COMPETÊNCIA CRIMINAL NOS CRIMES DE HOMICÍDIO

01/01/2020 às 13:54
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE TEMA DE DIREITO PROCESSUAL PENAL.

COMPETÊNCIA CRIMINAL NOS CRIMES DE HOMICÍDIO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

 

I – INTRODUÇÃO

 

Instigante é a discussão doutrinária e jurisprudencial com relação a competência em matéria de crime de homicídio seja doloso ou culposo. A discussão é importante principalmente levando-se em conta o fato de que algumas vezes alguém é alvejado por outro, com intuito doloso de matá-lo, no território de uma Comarca e, após, é conduzido para outra Comarca, quando vem a falecer.

Assim se a ação delituosa, objetivando matar alguém, um homicídio doloso,  se dá no Município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, e, sendo este conduzido ao Município de  Natal, capital do Estado, para um hospital, nele vem a falecer, qual a competência então para julgar eventual crime de homicídio?

Essa discussão nos leva ao estudo de teorias que procuram resolver a questão da competência criminal,  naquilo que chamamos competência chamada ratione loci, do lugar da infração, de natureza relativa, que difere da competência absoluta ou constitucional, que é prevista em atenção ao interesse público, em que eventual desatendimento não irá convalidar os atos praticados no decorrer do processo.

De antemão, direi que o critério territorial, exposto no artigo 69, I e II, do CPP, procura identificar o juízo territorialmente competente, considerando como parâmetros o local da consumação do delito, além do domicílio ou residência do réu, onde estamos diante de uma competência chamada material.

É o que tentaremos fazer.

                       
  II – A COMPETÊNCIA RATIONE LOCI

 

Já ensinava Júlio Fabbrini Mirabete[1] que o lugar da infração como regra de determinação de competência, é realmente o mais indicado para servir para o processo. Isso porque um dos fins da pena, um dos mais importantes, é a prevenção geral e a aplicação da sanção penal no local onde foi praticado o crime serve,  como exemplo, para aqueles que tiveram conhecimento do fato e, dentre eles, então, os que vivem nesse local.

No local do crime é que mais facilmente podem ser colhidas as provas do delito, realizadas as perícias e exames e ouvidas a vítima e as testemunhas do fato.

O artigo 70 do Código de Processo Penal, ainda vigente, dita que a competência é determinada pelo lugar em que se consumou a infração. Ora, lugar da infração é o foro competente para apreciá-la, valendo-se da divisão existente na Lei de Organização Judiciária local, a Comarca ou Distrito.

Havendo mais de um juiz na Comarca ou Distrito, a distribuição entre eles do poder de julgar objetiva a procura  da competência do juízo, matéria que é objeto de regulamentação em lei própria.

Poder-se-ia dizer que não adotamos, no processo penal, a teoria da ubiqüidade, eleita pelo Código Penal para definir o lugar do crime. O Código de Processo Penal, sabemos, adotou a teoria do resultado para determinação da competência, referindo-se ao lugar da consumação.

No caso de tentativa, a competência é determinada pelo lugar em que for praticado o último ato de execução(artigo 70, caput, segunda parte). Não havendo consumação devemos verificar no caso de crime plurissubsistente qual o lugar do último ato comissivo ou omissivo praticado pelo agente ou omitente. Tal será o foro do delito.

De toda sorte, 3(três) teorias são identificadas a respeito do local do crime, quais sejam:

  1. Teoria do resultado: o juízo territorialmente competente é o do local onde se operou a consumação do delito. É a teoria prevalente, sendo completada pelas outras duas, como se vê do artigo 70 caput;
  2. Teoria da atividade: a competência é fixada pelo local da ação ou omissão. É o que se adota no crime tentado e ainda nos Juizados Especiais Criminais, por força do artigo 63 da Lei 9.099/1995;[2]
  3. Teoria da ubiquidade(mista ou eclética): a competência territorial no Brasil seria estabelecida tanto pelo local da ação quanto pelo do resultado, desde que um outro aqui ocorram, como se dá, nos chamados crimes á distância, que são aqueles em que o crime ocorre no Brasil e os resultados ocorrem em outro país, ou a ação delituosa se inicia no estrangeiro e o resultado, mesmo que parcialmente, ocorre ou deveria ocorrer no Brasil(§ § 1º  e 2º, artigo 70, CPP).[3]

 

Assim tem-se que, no estelionato, mediante emissão de cheque sem fundo, sem suficiente provisão de fundo, o lugar do crime será o do local onde está o  banco sacado.

No caso do crime formal, onde não se faz necessária a ocorrência de um resultado naturalístico para a sua consumação, se houver extorsão, em Recife, e o pagamento for feito no Rio de Janeiro, o local do crime, será Recife, pois, na última capital, houve um mero exaurimento.

Nosso Código de Processo Penal  afastou-se da teoria da ubiqüidade, prevista no artigo 6º do Código Penal, onde se diz que considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Mas fica a dúvida: a competência em razão da consumação deve ser sempre adotada em matéria de homicídio?

