O PROMOTOR AD HOC DE SANTA CATARINA

Fantasmas da idade média reaparecem no século XXI

19/12/2019 às 23:27
Leia nesta página:

Não existe mais no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de o Juiz, na ausência do representante do Ministério Público, nomear promotor ad hoc para qualquer ato do processo.

O PROMOTOR AD HOC DE SANTA CATARINA

Fantasmas da idade média reaparecem no século XXI

1-INTRODUÇÃO

Não pode haver nenhuma pena sem juízo; destarte, não é possível em nenhum caso a aplicação da sanção penal sem o processo. O Direito Processual concebe a atuação da vontade da lei, mediante o organismo encarregado de operar o processo, como instrumento a serviço da Justiça. Portanto, a intervenção estatal é necessária, não podendo existir, como regra geral,  juízes leigos e como regra absoluta promotores ad hoc.

2-A VEDAÇÃO DO PROMOTOR AD HOC

Não existe mais no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de o Juiz, na ausência do representante do Ministério Público, nomear promotor ad hoc para qualquer ato do processo, vide CF/1988, art. 129, § 2o, in verbis:

"As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição”.

Dizia o Ministro Cernicchiaro:

“O promotor ou o procurador não pode ser designado sem obediência ao critério legal, a fim de garantir julgamento imparcial, isento. Veda-se, assim, designação de promotor ou procurador ad. Hoc, no sentido de fixar previa orientação, como seria odioso indicação singular de magistrado para processar e julgar alguém. Importante, fundamental e prefixar o critério de designação. O réu tem direito público, subjetivo de conhecer o órgão do ministério público, como ocorre com o juízo natural[1]”.

3-UMA NEFASTA CURIOSIDADE

Atualizando meu livro “Tratado Doutrinário de Processo Penal”, edição 2020, fiz uma inusitada pesquisa na internet:

“Em qual período da idade média foi criado a figura do promotor ad hoc”?

A surpresa foi grande.

Não foi em nenhum período da idade média. Descobri que no século XX (em Minas Gerias)  e XXI (em Santa Catariana) houve a inusitada tentativa de ressuscitar o promotor ad hoc.

Você não agredida? Então  leia o “Provimento nº 06/2000. TJSC: Nomeação Excepcional de Promotor de Justiça ad hoc”.

O Desembargador ........., Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, no uso de suas atribuições e,

CONSIDERANDO que nas Comarcas de Catanduvas, Itapema, Porto Belo e Rio do Oeste, criadas pela Lei Complementar nº 181, de 21 de setembro de 1999 e já instaladas, não houve designação de Promotor de Justiça;

CONSIDERANDO que inúmeras tentativas foram feitas no sentido de obter-se solução ao impasse junto à Procuradoria-Geral de Justiça, sem qualquer êxito (cfe. Ofício 99191/PGJ);

CONSIDERANDO que a situação atual está insustentável, gerando diversos inconvenientes às partes e à população das comarcas atingidas em face de paralisação do trâmite de procedimento de habilitação para casamento, de processos de réus presos e outros tantos, de natureza também urgente, que exigem a intervenção do Ministério Público, acarretando, inclusive, a concessão de habeas corpus, por excesso de prazo na formação da culpa (v.g. HC 00001106-1 e 00000929-6), além de obstaculizar-se o bom andamento da Justiça;

CONSIDERANDO que presos perigosos têm sido liberados por falta de oferecimento de denúncia, gerando intranquilidade na população;

CONSIDERANDO que, embora a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e a Constituição da Republica Federativa do Brasil estabeleçam regras de que as funções do Ministério Público são privativas dos integrantes da carreira, existem precedentes que autorizam ter-se como válidos, em casos excepcionais, os atos praticados por Promotor de Justiça ad hoc, dado que ninguém pode obstaculizar o funcionamento do Poder Judiciário, cerceando o exercício de sua normal função constitucional (HC nº 1669-4 GO, Rel. Min. PEDRO ACIOLI, Sexta Turma, Maioria, DJ 14/06/93 e Resp nº 2.123 ES Reg. Nº 90.0001094-2, Rel. Min. Costa Leite, Sexta Turma, Unânime DJ 10-09-90;

RESOLVE:

Orientar os Senhores Magistrados das Comarcas acima mencionadas que, em processos e procedimentos que estejam a reclamar urgência, nomeiem Promotor de Justiça ad hoc, bacharel em direito, preferencialmente Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, até que seja regularizada a situação excepcional.

4-VIOLAÇÃO FRONTAL A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

No dia 27/09/2019, você não leu errado estamos no século XXI,  o plenário do STF julgou a ação direta de inconstitucionalidade nº 2.958, Santa Catarina. Relator : Min. Gilmar Mendes. Reqte.(s) : Procurador-Geral da República. Intdo.(a/s) : Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina.

“Ação direta de inconstitucionalidade. Provimento 6/2000 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina. 2. Faculdade de nomeação, pelo juiz da comarca, de bacharel em direito alheio aos quadros do Ministério Público, para funcionar como órgão acusatório penal. Impossibilidade. 3. Ofende o princípio do promotor natural e a exclusividade da promoção da ação penal pública pelo Ministério Público a designação de particular como promotor ad hoc. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, confirmando os termos da medida cautelar anteriormente deferida pelo Plenário”.


          No dia 28 de agosto de 2003, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2874/MPMG e, neste julgamento, o  Ministro Marco Aurélio destacava:

“Custei a imaginar que a referência à nomeação de promotor ad hoc pudesse alcançar, como realmente alcança, a atuação em defesa da sociedade, em nome do Ministério Público estadual de pessoa estranha ao quadro deste último. Mas é exatamente esse o objetivo da norma, conforme depreende-se das situações previstas para chegar-se à nomeação e também das informações apresentadas. Problemas relacionados à ausência dos promotores de Justiça aos atos processuais nas comarcas do estado não autorizam a Corregedoria Geral de Justiça a substituir-se quer ao Legislativo na criação dos cargos,  quer ao Ministério Publico na feitura dos concursos”.

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Tempos difíceis em que até o óbvio tem que ir para o STF.

“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?” (Bertolt Brecht).

Fernando Pessoa dizia que:

“Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão”.

E qual a razão para que tenhamos que nos preocupar com a defesa do óbvio?

Em reflexão o Ministério Público Brasileiro!!!!!

Em estado de vigilância plena o defensor do regime democrático!!!!!

POIS, SE ATÉ O ÓBVIO TEMOS QUE DEFENDER, TODO DIA É DIA DE LUTA!!!

 

 

 

 


[1]  (RESP 11722/SP, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, 08/09/1992)

Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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