Lei 11.343/2006 Abordagem Geral da Lei de Tóxicos

Leia nesta página:

Abordagem dos principais pontos da Lei de Tóxicos e o seu sistema no Brasil.

Lei das Drogas (ou Lei de Tóxicos), oficialmente lei 11.343/2006, institui o sistema de políticas públicas sobre drogas no Brasil.

Promulgada em 23 de agosto de 2006, a lei prescreve "medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências."

O artigo 28 da lei trata de crimes relacionados à posse de drogas ilícitas para consumo próprio, elencando as seguintes sanções: "I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo."

O artigo 33 da lei trata da produção e distribuição não autorizada e do tráfico de drogas ilícitas, elencando as penas de "reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa."

Uma crítica à lei é sobre a omissão da distinção objetiva entre consumo pessoal e tráfico.

No dia 07 de fevereiro de 2019, uma comissão de juristas presidida por ministros do Superior Tribunal de Justiça apresentou um anteprojeto de lei para modificar a legislação sobre drogas, visando apresentar critérios objetivos para a definição de tráfico e uso pessoal, bem como criar tipos penais distintos para as principais formas de comércio de drogas ilícitas. Também foram nomeados para compor a comissão a procuradora da República Cibele da Fonseca; a juíza federal Amanda Diniz Araújo; o promotor José Theodoro Corrêa de Carvalho; o juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto; o advogado Pierpaolo Cruz Bottini; a juíza Joelci Araújo Diniz; o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior; Tatianna Ramalho de Rezende; o jurista Maurício Stegman Dieter; e o médico Drauzio Varella.

O artigo 28 da Lei 11.343/2006 diz que as seguintes condutas são consideras crime:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, esse artigo prevê um tipo penal, em outras palavras, a posse de drogas para consumo pessoal é um crime. Contudo, as sanções previstas, "I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.", não são consideradas penas, ocorrendo o fenômeno da "despenalização", caracterizado pela exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva, não deixando, contudo, de ser crime, com as consequências dessa definição (perda dos direitos políticos, possibilidade de reincidência, antecedentes, etc). Esse entendimento foi firmado no julgamento de questão de ordem no Recurso Extraordinário 4301059/RJ, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, decidido por unanimidade pela Primeira Turma, em 2007.

Da mesma forma, prevê os seguintes crimes:

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

O parágrafo segundo diz que, para determinar se a droga seria destinada para consumo pessoal, o juiz deverá atentar "à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

Nota-se que não há um critério objetivo para determinar o elemento subjetivo, ou seja, para determinar a intenção da pessoa que seria encontrada com a droga, como por exemplo a quantidade de droga por peso.

Na hipótese de o autor do fato se recusar a cumprir as sanções descritas acima, o juiz deverá, de acordo com o parágrafo sexto, submetê-lo, sucessivamente, a "I - admoestação verbal; II - multa."

Sobre a multa, veja:

Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6o do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.

Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6o do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.

Segundo o site do Fundo Nacional Antidrogas, órgão do Ministério da Justiça, seus recursos são "destinados ao desenvolvimento, à implementação e à execução de ações, programas e atividades de repressão, de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas."

Alegação de inconstitucionalidade

Na defesa de um preso que possuía 3 gramas de maconha em sua cela, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo argumentou por meio do Recurso Extraordinário 635.659 (RE 635659/SP) que a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal é inconstitucional pois tal conduta é protegida pelo princípio constitucional da intimidade e não prejudica a saúde pública. O recurso está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral reconhecida, e a tese de inconstitucionalidade foi aceita pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, que declarou inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, defendendo a descriminalização do porte de drogas ilícitas para consumo pessoal, sendo esse entendimento válido para todas as drogas ilícitas. Acompanharam o relator os ministros Luiz Edson Fachine Luís Roberto Barroso, apenas quanto à descriminalização da maconha, por ser o assunto do caso concreto e por entenderem que uma posição mais abrangente, embora usando as mesmas premissas, necessitaria de uma análise mais detalhista quanto às consequências, sendo que o Ministro Barroso também propôs que "[à] luz dos estudos e critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6 plantas fêmeas." Após o pedido de vista do ministro Teori Zavascki, o julgamento foi suspenso. Segundo o ministro Zavascki, o caso seria decido no segundo semestre de 2016, porém não foi decidido naquele ano. Os demais ministros ainda não se pronunciaram.

No dia 11 de agosto de 2017, a Defensoria Pública de São Paulo requereu suspensão do processamento de todos os processos pendentes, em todo território nacional, que versem sobre o tema do Recurso Extraordinário, enquanto não encerrado o julgamento.

No dia 23 de novembro de 2018, o Ministro Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki após sua morte em um acidente aéreo, devolveu o processo para julgamento, que está previsto para 6 de novembro de 2019.

