A DEFESA DOS AGENTES DE SEGURANÇA

26/12/2019 às 09:17
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A DEFESA DOS AGENTES DE SEGURANÇA DIANTE DA LEI 13.964, RECENTEMENTE EDITADA.

A DEFESA DOS AGENTES DE SEGURANÇA

Rogério Tadeu Romano

 

Tem-se da Lei nº 13.964:

“Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.

  • 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.
  • 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.
  • 3º (VETADO).
  • 4º (VETADO).
  • 5º (VETADO).
  • 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.”

O presidente estabeleceu que a prioridade na defesa de agentes de segurança investigados por uso letal da força deve ser da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados, e não das Defensorias Públicas.

Os três pontos vetados são:


- determina que, havendo a necessidade de indicação de defensor para o agente, ele será “preferencialmente” um defensor público e que, se não houver defensor público no local, que a União ou o estado deverá “disponibilizar profissional” para acompanhar o processo;

- determina que a contratação de um defensor de fora dos quadros públicos deve ser precedida de manifestação indicando a ausência de defensor público na região em que corre o inquérito;

- determina que os custos com a atuação desse defensor de fora dos quadros públicos “ocorrerão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.”

Assim o presidente Bolsonaro vetou três pontos do trecho do projeto aprovado pelo Congresso que estabelecia que o Estado deveria disponibilizar defensores aos agentes de segurança investigados por fatos relacionados à atuação em serviço.

Os pontos vetados determinavam, por exemplo, que a defesa desses agentes deveria ser feita por defensor público e que, na ausência deste, um defensor deveria ser contratado e pago pela instituição à qual o agente está vinculado.

Vários princípios são afrontados:

A uma, porque afronta o princípio republicano; a duas, porque agride o princípio da igualdade; a três, porque afronta o princípio da moralidade; a quatro, porque confronta o princípio da impessoalidade.

O ponto da lei traz em si evidentes aspectos que vão de encontro à própria razoabilidade. Observe-se um agente público, que pratica alcance. Como ficaria a esdrúxula situação em que ele é defendido pela Procuradoria do Estado que tem a missão institucional de defender o erário público? Ficaria o agente que estivesse na defesa a incidir em crime de patrocínio simultâneo. O que é de uma absurdidade visível.

O princípio republicano é um princípio democrático qualificado que exige que ninguém tenha tratamento privilegiado.

Afronta o projeto o princípio da igualdade.

Na matéria, Celso Antônio Bandeira de Mello(O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, RT, 1978) começa por observar que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei, como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico. Todavia, as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação; é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.

O projeto cria discriminações legislativas que desafiam a lógica da razoabilidade e são incompatíveis com a chamada cláusula igualitária.

Pelo princípio da impessoalidade há a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Sem dúvida, há afronta a esse princípio da impessoalidade, pois que o ato tem o liame da concretude em afronta à generalidade própria de uma medida legal.

Pelo princípio da moralidade, em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado, que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.

Veja-se o artigo 132 da Constituição Federal. Ali se diz que “os procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.”.

Assim somente compete aos procuradores do estado a representação judicial e a consultoria jurídica da administração do estado com quem têm vínculo institucional. Eles não estão habilitados pela Constituição para a defesa de qualquer pessoa física, seja agente público ou político.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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