NEXO CAUSAL NOS CRIMES ECONÔMICOS DE PERIGO ABSTRATO

23/12/2019 às 21:50
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Sabe-se a muito que as condutas englobadas pela subdivisão doutrinária que convencionou-se chamar de “direito penal econômico” guardam especial complexidade em comparação com as demais condutas do “direito penal comum”...

Sabe-se a muito que as condutas englobadas pela subdivisão doutrinária que convencionou-se chamar de “direito penal econômico” guardam especial complexidade em comparação com as demais condutas do “direito penal comum”, as quais superam as diversidades referentes ao impacto social resultante.

Desta forma, compreende-se que as condutas do direito penal econômico não só retratam maior afetação social – e não nos referimos aqui a “comoção social -, mas também trazem em seu âmbito prático a dificuldade de aplicação dogmática de institutos penais já existentes e a muito aplicados na repressão e punição das condutas da “criminalidade de sangue”.

Queremos dizer: os delitos econômicos - atualmente em destaque perante a sociedade, fator que culminou para alavancar os necessários debates acadêmicos em torno destes – possuem diferenciado relevo criminológico, fato este resultante não dos bens jurídicos tutelados, que muito se diferem, mas pela própria natureza das condutas tipificadas, as quais, no mais das vezes, atravancam a aplicação de institutos rotineiramente aplicados.

Para melhor elucidar a provocação proposta, invocamos uma breve síntese acerca das relações de casualidade como pressupostos de punibilidade da infração penal.

Sabendo-se que o Código Penal Brasileiro prevê crimes de “mera conduta”, entendidos estes como crimes sem resultado, consumando-se apenas com a conduta do agente, ainda que não vise um resultado futuro específico, apresenta-se razoável a conclusão de que, para punir este agente não se faz necessário exigir um nexo de causalidade, isto é, uma relação de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado gerado, visto que a conduta atribuída não pretende um resultado previamente ajustado em sua cognição.

Pelas razões apresentadas, o crime de prevaricação, Art. 319/CP, é classificado como crime de mera conduta, vez que o tipo penal exposto não prevê um resultado para sua consumação, necessitando apenas da conduta do agente.

Noutro lado, apresentam-se crimes que trazem em sua descrição típica o resultado esperado da conduta do agente, entendido este como consequência cognitivamente prevista e esperada do ato ilícito praticado, de forma que o crime só se consuma se estiver presente a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado pretendido. Cita-se o crime de homicídio, Art. 121/CP, no qual sem o resultado previsto – matar alguém – não se consuma o delito, havendo punição apenas na forma tentada.

Desta forma, no contexto fático em que concorrem plúrimas causas e efeitos, não se podendo determinar ab initio qual a causa responsável pelo resultado criminoso, impõe a doutrina que a solução adequada é eliminar mentalmente a causa mais próxima, com a finalidade de verificar a cessação do efeito.

Sendo assim, caso a eliminação de determinada causa gere, por via de consequência, a eliminação do efeito/resultado, atribui-se a esta causa a conduta criminosa, punindo o agente responsável com base no exercício mental proposto, o que se denominou juízo hipotético de eliminação.

Superados os introitos pretendidos, trazemos o supedâneo normativo da explanação pretérita, exposto no Art. 13 do Código Penal:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Da análise do dispositivo retro colacionado extraímos que não só a ação que tenha dado causa ao resultado objetivamente verificado será objeto de tutela penal, mas também a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Neste contexto, prevê o §2º do dispositivo que:

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Conforme brilhante cátedra de Cezar Roberto Bitencourt (2010, pag.278):

“Tipifica-se o crime omissivo quando o agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é juridicamente ordenado. Portanto, o crime omissivo consiste sempre na omissão de uma determinada ação que o sujeito tinha obrigação de realizar e que podia fazê-lo. O crime omissivo divide-se em omissivo próprio e omissivo impróprio. Os primeiros são crimes de mera conduta, como, por exemplo, a omissão de socorro, aos quais não se atribui resultado algum, enquanto os segundos, os omissivos impróprios, são crimes de resultado (...)”

A complexidade alhures mencionada relaciona-se com o tema aqui amadurecido a partir da hipótese de punição do agente incurso num tipo penal de perigo abstrato e, portanto, sem resultado, a título omissivo impróprio, como o gestor de uma grande empreiteira ou multinacional.

A relevância da indagação apresentada, a qual impossibilita maiores aprofundamentos no presente trabalho, é palpável no momento político nacional, em que se deflagram operações que visam punir agentes pela prática de crimes de perigo abstrato, utilizando uma espécie de responsabilidade omissiva para tanto.

Com maior concretude, citamos o delito de lavagem de capitais, considerado crime de perigo abstrato por acumulação (LAUFER) – visto que não chega a lesar de forma direta e concreta o bem jurídico tutelado -, notando uma acentuada utilização da omissão imprópria para punir agentes que detém posições de elevado status societário por condutas praticadas por indivíduos demasiadamente distantes de si na estrutura empresarial.

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Nota-se que tal malabarismo ministerial é utilizado como instrumento para superar as dificuldades probatórias inerentes aos delitos imputados e aos contextos fáticos verificados, atribuindo aos referidos agentes um descabido dever de garantia sob todos os atos ilícitos praticados no âmbito empresarial por este integrado sem, contudo, demonstrar sua efetiva participação nas condutas nucleares do tipo, exacerbando o uso da teoria da cegueira deliberada e admitindo que o sujeito detinha capacidade para “conhecer da conduta”, numa forçada tentativa de se demonstrar a perpetração do dolo eventual.

 

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Vol. 1. 15ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010.

[2] LAUFER, Christian. Da lavagem de dinheiro como crime de perigo: o bem jurídico tutelado e seus reflexos na legislação penal brasileira. Curitiba. 2012.

Sobre o autor
Leonardo de Tajaribe R.H. Jr.

Acadêmico de Direito da Universidade Cândido Mendes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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