Tráfico de drogas

Os artigos 33 a 37 da Lei 11.343/2006 tratam de forma bastante extensa as condutas consideradas crime, que alcançam toda a estrutura de associação, produção, empacotamento, distribuição, logística, venda e financiamento, entre outras.

O caput do artigo 33 da Lei 11.343/2006 diz que as seguintes condutas são consideradas crime:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

A partir da preocupação do ordenamento e do legislado em proteger a saúde do indivíduo se viu a necessidade de punir condutas que vão de encontro a isso, como o uso de drogas que podem ter piores consequências posteriormente. A nova Lei de Drogas continua punindo o usuário de drogas, porém de forma mais branda, porém teoricamente sendo capaz de ser mais eficaz no plano real.

Com essa punição mais branda houve diversas discussões a cerca na natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343, pois deixou a pena privativa de liberdade para penas alternativas. Com as divergências sobre sua natureza jurídica foi sendo discutidos outros temas deste mesmo artigo, como o caso da reincidência, que depende da natureza jurídica para saber se é ou não possível haver esse instituto.

Será abordada a nova Lei de Drogas e certas mudanças que ocorreram entre essa e as antigas leis, sendo brevemente comentada para se dar início a discussão a cerca da natureza jurídica do artigo 29 desta Lei.

A primeira discussão será em torno da natureza jurídica e suas possíveis respostas ao problema de acordo com o pensamento de diversos autores. A partir dessas hipóteses a cerca da natureza jurídica serão analisadas e fundamentadas cada uma, chegando a uma decisão mais aceita pelos doutrinadores e pelos Tribunais.

A partir da discussão da natureza jurídica vai ser discutido sobre a reincidência que consta no artigo 28, com a problemática a ser vista primeiramente sobre a natureza jurídica, será analisada a possibilidade ou não dessa reincidência, pois apenas em alguns casos esta é admitida.

1. Breve abordagem sobre a Lei 11.545/06

A partir da preocupação Constitucional sobre a saúde pública brasileira, houve a necessidade de se punir condutas que prejudiquem a saúde da pessoa física que possam causar danos além do previsto. Como é o caso do usuário de drogas, essa conduta é punível por fazer mal a própria pessoa, prejudicando sua própria saúde por causa de uma droga capaz de levar uma pessoa a uma dependência e com isso acarretar outros males como o tráfico, o furto, o roubo. Muitos acreditam que se trata de um paternalismo do direito penal, pois a pessoa tem liberdade para agir conforme ache conveniente mesmo que isso lhe causa um grave prejuízo a saúde.

A Lei de Drogas 11.343 como é dito por Dornelles, entrou e vigor em 08 de outubro de 2006, e esta em seu artigo 75 revogou duas leis de drogas vigentes anteriormente a esta, as Leis nº 6.368/76 e nº 10.409/02. A nova Lei de Drogas trata do objeto da conduta criminosa apenas a droga em si, nas leis anteriores eram tratados por substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica, e deveria especificar em lei quais eram essas drogas, tratando-se de lei penal em branco, onde complementa o seu texto com outras leis previstas no ordenamento.

O professor João Filho (2011), trás algumas mudanças trazidas pela nova Lei de Drogas, são estas: o aumento da pena mínima para o tráfico, extinção da agravante de associação eventual que na lei anterior estava no artigo 18 inciso III, extinção da prisão para o usuário de drogas, que é o tema em destaque, e a previsão de diminuição da pena para o traficante eventual.

2. A natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas e suas divergências

A Lei de Drogas em seu artigo 28 trata da seguinte conduta:

“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:I - admoestação verbal;II - multa.§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”

Esse artigo trás diversas discussões doutrinárias a cerca de sua natureza jurídica do ilícito penal praticado pelas condutas descritas que serão vistas posteriormente. Esse artigo inovou, não trazendo penas de detenção ou reclusão, mas sim penas mais brandas que não atingem a liberdade do indivíduo, ao contrário da lei 6.378/76 que dizia que os usuários de drogas teriam penas de detenção de seis meses a dois anos, conforme foi analisado por Karine Ferrari e Maciel Colli (2012, p.7).

2.1 No que concerne as divergências acerca do artigo 28

Há diversas naturezas jurídicas dadas ao artigo 28 pelos doutrinadores, entre essas divergências Cabette (2006, s/ pag.) trata das quatro principais teorias a cerca dessa natureza, estas se baseiam na possibilidade desse ilícito penal ser uma infração sui generis, infração penal inominada, contravenção penal ou crime, há discussões também se se trata de uma infração administrativa. A seguir será visto detalhadamente sobre essas divergências e com o que se baseiam para justificar cada uma dessas possibilidades.

Como já foi visto, a grande discussão do artigo 28 da Lei de Drogas se deu com a forma mais branda de punir as pessoas que são usuárias de drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal, os crimes são caracterizados por utilizar como punição a pena de detenção ou reclusão, de acordo com o artigo primeiro da Lei de introdução do Código Penal, diferentemente do artigo 28 da Lei de Drogas que não utiliza nenhuma dessas formas para punir o usuário de drogas, abancando então uma discussão a cerca da sua natureza jurídica.

2.2 Natureza Jurídica do artigo 28

As principais teorias a cerca da natureza jurídica se apoiam na posição de esta ser crime, infração administrativa, infração sui generis, contravenção penal ou infração penal inominada.

Murilo Souza em seu artigo, fala da possibilidade do artigo 28 ser um crime, e aponta os fundamentos: o próprio legislador quis que fosse considerado crime, pois inseriu o artigo 28 no Capítulo III, Título III, que tem como título “Dos crimes e das penas”, como o artigo 28 fala da possibilidade de haver reincidência, e a reincidência se trata de quem pratica um crime e posteriormente pratica nova infração penal, então seria mais uma justificativa para ser caracterizado crime, diz também que o artigo 30 da Lei de Drogas prevê a prescrição no caso de uso de drogas, sendo que somente há prescrição de um ilícito quando este for um crime ou contravenção penal, por fim a própria Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, inciso XLVI, outras penas alternativas que não sejam reclusão ou detenção.

Com essas justificativas vê-se que a natureza jurídica deste ilícito continua a mesma, de ser um crime. Essa posição que considera o artigo 28 como um crime é a mais aceita pela maioria da doutrina.

Porém para Luíz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches (2006, p. 60), a sua natureza jurídica é de infração penal sui generis, ou seja, o artigo não é formalmente um crime, pois não possui em seu texto a possibilidade de reclusão ou detenção. Afirmam que a reincidência do § 4 do artigo 28 é uma reincidência popular e não técnica, pois somente aumenta de cinco para dez meses o cumprimento das penas arroladas no artigo 28. Argumentam também que a hipótese de somente crimes e contravenção serem objetos da prescrição não é mais usada, cabe também a prescrição em infrações penais e não penais, o único caso em que não cabe a prescrição é em casos de delitos. O artigo 48, § 2, diz que o usuário deve ser primeiramente levado ao Juiz e não ao Delegado, demonstrando que este não é um criminoso. Não há também conversão das penas alternativas em penas privativas de liberdade, para fazer com que esse sujeito cumpra as penas impostas a ele. A possibilidade da CF prever outras penas que não restritivas de liberdade, apenas afirma que o artigo 28 e uma infração sui generis.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Cabette (2006), fala da possibilidade de ser uma contravenção penal e justifica isso utilizando a fundamentação de Rodrigo Lennaco de Moraes, que diz que seria uma contravenção penal pelo fato de não haver a punição por reclusão ou detenção e ainda que o artigo 28, § 6, II, prevê a possibilidade de aplicação de pena isolada de multa, onde se equipara com a contravenção que permite também essa possibilidade de pena.

A cerca da possibilidade de ser uma infração administrativa, muitos doutrinadores se quer pensam nessa possibilidade ou dizem ser esta impossível, pois como o artigo 28 quem impõe suas sanções é um Juiz de Direito e não uma autoridade administrativa é visível a impossibilidade de se chegar a essa teoria da infração administrativa. (SOUZA, s/ano, s/pag.)

3. Descriminalização ou Despenalização

Descriminalizar é abolir a criminalização (tipificação), tornando a ação jurídico-penalmente irrelevante. Já a despenalização é a substituição (legislativa ou judicial) da pena de prisão por penas de outra natureza (restritiva de direito etc.). Portanto, se com a descriminalização o fato deixa de ser infração penal (crime ou contravenção); com a despenalização a conduta permanece criminosa. (QUEIROZ, 2008)

A partir da vigência da chamada nova lei de drogas, a lei 11.343/06, houve a revogação expressa da lei 6.368/1976 que trazia tipificada e apenada a conduta de “adquirir, guardar consigo, para uso próprio, substância entorpecente...” a qual era atribuído uma pena ao infrator de detenção de 6 meses a 2 anos cumulada com a pena de multa. Portanto pela revogada lei era crime, punido com pena de restrição a liberdade, a compra ou o porte de drogas para uso próprio (ARAÚJO PORTELA, 2008).

No entanto, na atual lei, não se encontra mais a penalização da conduta de compra e porte de drogas para consumo próprio com privativa liberdade. O artigo 28, da referida lei, afirma que o uso pessoal de substâncias entorpecentes será penalizado com: I- advertência sobre os efeitos das drogas; II- prestação de serviços à comunidade; III- Medida educativa de comparecimento a Programa ou curso educativo (ARAÚJO PORTELA, 2008). Encontra-se ainda no § 6º do mesmo artigo, que:

“§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa

Percebe-se, dessa forma, que em nenhum momento ficou disposto na nova lei que o usuário que adquire, guarda, tiver em deposito, transportar consigo, para uso pessoal drogas ou substâncias entorpecentes será submetido a uma pena privativa de liberdade, como era então prevista na antiga Lei 6.368/76, estando disposto somente penas restritivas de direitos (ARAÚJO PORTELA, 2008).

Para Luiz Flávio Gomes, “a Lei nº 11.343/2006 (art. 28), de acordo com a nossa opinião, aboliu o caráter ‘criminoso’ da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado “crime” (embora continue sendo um ilícito sui generis, um ato contrário ao direito). Houve, portanto, descriminalização formal, mas não legalização da droga (ou descriminalização substancial).” (Gomes, 2008, p. 121). Defende o doutrinador que a justificativa para tal conclusão seria a de que segundo a lei de introdução ao Código Penal, artigo 1º, não se poderia classificar o artigo 28 da nova lei de drogas nem como crime e nem como contravenção. Não podendo ser crime pois não prevê pena de reclusão ou detenção e não podendo ser classificado como contravenção pois não prevê multa isolada e nem prisão simples. Por tais razões o artigo 28 não seria mais uma infração penal embora continuando haver a ilicitude da conduta.

Houve, ainda segundo Luíz Flavio Gomes uma descriminalização penal pois a posse e uso de drogas pessoal não é mais infração penal embora continue a haver a sua proibição.

No entanto de acordo com o Supremo Tribunal Federal: “o que houve foi uma despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento - antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, § 3º); Lei 9.605/98, arts. 3º; 21/24) - da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal.” (RE 430105 QO, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00069 EMENT VOL-02273-04 PP-00729 RB v. 19, n. 523, 2007, p. 17-21 RT v. 96, n. 863, 2007, p. 516-523).

Sendo assim acredita-se que não houve uma decriminalização, mas uma simples despenalização. A conduta de portar e consumir drogas continua tipificada e considerada ilícita, não houve uma legalização do uso de drogas, por esse simples fato que se retira a possibilidade de descriminalização da conduta ilícita aqui discutida.

O que realmente interessa, para a definição legal de crime, não é propriamente a espécie de pena cominada, mas os seus pressupostos legais formais. Além do mais, as espécies e possibilidades de cominação de penas pelo legislador não provem de um rol taxativo, é somente imprescritível que tantas penas quanto forem criadas pelo legislador sejam compatíveis com a dignidade da pessoa humana e o princípio da humanidade das penas, proibitivo de penas cruéis e degradantes, entre outras.

De tal forma, ao não cominar pena privativa da liberdade, o art. 28 não implicou abolitio criminis, mas simples despenalização, isto é, manteve a criminalização, mas optou por vedar a pena privativa da liberdade. (QUEIROZ, 2008).

4. A Reincidência e o artigo 28

Ao julgar-se o ilícito inserto no artigo 28 como crime ou contravenção penal também se influencia diretamente nas diferentes possibilidades de reincidência em casos que envolvem o referido artigo.

4.1 Reincidência por condenação prévia pelo artigo 28, artigo 63 CP

Segundo o artigo 63 do Código Penal a reincidência ocorre quando o agente comete um novo crime após sentença condenando-o por crime anterior já haver transitado em julgado, no país ou no exterior.

Portanto, após análise do artigo 63 é de entendimento da doutrina majoritária, assim como da jurisprudência, que para haver reincidência pelo mencionado artigo 63 o mais importante é que haja condenação anterior que diga respeito a crime, não importando a sua espécie ou pena prevista. Tendo-se exceção a essa regra de reincidência se mesmo com condenação previa por crime a pena já tenha sido cumprida ou extinta a mais de cinco anos (CABETTE, 2006).

Pelo artigo 7º da Lei de Contravencoes Penais entende-se que a prévia sentença transitada em julgado por contravenção também possibilita a aplicação do instituto da reincidência. Tendo como diferença que essa condenação prévia por contravenção penal tenha sido em território nacional.

Sendo assim a partir do ponto em que não se considera o artigo 28 nem crime e nem contravenção a condenação previa por ele jamais poderia gerar reincidência (CABETTE, 2006).

4.2 Reincidência dentro do artigo 28, § 4

Outra possibilidade de reincidência envolvendo o artigo 28 encontra-se ao ler o § 4º de referido artigo. Segundo tal parágrafo encontra-se o seguinte: “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”.

Tal reincidência é vista como especifica e somente teria o condão de aumentar o prazo de 5 para 10 anos na imposição de prestação de serviços a comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Sendo assim, independente do entendimento acerca da natureza jurídica do artigo 28, havendo condenação previa transitada em julgado, seria possível a aplicação da reincidência específica do § 4º, com a finalidade de modificar o “quantum” da pena restritiva de direitos ou da medida educativa de 5 para 10 anos (CABETTE, 2006).Lei das Drogas (ou Lei de Tóxicos), oficialmente lei 11.343/2006, institui o sistema de políticas públicas sobre drogas no Brasil.

Promulgada em 23 de agosto de 2006, a lei prescreve "medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências."

O artigo 28 da lei trata de crimes relacionados à posse de drogas ilícitas para consumo próprio, elencando as seguintes sanções: "I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo."

O artigo 33 da lei trata da produção e distribuição não autorizada e do tráfico de drogas ilícitas, elencando as penas de "reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa."

Uma crítica à lei é sobre a omissão da distinção objetiva entre consumo pessoal e tráfico.

No dia 07 de fevereiro de 2019, uma comissão de juristas presidida por ministros do Superior Tribunal de Justiça apresentou um anteprojeto de lei para modificar a legislação sobre drogas, visando apresentar critérios objetivos para a definição de tráfico e uso pessoal, bem como criar tipos penais distintos para as principais formas de comércio de drogas ilícitas. Também foram nomeados para compor a comissão a procuradora da República Cibele da Fonseca; a juíza federal Amanda Diniz Araújo; o promotor José Theodoro Corrêa de Carvalho; o juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto; o advogado Pierpaolo Cruz Bottini; a juíza Joelci Araújo Diniz; o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior; Tatianna Ramalho de Rezende; o jurista Maurício Stegman Dieter; e o médico Drauzio Varella.

O artigo 28 da Lei 11.343/2006 diz que as seguintes condutas são consideras crime:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, esse artigo prevê um tipo penal, em outras palavras, a posse de drogas para consumo pessoal é um crime. Contudo, as sanções previstas, "I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.", não são consideradas penas, ocorrendo o fenômeno da "despenalização", caracterizado pela exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva, não deixando, contudo, de ser crime, com as consequências dessa definição (perda dos direitos políticos, possibilidade de reincidência, antecedentes, etc). Esse entendimento foi firmado no julgamento de questão de ordem no Recurso Extraordinário 4301059/RJ, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, decidido por unanimidade pela Primeira Turma, em 2007.

Da mesma forma, prevê os seguintes crimes:

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

O parágrafo segundo diz que, para determinar se a droga seria destinada para consumo pessoal, o juiz deverá atentar "à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

Nota-se que não há um critério objetivo para determinar o elemento subjetivo, ou seja, para determinar a intenção da pessoa que seria encontrada com a droga, como por exemplo a quantidade de droga por peso.

Na hipótese de o autor do fato se recusar a cumprir as sanções descritas acima, o juiz deverá, de acordo com o parágrafo sexto, submetê-lo, sucessivamente, a "I - admoestação verbal; II - multa."

Sobre a multa, veja:

Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6o do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.

Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6o do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.

Segundo o site do Fundo Nacional Antidrogas, órgão do Ministério da Justiça, seus recursos são "destinados ao desenvolvimento, à implementação e à execução de ações, programas e atividades de repressão, de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas."

Alegação de inconstitucionalidade

Na defesa de um preso que possuía 3 gramas de maconha em sua cela, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo argumentou por meio do Recurso Extraordinário 635.659 (RE 635659/SP) que a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal é inconstitucional pois tal conduta é protegida pelo princípio constitucional da intimidade e não prejudica a saúde pública. O recurso está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral reconhecida, e a tese de inconstitucionalidade foi aceita pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, que declarou inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, defendendo a descriminalização do porte de drogas ilícitas para consumo pessoal, sendo esse entendimento válido para todas as drogas ilícitas. Acompanharam o relator os ministros Luiz Edson Fachine Luís Roberto Barroso, apenas quanto à descriminalização da maconha, por ser o assunto do caso concreto e por entenderem que uma posição mais abrangente, embora usando as mesmas premissas, necessitaria de uma análise mais detalhista quanto às consequências, sendo que o Ministro Barroso também propôs que "[à] luz dos estudos e critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6 plantas fêmeas." Após o pedido de vista do ministro Teori Zavascki, o julgamento foi suspenso. Segundo o ministro Zavascki, o caso seria decido no segundo semestre de 2016, porém não foi decidido naquele ano. Os demais ministros ainda não se pronunciaram.

No dia 11 de agosto de 2017, a Defensoria Pública de São Paulo requereu suspensão do processamento de todos os processos pendentes, em todo território nacional, que versem sobre o tema do Recurso Extraordinário, enquanto não encerrado o julgamento.

No dia 23 de novembro de 2018, o Ministro Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki após sua morte em um acidente aéreo, devolveu o processo para julgamento, que está previsto para 6 de novembro de 2019.

Tráfico de drogas

Os artigos 33 a 37 da Lei 11.343/2006 tratam de forma bastante extensa as condutas consideradas crime, que alcançam toda a estrutura de associação, produção, empacotamento, distribuição, logística, venda e financiamento, entre outras.

