PROJETO ANTI-CRIME E PRISÃO PREVENTIVA AUTOMÁTICA[?]

23/12/2019 às 21:52
Leia nesta página:

O Projeto de lei nº 6.341/19, idealizado pelo atual Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, trouxe a explanação de garantias fundamentais e humanitárias no texto processual positivado...

O Projeto de lei nº 6.341/19, idealizado pelo atual Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, trouxe a explanação de garantias fundamentais e humanitárias no texto processual positivado, possibilitando a criteriosa observação de postulados e precedentes incorporados pelo ordenamento jurídico pátrio pelos operadores do direito.

É inegável as benesses legislativas implementadas no código de processo penal pelo projeto de lei em comento.

Dentre elas, está a positivação da audiência de custódia e a tentativa de objetivar os requisitos para decretação da prisão preventiva, então previstos no art.312 do Código de Processo Penal, inovações muito festejadas.

Destaca-se, ainda, a necessidade de fundamentação individualizada pelo Juiz no caso de decretação da medida cautelar pessoal em detrimento das medidas cautelares insculpidas no Art.319, devendo o magistrado fundamentar o não cabimento de cada uma delas, em criteriosa observância ao princípio da fundamentação e livre convencimento motivado.

Noutro lado, o advento da figura do “juiz de prerrogativas” é inovação que a muito mostra-se necessária, com a finalidade de diminuir a afetação da contaminação sofrida pelo juiz da instrução processual que tem contato com os elementos [meramente] informativos colhidos na fase inquisitória.

Tal medida é imprescindível para a garantia dos postulados do consagrado Estado Democrático de Direito, com vistas a suavizar os efeitos deletérios da dissonância cognitiva do magistrado que, antes de julgar, tem contato com os elementos colhidos sem o crivo do contraditório e ampla defesa.

Entretanto, importante ressaltar que qualquer medida jurídico-legislativa com a finalidade de amansar os efeitos referidos será tão-somente paliativa, apesar dos esforços empregados, em razão da impossibilidade de se isolar o culto julgador que, apesar de não ter contato com as peças do inquérito policial, obtém contato com os elementos “opinativos” explanados pelos veículos midiáticos, assim como toda a população, inclusive os jurados que poderão vir a julgar uma eventual imputação ministerial decorrente daqueles elementos informativos.

Superados os introitos adequados acerca da projeção legislativa que, no momento presente, encontra-se para sanção do Presidente da República, cumpre-nos pontuar as quimeras pretendidas sobre específica modificação encaminhada para sanção ou veto Presidencial.

Adiante, o PL nº 6.341/19 pretende incluir o §2º no Art.310/CPP, com a seguinte redação:

§ 2º - Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.

Ab initio, percebe-se que o dispositivo exposto apresenta redação perigosamente ambígua para a prática forense, eis que não fica claro se a expressão “ou que porta arma de fogo de uso restrito” refere-se a “organização criminosa” ou a “agente”.

Isto é, para a denegação da liberdade provisória de forma “automática” é necessário que o agente integre organização criminosa que porta arma de fogo de uso restrito, ou basta o agente portar arma de fogo de uso restrito?

A indagação delineada é de considerável importância e digna de apreço num país em que se mutações constitucionais são promovidas para transformar conjunções aditivas em alternativas a depender da figura pública julgada.

Entretanto, ainda que se opte pela interpretação voltada ao agente referido na norma em comento, a aplicação deste conteúdo normativo encontraria alguns percalços na esfera pragmática.

Um dos pontos de colisão é a essência normativa que estaria contida no dispositivo processual, qual seja: a atribuição de demasiada periculosidade a um agente tão somente pelo fato de estar portando arma de fogo de uso restrito, o que justificaria a prisão preventiva automática, sem sequer a apreciação da possibilidade de concessão de liberdade provisória ou aplicação de medidas cautelares alternativas.

Deste modo, cabe observar que a atribuição de desmedida periculosidade a agente que porta ilegalmente uma arma de fogo tem sido mitigada por algumas Cortes Estaduais, conforme se extrai da decisão emanada do TJSP, na apelação nº 990.10.391.255-1, que retirou a majorante pelo uso de arma de fogo aplicada a réu condenado por tráfico de drogas, acolhendo a alegação de que o uso da arma de fogo justificava-se na defesa pessoal do agente e de seu material de comércio ilegal.

Em alargada interpretação apregoa-se a teratológica pretensão de trazer ao ordenamento pátrio a prisão preventiva automática, já a muito consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal [1], reforçando a necessidade de análise dos requisitos insculpidos no Art.312/CPP.

Deste modo, ainda, verifica-se o recorrente encrudescimento do legislador aos agentes reincidentes, fato a muito constatado e combatido na doutrina e abarcado pela jurisprudência.

Nota-se, neste sentido, que o §2º pretende a prisão preventiva automática a agentes reincidentes, tão somente pela situação – transitória -, de reincidência.

Por consequência, se cogitaria a situação fático-processual do agente condenado pelo crime de furto simples que, por imperativo legal do inovado §2º do Art.310/CPP, seria automaticamente preso a título cautelar caso venha a cometer qualquer outro delito, ainda que sem violência ou grave ameaça, dispensando-se a observância do já mencionado Art.312/CPP.

De outro modo, a redação final do dispositivo comentado não apresenta de forma cristalina os efeitos pretendidos quando diz que “deverá negar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares”.

Ora, pensa-se que se a liberdade “provisória” é denegada, o juízo cognitivo do julgador concluiu pela prisão do agente, razão pela qual restaria apenas as medidas cautelares reais para serem aplicadas, já que a medida cautelar pessoal é atribuída como consequência da denegação da liberdade.

Ante todo o exposto, intentamos provocar acerca do advento da norma comentada, com o imprescindível ímpeto de se resguardar os postulados constitucionais e humanitários, bem como os norteadores objetivos de aplicação legislativa, como a necessidade de clareza dos dispositivos e sua aplicação em consonância com a Carta Magna.

 

[1] HC 104.339, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 10/05/2012, DJe 06-12-2012)

Sobre o autor
Leonardo de Tajaribe R.H. Jr.

Acadêmico de Direito da Universidade Cândido Mendes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos