CONSIDERAÇÕES SOBRE A AVALIAÇÃO FORMATIVA E O DIREITO DO ALUNO SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO EDUCACIONAL

01/01/2020 às 23:35
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A avaliação formativa sob a perspectiva do Direito Educacional.

RESUMO

O Direito Educacional está centrado nas relações entre alunos, instituições de ensino e professores. Tal dinâmica está relacionada a uma série de vertentes. Dentre estas vertentes, está, certamente, a questão da avaliação. O presente trabalho discute questões relativas às formas de avaliação, especialmente a avaliação formativa. A avaliação que privilegia o dia-a-dia do estudante, ao contrário da avaliação classificatória que estabelece parâmetros fixos, baseados em avaliações apenas objetivas. Além deste contexto, este trabalho aborda o contexto legal, que prevê a avaliação formativa no sistema de ensino brasileiro.  

Palavras-chave: Avaliação Formativa. Direito do Aluno. Direito Educacional.

Introdução

 

O presente trabalho tem por objetivo discutir a avaliação formativa sob a perspectiva do Direito Educacional, especialmente focada no direito individual de cada aluno de ser bem avaliado. Uma das principais discussões no ensino é a forma de avaliar. Observe-se que:

Por muito tempo esta preocupação foi limitada à elaboração de uma prova final, talvez uma ou duas parciais, com número fixo de questões, às quais o professor poderia atribuir – por exemplo – notas de 0 a 10. Ao corrigir a prova, suas preocupações terminavam e – simplesmente – sua tarefa de avaliar o aluno estava restrita à atribuição dessas notas (ESPUNY, 2008).

Simplesmente atribuir notas parametrizadas pelas questões confeccionadas evita maiores discussões. Muito especialmente se tais questões apresentam respostas indubitáveis, livres de quaisquer outras interpretações, acaba representando uma ideia “justa” de avaliar. Mas, será que é isso mesmo?

Especialistas em educação passaram a acreditar que este sistema não era muito justo: talvez esta forma de avaliar pudesse medir a capacidade da memória e da expressão do aluno, mas será que são somente estes os fatores importantes para o aprendizado? Será que a frequência do aluno às aulas, o cumprimento de suas tarefas, sua efetiva participação nas aulas, também não seriam vertentes de aprendizado? Parece que sim. Parece que o aprendizado pode se desenvolver de diversas formas e um sistema de avaliação mais apropriado seria mais apto a avaliar o aluno de forma mais abrangente e isenta (ESPUNY, 2008).

 

Há outros tipos de avaliação, além da classificatória e da formativa. Contudo, em termos de comparação, as outras avaliações não estão exatamente centradas no desempenho do aluno durante certo período escolar. Por exemplo, a avaliação diagnóstica, “deve acontecer no início de cada ciclo ou ano letivo, pois assim fica mais fácil detectar os erros e planejar as atividades que serão realizadas” (DIAS, s.d.), ou seja, avalia-se o que o aluno aprendeu no passado. Outro exemplo é a avaliação cooperativa, em que “estimula o aluno a coletar evidências concretas de trabalhos e proporcionar condições para que analise, juntamente com o grupo, o processo obtido é aperfeiçoá-lo para uma convivência democrática no grupo e na sociedade” (DIAS, s.d.). Portanto, no decorrer de um período, como o período de um semestre letivo, as avaliações classificatória e formativa parecem desenvolver certo contraponto: enquanto a primeira estabelece parâmetros fixos, baseados em respostas de formulações a respeito daquilo que foi apreendido, a segunda busca avaliar o aprendizado como um processo, que não depende tão somente da memória do aluno, mas de tudo aquilo que o mesmo desenvolve para aprender: frequência nas aulas, interações com o professor e colegas, participação e confecção das atividades do dia-a-dia, dentre outros.

Desenvolvimento

 

A educação no Brasil está lastreada muito especialmente na Constituição Federal de 1988. A seção do III capítulo da Constituição, “Da Educação”, com os artigos de 205 a 214. O conteúdo dos artigos apresentam os seguintes preceitos:

  1. Artigo 204: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
  2. O artigo 206 trata de outros preceitos do ensino;
  3.  O artigo 207 trata da autonomia universitária;
  4. O artigo 208 elenca os deveres do Estado em relação à Educação;
  5. Os artigos de 209 a 2014 tratam de assuntos diversos, como o ensino e a iniciativa privada, os conteúdos mínimos para o ensino fundamental, dentre outros.

As diretrizes gerais estabelecidas na Constituição Federal tomam certa concretude nos parâmetros estabelecidos na chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, ou seja, a lei federal 9394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996).

Dentre os diversos aspectos abordados pela citada lei, observe-se o artigo 24, inciso V estabelece os critérios para a avaliação:

V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

 

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;

VI - o controle de frequência fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação;

VII - cabe a cada instituição de ensino expedir históricos escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis.

§ 1º  A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017           (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017).

§ 2o  Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, adequado às condições do educando, conforme o inciso VI do art. 4o. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017).

 

O ponto aqui observável refere-se exatamente ao item a: “avaliação contínua e cumulativa”, centrada em aspectos qualitativos e quantitativos que serão prevalentes aos resultados de “eventuais” avaliações finais. Portanto, a letra da lei parece se inclinar para uma avaliação formativa.

Contudo, apesar desta diretriz, não parece o que efetivamente ocorre tanto na educação básica quanto na educação superior. É absolutamente comum observar os alunos se baterem pela obtenção de notas meramente contemplando seus resultados objetivos.

Para o devido reconhecimento do contemplado no item explicitado da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, contemporiza Martins (2001):

A rigor, a avaliação contínua e cumulativa é exatamente para nos convencer que uma nota não deriva de uma eventual prova mensal, bimestral ou semestral. A nota, quando existe, resulta de processo de aprendizagem, em que, a partir de um pacto de convivência entre professor e aluno, define-se a avaliação, satisfatória ou insatisfatória. A avaliação insatisfatória não significa reprovação com conotação de promoção ou decesso.

 

É forçoso reconhecer que, resguardadas eventuais exceções, é uma realidade distante. Observe-se que a LDB é de 1996.

Talvez um problema que representa um obstáculo para a efetiva implantação de um sistema de avaliação formativa entre os professores de diversos níveis seja o tempo necessário para que tal avaliação se concretize. O período de aulas, o cumprimento do programa e, talvez, hábitos já arraigados não permitam inovações. Hoffman (2013) lembra que há premissas que lastreiam a avaliação formativa:

Todo o processo avaliativo tem por intenção:

a) observar o aprendiz;

b) analisar e compreender suas estratégias de aprendizagem; e

c) tomar decisões pedagógicas favoráveis à continuidade do processo.

 

Considerando tais premissas, há toda uma preocupação com o dia-a-dia, centrado na observação de tudo aquilo que o aluno desenvolve, além da preocupação com as estratégias a serem utilizadas, bem como o reforço das decisões que privilegiam tais vertentes. Mas, como fazer isso com classes de dezenas de alunos?

Além deste questionamento, que enseja a impossibilidade de dar cumprimento a esta forma efetiva de avaliação, ainda enfatize-se o fato do professor não compreender o aluno como o maior interessado deste contexto. Camargo e Mendes (2014, pp.46-47):

Diante desse desafio, a avaliação educacional ganha um destaque especial, pois, ao mesmo tempo em que ela pode exercer uma função emancipatória, transformadora e democrática e assim assegurar os princípios mencionados, em seu outro extremo, pode exercer uma função completamente diferente: autoritária, excludente e perversa.

 

Portanto, o que está explicitada em lei, a avaliação formativa, encontra obstáculos para a sua efetiva implantação em função de problemas relacionados a:

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- Dinâmica atual do que é praticado atualmente;

- Treinamento das partes envolvidas (tanto dos educadores, quanto dos alunos);

- Adaptação das instituições de ensino a essas perspectivas.