O caput do artigo 33 da Lei 11.343/2006 diz que as seguintes condutas são consideradas crime:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

A partir da preocupação do ordenamento e do legislado em proteger a saúde do indivíduo se viu a necessidade de punir condutas que vão de encontro a isso, como o uso de drogas que podem ter piores consequências posteriormente. A nova Lei de Drogas continua punindo o usuário de drogas, porém de forma mais branda, porém teoricamente sendo capaz de ser mais eficaz no plano real.

Com essa punição mais branda houve diversas discussões a cerca na natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343, pois deixou a pena privativa de liberdade para penas alternativas. Com as divergências sobre sua natureza jurídica foi sendo discutidos outros temas deste mesmo artigo, como o caso da reincidência, que depende da natureza jurídica para saber se é ou não possível haver esse instituto.

Será abordada a nova Lei de Drogas e certas mudanças que ocorreram entre essa e as antigas leis, sendo brevemente comentada para se dar início a discussão a cerca da natureza jurídica do artigo 29 desta Lei.

A primeira discussão será em torno da natureza jurídica e suas possíveis respostas ao problema de acordo com o pensamento de diversos autores. A partir dessas hipóteses a cerca da natureza jurídica serão analisadas e fundamentadas cada uma, chegando a uma decisão mais aceita pelos doutrinadores e pelos Tribunais.

A partir da discussão da natureza jurídica vai ser discutido sobre a reincidência que consta no artigo 28, com a problemática a ser vista primeiramente sobre a natureza jurídica, será analisada a possibilidade ou não dessa reincidência, pois apenas em alguns casos esta é admitida.

1. Breve abordagem sobre a Lei 11.545/06

A partir da preocupação Constitucional sobre a saúde pública brasileira, houve a necessidade de se punir condutas que prejudiquem a saúde da pessoa física que possam causar danos além do previsto. Como é o caso do usuário de drogas, essa conduta é punível por fazer mal a própria pessoa, prejudicando sua própria saúde por causa de uma droga capaz de levar uma pessoa a uma dependência e com isso acarretar outros males como o tráfico, o furto, o roubo. Muitos acreditam que se trata de um paternalismo do direito penal, pois a pessoa tem liberdade para agir conforme ache conveniente mesmo que isso lhe causa um grave prejuízo a saúde.

A Lei de Drogas 11.343 como é dito por Dornelles, entrou e vigor em 08 de outubro de 2006, e esta em seu artigo 75 revogou duas leis de drogas vigentes anteriormente a esta, as Leis nº 6.368/76 e nº 10.409/02. A nova Lei de Drogas trata do objeto da conduta criminosa apenas a droga em si, nas leis anteriores eram tratados por substâncias entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica, e deveria especificar em lei quais eram essas drogas, tratando-se de lei penal em branco, onde complementa o seu texto com outras leis previstas no ordenamento.

O professor João Filho (2011), trás algumas mudanças trazidas pela nova Lei de Drogas, são estas: o aumento da pena mínima para o tráfico, extinção da agravante de associação eventual que na lei anterior estava no artigo 18 inciso III, extinção da prisão para o usuário de drogas, que é o tema em destaque, e a previsão de diminuição da pena para o traficante eventual.

2. A natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas e suas divergências

A Lei de Drogas em seu artigo 28 trata da seguinte conduta:

“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:I - advertência sobre os efeitos das drogas;II - prestação de serviços à comunidade;III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:I - admoestação verbal;II - multa.§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”

Esse artigo trás diversas discussões doutrinárias a cerca de sua natureza jurídica do ilícito penal praticado pelas condutas descritas que serão vistas posteriormente. Esse artigo inovou, não trazendo penas de detenção ou reclusão, mas sim penas mais brandas que não atingem a liberdade do indivíduo, ao contrário da lei 6.378/76 que dizia que os usuários de drogas teriam penas de detenção de seis meses a dois anos, conforme foi analisado por Karine Ferrari e Maciel Colli (2012, p.7).

2.1 No que concerne as divergências acerca do artigo 28

Há diversas naturezas jurídicas dadas ao artigo 28 pelos doutrinadores, entre essas divergências Cabette (2006, s/ pag.) trata das quatro principais teorias a cerca dessa natureza, estas se baseiam na possibilidade desse ilícito penal ser uma infração sui generis, infração penal inominada, contravenção penal ou crime, há discussões também se se trata de uma infração administrativa. A seguir será visto detalhadamente sobre essas divergências e com o que se baseiam para justificar cada uma dessas possibilidades.

Como já foi visto, a grande discussão do artigo 28 da Lei de Drogas se deu com a forma mais branda de punir as pessoas que são usuárias de drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal, os crimes são caracterizados por utilizar como punição a pena de detenção ou reclusão, de acordo com o artigo primeiro da Lei de introdução do Código Penal, diferentemente do artigo 28 da Lei de Drogas que não utiliza nenhuma dessas formas para punir o usuário de drogas, abancando então uma discussão a cerca da sua natureza jurídica.

