ganha em juízo.  O advogado se enquadraria na hipótese prevista no inciso II do art. 89.

 

“Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência.

Pena – reclusão, de 1 ( um ) a 4 ( quatro ) anos e multa.

Parágráfo único. Aumenta-se a pena em 1/3 ( um terço ) se o crime é cometido:

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I – tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro, ou depositário judicial;

II – por aquele que se apropriou por ofício ou profissão.”

 

O legislador também não deixou sem punição a atitude covarde daquele que abandona a pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, abrigos e de igual sorte quem não arca com as responsabilidades legais de suprir as necessidades básicas da pessoa com deficiência. Exemplo: Um pai que não arcar com os alimentos da pessoa com deficiência. Por mandamento legal, tem responsabilidades paternas e considerando a especial condição da pessoa portadora de deficiência, sua inércia em prover a manutenção da sobrevivência é tipificada como crime na forma do artigo 90 da Lei 13.146/2015

“ Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres:

Pena – reclusão de 6 ( seis ) meses a 3 ( três ) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigada por lei ou mandado.”

 

     Também tentando frear a ambição de determinados criminosos o legislador sancionou o ato de quem aufere vantagem indevida para si ou para outrem utilizando cartão magnético ou qualquer meio eletrônico para recebimento de valores a que a pessoa portadora de deficiência tem direito.

“ Art. 91. Reter ou utilizar  cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:

Pena – detenção, de 6 ( seis ) meses a 2 ( dois ) anos, e multa.

Parágrafo único – Aumenta-se a pena em 1/3 ( um terço ) se o crime é cometido por tutor ou curador.”

 CONCLUSÃO

 

          A proteção à pessoa portadora de deficência está sob o holofote legal e social. Há uma lei muito sensível às necessidades de inserção social, proteção patrimonial e um campo normativo punitivo para aqueles que praticam crimes contra vítimas portadoras de deficiência.

     Vale destacar que os mais diversos órgãos de defesa das pessoas portadoras de deficiência, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, contém núcleos de defesa específica para referidas pessoas,  o que fortalece a luta dos direitos de que são titulares e a punição dos crimes em que são vítimas.

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[1] JESUS, DAMÁSIO in Curso de Direito Penal, vol 2, pg. 83.

[2] JESUS, DAMÁSIO in Curso de Direito Penal, vol 2, pg. 83:” Há instigação quando a vítima já pensava em suicidar-se e esta idéia é acoroçoada pelo autor. A diferença está em que no induzimento a vítima nunca havia pensado em suicídio, enquanto na instigação, a intenção suicida preexistia.

Referências:

Constituição Federal Brasileira;

Lei n. 13.146/2015;

JESUS, DAMÁSIO in Curso de Direito Penal, vol 2, 439 fls. 5ª edição, Editora Saraiva;

SANTOS, MARISA FERREIRA DOS SANTOS in Direito Previdenciário, 4ª edição, Editora Saraiva;

HORVATH JÚNIOR, MIGUEL in Direito Previdenciário, 2ª edição, Editora Quartier Latin

 

Sobre o autor
Marcílio Marcelo Leão Santos

Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará;Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UNINTER Ministrante de Cursos de Direito Penal e Processo Penal no Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará - IESP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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