Apenas para ilustrar, Wink Filho (2016, p.36) lembra das práticas numa instituição de referência no ensino técnico, do Estado de São Paulo, o Centro Paula Souza:

Embora nas escolas do Centro Paula Souza a prática formativa de avaliação seja institucionalizada, consigo perceber uma certa resistência por parte de alguns colegas docentes na aplicação dessa prática avaliativa, seja por entender que a maneira tradicional é a correta, por questões autoritaristas ou até mesmo pelo aumento da carga de trabalho diário que esse método demanda. No entanto os resultados, em sua grande maioria, são satisfatórios e permitem aos alunos maior transparência da maneira pela qual estão sendo avaliados e, principalmente que sejam utilizadas alternativas para que o progresso intelectual do aluno ocorra de forma autônoma.

 

O estabelecimento da avaliação formativa envolve na superação de diversos obstáculos e deve ser um objetivo permanente de professores, instituições e, devidamente motivados, também os maiores interessados, os alunos.

 

Conclusão

 

A avaliação formativa, prevista em lei, demonstra ser a forma mais justa de avaliar um estudante tanto no ensino básico, como no ensino superior.

Parece ser justa porque leva em conta o acompanhamento individual do aluno, seu desempenho no transcorrer das aulas e de outras atividades, visando compreender o aprendizado de forma sistêmica.

Há dificuldades na implantação deste sistema: tais dificuldades estão relacionadas à efetiva participação de instituições, professores e alunos. A falta de habitualidade destas práticas e o treinamento adequado de todas as partes deve ser um objetivo permanente.

Um ponto deve ser levado permanentemente em conta: se está prevista em lei, certamente não deixa de ser um direito do aluno. Talvez seja esse um ponto de preocupação central do Direito Educacional Brasileiro.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Legislação. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 26 nov. 2019.

BRASIL. Legislação. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 26 nov. 2019.

CAMARGO, Clarice Carolina Ortiz. MENDES, Olenir Maria. O Trabalho Pedagógico e a Avaliação Formativa: Uma Dupla Indissociável em Prol da Aprendizagem.2014. Disponível em: www.seer.ufu.br/index.php/olharesetrilhas/article/download/37075/19627. Acesso em: 28 nov. 2019.

ESPUNY, Herbert Gonçalves. O Desafio de Avaliar Bem no Ensino Superior. Disponível em: https://www.webartigos.com/artigos/o-desafio-de-avaliar-bem-no-ensino-superior/4797. Acesso em 07 de dez. de 2019.

HOFFMAN, Jussara. Avaliação Formativa ou Avaliação? Publicado em 31/10/2013. Disponível em: https://pedagogiaaopedaletra.com/avaliacao-formativa-ou-avaliacao-mediadora/. Acesso em: 27 nov. 2019.

MARTINS, Vicente. A Avaliação Escolar à Luz da Lei 9.394/96. Publicado em 04/06/2001. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/396/A-Avaliacao-Escolar-a-Luz-da-Lei-9394-96. Acesso em: 27 nov 2019.

WINK FILHO, Júlio. Avaliação formativa, mediadora e operacional. Alternativas para a Avaliação da Aprendizagem. Monografia (Especialização Lato Sensu em Formação de Professores com Ênfase no Magistério Superior) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, IFSP, 2016.. Orient: Profa. Dra. Marli Amélia Lucas de Oliveira.

 

Sobre o autor
Herbert Gonçalves Espuny

Doutor pela Universidade Paulista - UNIP, com pesquisa específica na área de Inteligência. Mestre na área interdisciplinar Adolescente em Conflito com a Lei, pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Administrador, registrado no CRA-SP. Bacharel em Direito. Corregedor, na Controladoria Geral da Administração, Governo do Estado de São Paulo. Professor universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Originalmente, artigo apresentado ao curso de pós-graduação em Direito Educacional, na UCAN_PROMINAS, em dezembro de 2019.

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