2.2 Natureza Jurídica do artigo 28

As principais teorias a cerca da natureza jurídica se apoiam na posição de esta ser crime, infração administrativa, infração sui generis, contravenção penal ou infração penal inominada.

Murilo Souza em seu artigo, fala da possibilidade do artigo 28 ser um crime, e aponta os fundamentos: o próprio legislador quis que fosse considerado crime, pois inseriu o artigo 28 no Capítulo III, Título III, que tem como título “Dos crimes e das penas”, como o artigo 28 fala da possibilidade de haver reincidência, e a reincidência se trata de quem pratica um crime e posteriormente pratica nova infração penal, então seria mais uma justificativa para ser caracterizado crime, diz também que o artigo 30 da Lei de Drogas prevê a prescrição no caso de uso de drogas, sendo que somente há prescrição de um ilícito quando este for um crime ou contravenção penal, por fim a própria Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, inciso XLVI, outras penas alternativas que não sejam reclusão ou detenção.

Com essas justificativas vê-se que a natureza jurídica deste ilícito continua a mesma, de ser um crime. Essa posição que considera o artigo 28 como um crime é a mais aceita pela maioria da doutrina.

Porém para Luíz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches (2006, p. 60), a sua natureza jurídica é de infração penal sui generis, ou seja, o artigo não é formalmente um crime, pois não possui em seu texto a possibilidade de reclusão ou detenção. Afirmam que a reincidência do § 4 do artigo 28 é uma reincidência popular e não técnica, pois somente aumenta de cinco para dez meses o cumprimento das penas arroladas no artigo 28. Argumentam também que a hipótese de somente crimes e contravenção serem objetos da prescrição não é mais usada, cabe também a prescrição em infrações penais e não penais, o único caso em que não cabe a prescrição é em casos de delitos. O artigo 48, § 2, diz que o usuário deve ser primeiramente levado ao Juiz e não ao Delegado, demonstrando que este não é um criminoso. Não há também conversão das penas alternativas em penas privativas de liberdade, para fazer com que esse sujeito cumpra as penas impostas a ele. A possibilidade da CF prever outras penas que não restritivas de liberdade, apenas afirma que o artigo 28 e uma infração sui generis.

Cabette (2006), fala da possibilidade de ser uma contravenção penal e justifica isso utilizando a fundamentação de Rodrigo Lennaco de Moraes, que diz que seria uma contravenção penal pelo fato de não haver a punição por reclusão ou detenção e ainda que o artigo 28, § 6, II, prevê a possibilidade de aplicação de pena isolada de multa, onde se equipara com a contravenção que permite também essa possibilidade de pena.

A cerca da possibilidade de ser uma infração administrativa, muitos doutrinadores se quer pensam nessa possibilidade ou dizem ser esta impossível, pois como o artigo 28 quem impõe suas sanções é um Juiz de Direito e não uma autoridade administrativa é visível a impossibilidade de se chegar a essa teoria da infração administrativa. (SOUZA, s/ano, s/pag.)

3. Descriminalização ou Despenalização

Descriminalizar é abolir a criminalização (tipificação), tornando a ação jurídico-penalmente irrelevante. Já a despenalização é a substituição (legislativa ou judicial) da pena de prisão por penas de outra natureza (restritiva de direito etc.). Portanto, se com a descriminalização o fato deixa de ser infração penal (crime ou contravenção); com a despenalização a conduta permanece criminosa. (QUEIROZ, 2008)

A partir da vigência da chamada nova lei de drogas, a lei 11.343/06, houve a revogação expressa da lei 6.368/1976 que trazia tipificada e apenada a conduta de “adquirir, guardar consigo, para uso próprio, substância entorpecente...” a qual era atribuído uma pena ao infrator de detenção de 6 meses a 2 anos cumulada com a pena de multa. Portanto pela revogada lei era crime, punido com pena de restrição a liberdade, a compra ou o porte de drogas para uso próprio (ARAÚJO PORTELA, 2008).

No entanto, na atual lei, não se encontra mais a penalização da conduta de compra e porte de drogas para consumo próprio com privativa liberdade. O artigo 28, da referida lei, afirma que o uso pessoal de substâncias entorpecentes será penalizado com: I- advertência sobre os efeitos das drogas; II- prestação de serviços à comunidade; III- Medida educativa de comparecimento a Programa ou curso educativo (ARAÚJO PORTELA, 2008). Encontra-se ainda no § 6º do mesmo artigo, que:

“§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa

Percebe-se, dessa forma, que em nenhum momento ficou disposto na nova lei que o usuário que adquire, guarda, tiver em deposito, transportar consigo, para uso pessoal drogas ou substâncias entorpecentes será submetido a uma pena privativa de liberdade, como era então prevista na antiga Lei 6.368/76, estando disposto somente penas restritivas de direitos (ARAÚJO PORTELA, 2008).

