APONTAMENTOS SOBRE A CADEIA DE CUSTÓDIA
Rogério Tadeu Romano
A Lei nº 13.964 instituiu, no direito positivo, o importante mecanismo da cadeia de custódia.
Cadeia de custódia, no contexto legal, refere-se à documentação cronológica ou histórico que registra a sequencia de custódia, controle, transferência, análise e disposição de evidências físicas ou eletrônicas.
Em 2013 foi publicado um documento intitulado Procedimento Operacional Padrão para a Perícia Criminal[(Procedimento Operacional Padrão - Perícia Criminal» (PDF). SENASP. 2013). Ele procura criar um roteiro capaz de nortear o trabalho da perícia. São sugeridos procedimentos padronizados para:
- Balística Forense
- Genética Forense
- Informática Forense ou Forense computacional
- Local de Crime
- Medicina Legal
- Papiloscopia
- Química forense
Observe-se, pois, a extraordinária adaptação do processo penal, na coleta de prova, às mais novas técnicas de investigação da prova.
Segundo Geraldo Prado(Prova Penal e Sistema de Controles Epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por meios ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 80), a cadeia de custódia representa justamente o importante “dispositivo que pretende assegurar a integridade dos elementos probatórios”.
Trata-se de mecanismo fundamental à regular utilização de uma evidencia em juízo, garantindo-se a respectiva “história cronológica” ou “rastreabilidade probatória” e, por consequência, a sua autenticidade e confiabilidade. Revela, no fundo, uma preocupação com “o controle da decisão judicial em um Estado democrático de direito” por meio de sistemas de controles epistêmicos.
Bem lembrou Roberto Mezza Niela(Importância da cadeia de custódia) que para garantir a integridade da prova. Ela é importante porque garante a idoneidade e rastreabilidade dos vestígios com a finalidade de preservar a confiabilidade e transparência até que o processo seja concluído.
Para que uma evidencia seja admissível em um tribunal, esta precisa ser autenticada, ou seja, será preciso comprovar a autenticidade e integridade desta.
Na lição de Alice Aparecida da Matta(Parâmetros de Confiança Analítica e irrefutabilidade do laudo pericial em toxicologia forense, Revista brasileira de toxicologia, volume 14, n. 1, páginas 40 a 406, n. 1) para garantir a validade dos exames periciais, os expertos devem respeitar a cadeia de custódia, que seria a documentação que o laboratório possui com a intenção de rastrear todas as operações realizadas com cada vestígio, desde a coleta no local do crime até a completa destruição
A cadeia de custódia foi definida na Lei como “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte” (art. 158-A, caput, do CPP).
O seu início, em regra, segundo a lei, decorrerá da preservação do local de crime. Poderá, no entanto, estabelecer-se a partir de outros procedimentos policiais ou periciais de detecção da existência de vestígio (art. 158-A, § 1º, do CPP). Em ambas as hipóteses, no entanto, o agente público que reconhecer um elemento como sendo de interesse potencial à produção da prova pericial ficará responsável por sua preservação (art. 158-A, § 2º, do CPP).
Todos os Institutos de Criminalística precisarão ter centrais de custódia destinadas à guarda e controle dos vestígios de crimes. Os materiais coletados deverão permanecer nessas centrais até que a Justiça autorize o seu descarte.
O respeito à cadeia de custódia não é atividade exclusiva da perícia; muito pelo contrário, incumbe a todas as agências do sistema de justiça criminal. Abrange todos os “atores responsáveis pela sua preservação, integridade, idoneidade e valoração”, o que se inicia na fase de investigação preliminar porém se estende até o processo criminal7, na medida em que alcança “todo o caminho percorrido pela prova.
O Código de Processo Penal passa a estabelecer as seguintes fases da cadeia de custódia enquanto procedimento de rastreio de vestígios (art. 158-B):
“I – reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;
II – isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;
III – fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;
IV – coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;
V – acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI – transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;
VII – recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII – processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
IX – armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial”.
A Lei ainda estabelece que a coleta de vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, bem como o seu necessário encaminhamento à central de custódia, mesmo quando necessário algum exame complementar (art. 158-C, caput, do CPP).
Frise-se que todos os vestígios coletados, tanto em sede de inquérito policial quanto de processo penal, deverão obrigatoriamente ser remetidos à central de custódia (art. 158-C, § 1º, do CPP), existente necessariamente em cada instituto de criminalística e com gestão vinculada diretamente ao órgão de perícia oficial de natureza criminal (art. 158-E do CPP).
Discutem-se as consequências da quebra da cadeia de custódia.
Na matéria apresentam-se correntes de pensamento.
A primeira corrente sustenta que a violação da cadeia de custódia implica na ilegitimidade (ou ilicitude) da prova, de maneira que não pode ser admitida no processo. Segundo Aury Lopes Jr(Direito Processual Penal. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 414), a consequência “deve ser a proibição de valoração probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada”. Já a segunda corrente defende que esse tipo de vício deve ser resolvido pela atribuição de “menor valor ao meio de prova” em questão
Na primeira corrente, tem-se na jurisprudência: STJ – Quinta Turma – Rel. Min. Nefi Cordeiro - REsp 1795341/RS – j. em 07.05.2019 – DJe de 14.05.2019. Na doutrina: AZEVEDO, Yuri; VASCONCELOS, Caroline Regina Oliveira. Ensaios sobre a Cadeia de Custódia das Provas no Processo Penal Brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 109 / EBERHARDT, Marcos. Provas no Processo Penal: análise crítica, doutrinária e jurisprudencial. 01 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 223 / PRADO, Geraldo. Prova Penal e Sistema de Controles Epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por meios ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 92.