Voltemos ao exemplo, que nos dá ânimo a essa pesquisa.

E se alguém é alvejado num Município, por outro, com o ânimo de matar, e morre em outro Município?

III – O CASO DO HOMICÍDIO E A EXCEÇÃO À TEORIA DO RESULTADO

Eugênio Pacelli de Oliveira[4] , de forma correta, questiona a teoria do resultado, trazendo o exemplo do homicídio em que a ação delituosa é praticada em determinado lugar, na presença de inúmeras testemunhas, com a morte da vitima ocorrendo em outra cidade, para onde foi removida para fins de atendimento médico mais adequado.

No caso do homicídio,seja doloso ou culposo, em que pese a regra geral, do lugar do crime onde a vítima faleceu, tem-se que, nos crimes plurilocais(onde a conduta ocorre em uma Comarca e o resultado na outra), o juiz natural para analisar o caso será o local onde o crime de homicídio exteriorizou seus efeitos, provocou impacto na sociedade.

Aliás, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[5] são conclusivos ao dizer que, no crime de homicídio, a competência é fixada pelo local da ação, e não do resultado. Isso pela facilidade de colheita probatória no lugar em que os aos executórios se desenvolveram, além da resposta à comunidade que reside onde ocorreu a ofensa ao bem tutelado.[6]

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O Superior Tribunal de Justiça, aliás, construiu solida jurisprudência nesse sentido.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 196.458/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 6 de dezembro de 2011, DJe de 8 de fevereiro de 2012, concluiu que ¨partindo-se de uma interpretação teleológica da norma processual penal, em caso de crimes dolosos contra a vida, a doutrina, secundada pela jurisprudência, tem admitido exceções nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, ao determinar que a competência poderá ser do local onde os atos foram inicialmente praticados.¨

Por sua vez, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, guardião da lei federal, no julgamento do CC 34.557/PE, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJ de 10 de fevereiro de 2003, em síntese na matéria, considerou que,  no  que diz respeito ao crime de homicídio, o entendimento firmado é de que a competência, em regra, é determinada pelo lugar em que se consumou a infração, ou seja, pelo lugar onde ocorreu a morte da vítima, sendo esta passível de modificação na hipótese em que outro seja o local que melhor sirva para a formação da verdade real.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 95.853/RJ, Relator Ministro Og Fernandes, julgamento em 11 de setembro de 2012, DJe de 4 de outubro de 2012, em caso de homicídio culposo, onde a consumação ocorreu em local diverso dos atos executórios, que,  na busca da verdade real, objetivando facilitar a instrução probatória, a competência pode ser fixada no local de início dos atos executórios.

Observo a decisão surgida no CC 17.112/PR, Relator Ministro Anselmo Santiago, julgado em pela Terceira Seção, em 13 de maio de 1998, DJ de 17 de agosto de 1998, onde se diz que se o interesse do processo é a busca da verdade real, tem-se que a ação penal deve desenvolver-se no local que facilite a melhor instrução.

Anoto, que não foi de outra forma, o  que se decidiu no julgamento do CC 8.734-1/DF, 3ª Seção, Relator para o acórdão o Ministro Pedro Acioli, DJ de 20 de março de 1995.

  IV – CONCLUSÕES

 

Arremato por dizer que a orientação básica da lei é eleger situações que melhor atendam à finalidade do processo que busca a verdade real, sob rápida instrução, duração razoável do processo, pilares do devido processo legal, albergado em nossa Constituição.

Ora, se o interesse do processo deve ser a busca da verdade real, tem-se que a ação deve ser devolvida no local que facilite a melhor instrução.

Daí que, nos crimes plurilocais, a competência é fixada pelo local da ação e não pelo resultado.

Assim se a ação delituosa, objetivando matar alguém, um homicídio doloso,  se dá no Município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, e, sendo este conduzido ao Município de  Natal, capital do Estado, para um hospital, nele vem a falecer, é competente o Tribunal do Júri na  Comarca de Parnamirim, para instruir e julgar o feito.

        

 


[1] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, São Paulo, ed. Atlas, 1991, pág. 167.

[2] Para Eugênio Pacelli de Oliveira(Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 17 ª edição, pág. 261), a Lei 9.099/95 considera o lugar da infração tanto o lugar onde se praticou a conduta quanto onde se produziu ou se deveria produzir o resultado, adotando a teoria da ubiqüidade(teoria da atividade e do resultado).

[3] É conhecido o exemplo do criminoso que, na Argentina, envia uma carta-bomba para um endereço em São Paulo, no Brasil, e consegue matar a vítima, seu inimigo. A competência territorial é determinada no local onde ocorreu o resultado. E se há o contrário? A competência seria determinada pelo local, no Brasil, onde ocorreu o último ato executório.

[4] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas, 17ª edição, pág. 263.

[5] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, Salvador, Editora JusPodivum, 7ª edição, pág. 266.

[6] RT 678/379.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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