Para Luiz Flávio Gomes, “a Lei nº 11.343/2006 (art. 28), de acordo com a nossa opinião, aboliu o caráter ‘criminoso’ da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado “crime” (embora continue sendo um ilícito sui generis, um ato contrário ao direito). Houve, portanto, descriminalização formal, mas não legalização da droga (ou descriminalização substancial).” (Gomes, 2008, p. 121). Defende o doutrinador que a justificativa para tal conclusão seria a de que segundo a lei de introdução ao Código Penal, artigo 1º, não se poderia classificar o artigo 28 da nova lei de drogas nem como crime e nem como contravenção. Não podendo ser crime pois não prevê pena de reclusão ou detenção e não podendo ser classificado como contravenção pois não prevê multa isolada e nem prisão simples. Por tais razões o artigo 28 não seria mais uma infração penal embora continuando haver a ilicitude da conduta.

Houve, ainda segundo Luíz Flavio Gomes uma descriminalização penal pois a posse e uso de drogas pessoal não é mais infração penal embora continue a haver a sua proibição.

No entanto de acordo com o Supremo Tribunal Federal: “o que houve foi uma despenalização, cujo traço marcante foi o rompimento - antes existente apenas com relação às pessoas jurídicas e, ainda assim, por uma impossibilidade material de execução (CF/88, art. 225, § 3º); Lei 9.605/98, arts. 3º; 21/24) - da tradição da imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda infração penal.” (RE 430105 QO, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00069 EMENT VOL-02273-04 PP-00729 RB v. 19, n. 523, 2007, p. 17-21 RT v. 96, n. 863, 2007, p. 516-523).

Sendo assim acredita-se que não houve uma decriminalização, mas uma simples despenalização. A conduta de portar e consumir drogas continua tipificada e considerada ilícita, não houve uma legalização do uso de drogas, por esse simples fato que se retira a possibilidade de descriminalização da conduta ilícita aqui discutida.

O que realmente interessa, para a definição legal de crime, não é propriamente a espécie de pena cominada, mas os seus pressupostos legais formais. Além do mais, as espécies e possibilidades de cominação de penas pelo legislador não provem de um rol taxativo, é somente imprescritível que tantas penas quanto forem criadas pelo legislador sejam compatíveis com a dignidade da pessoa humana e o princípio da humanidade das penas, proibitivo de penas cruéis e degradantes, entre outras.

De tal forma, ao não cominar pena privativa da liberdade, o art. 28 não implicou abolitio criminis, mas simples despenalização, isto é, manteve a criminalização, mas optou por vedar a pena privativa da liberdade. (QUEIROZ, 2008).

4. A Reincidência e o artigo 28

Ao julgar-se o ilícito inserto no artigo 28 como crime ou contravenção penal também se influencia diretamente nas diferentes possibilidades de reincidência em casos que envolvem o referido artigo.

4.1 Reincidência por condenação prévia pelo artigo 28, artigo 63 CP

Segundo o artigo 63 do Código Penal a reincidência ocorre quando o agente comete um novo crime após sentença condenando-o por crime anterior já haver transitado em julgado, no país ou no exterior.

Portanto, após análise do artigo 63 é de entendimento da doutrina majoritária, assim como da jurisprudência, que para haver reincidência pelo mencionado artigo 63 o mais importante é que haja condenação anterior que diga respeito a crime, não importando a sua espécie ou pena prevista. Tendo-se exceção a essa regra de reincidência se mesmo com condenação previa por crime a pena já tenha sido cumprida ou extinta a mais de cinco anos (CABETTE, 2006).

Pelo artigo 7º da Lei de Contravencoes Penais entende-se que a prévia sentença transitada em julgado por contravenção também possibilita a aplicação do instituto da reincidência. Tendo como diferença que essa condenação prévia por contravenção penal tenha sido em território nacional.

Sendo assim a partir do ponto em que não se considera o artigo 28 nem crime e nem contravenção a condenação previa por ele jamais poderia gerar reincidência (CABETTE, 2006).

4.2 Reincidência dentro do artigo 28, § 4

Outra possibilidade de reincidência envolvendo o artigo 28 encontra-se ao ler o § 4º de referido artigo. Segundo tal parágrafo encontra-se o seguinte: “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”.

Tal reincidência é vista como especifica e somente teria o condão de aumentar o prazo de 5 para 10 anos na imposição de prestação de serviços a comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Sendo assim, independente do entendimento acerca da natureza jurídica do artigo 28, havendo condenação previa transitada em julgado, seria possível a aplicação da reincidência específica do § 4º, com a finalidade de modificar o “quantum” da pena restritiva de direitos ou da medida educativa de 5 para 10 anos (CABETTE, 2006).

Sobre o autor
Ítalo Miqueias da Silva Alves

Jurista. Pós Graduado em Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, Direito, Direito Constitucional e Direito Digital. Especialista em Direito Civil, Direito Penal e Direito Administrativo. Pesquisador. Palestrante. Escritor e autor de diversas obras na seara jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos