A voz da defesa

05/01/2020 às 05:46
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A banalização dos princípios regidos pela Constituição Federal. A defesa cada vez mais sem voz para defender seus clientes, a relevância das testemunhas de acusação e descrédito das testemunhas defesa.

O depoimento de vítimas e testemunhas é primordial para a devida elucidação de um fato criminoso ocorrido, entretanto, será que a defesa daquele (a) que está sendo imputado tal delito, dispõe do mesmo valor da palavra da vítima e realmente possui ampla defesa no interrogatório? O Ministério Público, muitas vezes recebe um Inquérito frágil para que seja realizada a respectiva denúncia e a realiza, porém este não deveria ser o órgão fiscalizador e não somente acusador, vale lembrar que “os homens grandes também erram”. Pois bem, não podemos deixar de lembrarmos, que toda vítima de um delito, deseja encontrar o indivíduo que praticou o ato, em outras palavras, todo crime praticado, o que todos almejam, é encontrar o culpado, seja a vítima ou o responsável do Inquérito Policial. Ocorre que em diversos casos de crimes como o roubo, por exemplo, há um indivíduo (ou diversos) qual praticou o ato delituoso contra a vítima, porém em seu depoimento a vítima reconhece o agente, o problema é que seu reconhecimento muitas vezes se da por fotos e dias depois do fato ocorrido, geralmente reconhecem o indivíduo com a certeza em torno de uns 70 por cento, e um grande detalhe é quando o indivíduo estava utilizando touca ninja\máscara e mesmo assim alguém é reconhecido pelo suposto crime e em seguida indiciado, sofrendo constrangimentos de ser interrogado diversas vezes, se não decretar-lhe uma prisão provisória ou preventiva para este sendo, portanto, muitas vezes inocente. Entre esses reconhecimentos, muitos casos o Ilustríssimo Delegado ou Inspetor, já tem algumas fotos de indivíduos suspeitos, e de certa forma acabam por instigar a vítima a formalizar o reconhecimento. Já está ultrapassado os fundamentos para as investigações com o parâmetro Modus Operandi, todo criminoso habitual faz uso dos mesmos meios para alcançar seu objetivo. De acordo com o professor Carlos Alberto Elbert: “ O saber comum ou popular está ligado estritamente a experiências práticas, generalizadas a partir de algum caso; nesse sentido, poderia ser-lhe atribuída uma metodologia empírico-indutiva”[1] O autor nos mostra que fatos ocorridos da mesma forma são generalizados, portanto ocorre o chamado modus operandi para os delitos, como se todo crime praticado em uma determinada região seja o mesmo delinquente. Garantia da ordem pública O critério utilizado para a aplicação da prisão preventiva ou temporária. Que ordem pública é essa? A repercussão que a mídia causou?! Se o réu está preso, tem que pagar com o sofrimento do cárcere, mas ele deve receber do estado o que ele não fez, respeitar a norma. Um processo crime havendo homicídio (artigo 121, CP), por exemplo, “qual indicativo que abala a ordem pública, principalmente econômica, se não houver ameaça do paciente com testemunhas, ou seja não há fundamentação idônea. O Juiz fundamenta o motivo do réu permanecer encarcerado com o argumento do abalo a ordem pública e após apenas reitera os despachos anteriores, não respeitando a norma para manter alguém preso, fundamentando (reiterando) apenas em despachos anteriores” [2] Os advogados criminalistas estão sendo confundidos com seus clientes, principalmente nos casos em que a mídia acompanha, a sociedade não entende que o papel deles neste cenário é que se tenha um processo justo seja o réu culpado ou não. Todavia, como fica a palavra da respectiva defesa?! Se o réu possui maus antecedentes, consequentemente permanecerá encarcerado, o que não é motivo, ainda assim, existem diversos casos como este. Desse modo, como o indivíduo conseguirá sua dignidade de volta se for mantido preso durante a instrução criminal, e, pior ainda, se for absolvido, quem devolverá seu tempo perdido, sua família dilacerada, podendo até mesmo sofrer com diversos tipos de doenças contraídas dentro do cárcere. Outrossim, as penitenciárias fomentam o crime, não há necessidade de manter um primário, ou um agente que praticou um crime sem grave ameaça agrupado com as facções, pois, alguma ele terá que escolher, bem como vai dever favores e quando sair, a sociedade irá criar o rótulo de presidiário, muito difícil alguma empresa o contratar, ou seja, muito provável que irá praticar crimes para a sua subsistência e sustento de sua família. Já superamos a teoria do etiquetamento que a sociedade estabelecia, todos possuem o direito de recomeçar, mas o fato aqui se trata da forma degradante que o indiciado sofre, a maneira em que a defesa não é ouvida torna o indivíduo se culpado menos arrependido e aquele que inocente é, um novo criminoso diante da sociedade. As prisões se transformaram em fábricas de criminosos. O que era exceção, virou regra, prende-se primeiro, depois verifica-se as circunstâncias e fatos concretos, bem como materialidade e indícios suficientes de autoria, a mídia precisa de uma resposta, a sociedade precisa ver prisões, pois bem, o estado não deixará de cumprir seu devido papel deixando de prender, a sociedade está repudiando seja culpado ou não, basta ser encarcerado. Posto isso, o indivíduo será prejudicado pelo próprio estado ao sair do cárcere, não obtendo ressocialização e voltando a sua rotina será rotulado de bandido. Toda defesa é digna, vale ressaltar que o advogado criminal não está defendendo “um crime” e sim as garantias do processo justo e legal ocorrendo diversos dissabores pela “criminalização cultural” onde rotulam a defesa como defensor de crimes. Da gravidade abstrata do delito Ora, sabemos que a maioria delitos com manutenção da prisão preventiva são considerados graves, embora não se tenha a certeza de que o suspeito é realmente culpado, a prisão por via de regra deveria ser exceção, como já dito. Se houver alguma desconfiança, mesmo que seja sem evidências fundamentadas, decretam prisões, está claro em nossa Constituição Federal que todo indivíduo é inocente até provar o contrário, mas na prática o cárcere vem primeiro para depois ter a certeza da culpabilidade e o réu que prove sua inocência, havendo uma inversão de valores. Há casos em que criminosos são frios e sabem comportar-se diante de um interrogatório, por exemplo, fazendo acreditar que é inocente, como há indivíduos que sobre a pressão que sofre no interrogatório fala algo equivocado e a Delegacia precisa solucionar o respectivo caso logo, a coação que o indivíduo sofreu o faz ser culpado. Algumas Delegacias fabricam culpados para dar um fim no caso e mostrar para a sociedade que foi solucionado, sem analisar minuciosamente. Testemunhas Há um excesso de confiança nas testemunhas de acusação e desconfiança nas testemunhas de defesa. Os depoimentos das testemunhas de defesa geralmente conhecem o réu, o que faz o juiz não dar credibilidade, já as de acusação de fato não conhecem o indivíduo, não são pessoas próximas do Ministério Público, nem do réu. Devido processo legal; ampla defesa e contraditório transformaram-se em ficções. Pessoas são indiciadas sem relevante fundamento, comum nos dias atuais o critério de informações anônimas para prender, Ministério Público elabora a denúncia e muitos sequer sabem do que estão sendo acusados. O juiz considera isso para valorizar os depoimentos das testemunhas de acusação, desconfiando das testemunhas de defesa, por conhecer o réu. [3] Conforme Súmula 718 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”. Ou seja, percebemos novamente que nos autos dos processos penais que tramitam, o fundamento da decretação da maioria (quase todas) prisões preventivas se motivam pelo copia e cola “garantia da ordem pública e/ou econômica”. A busca pela verdade real A verdade real deve ser buscada, mas com limites e garantias do suposto acusado, porém, na prática quando há a busca da verdade real, ela é arbitrária e sem limites ou então esquecida. Observamos um processo penal baseado em ódio e extermínio do inimigo, não há garantias, presunção da inocência e a própria dignidade do ser humano. Nossa precariedade civilizadora está estarrecida cada vez mais. Dispondo de um mau antecedente, o indivíduo será etiquetado como réu e muito provável que culpado. A defesa está cada vez mais ineficaz para elucidar os fatos, pois a prioridade de oitivas de testemunhas sempre beneficia de algum modo o Ministério Público, o cerceamento de defesa é notável em diversos casos, pois, produzem culpados. Sabemos que o judiciário é lotado de casos para resolver, porém acaba por ser inerte em diversas situações, e estamos falando de seres humanos que estão privados de sua liberdade, a inércia do judiciário para analisar cuidadosamente a falta de justa causa nos processos evitaria muitas prisões arbitrárias e crimes para ser resolvidos, há casos que absolvição é uma obrigatoriedade. Conforme o professor Alessandro Baratta: “ Na verdade, esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira do criminosa”.[4] O tempo não para, e nesse sentido a demasia no excesso de prazo prejudicando o réu, há inércia do judiciário para o termino da instrução criminal, por maior complexidade do caso (fundamentação comum) a regra é responder em liberdade o caso em tela. No decorrer de algum tempo pode ser que não estejam mais elencados os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal para a manutenção da prisão preventiva, mas como dito antes, os pedidos da defesa diversas vezes restam rejeitadas. Por fim, resta demonstrado que a defesa dos indiciados está cada vez sem voz, esqueceram que o advogado é indispensável e que ainda existem princípios regidos pela Constituição Federal, como os mais conhecidos, sendo a ampla defesa e contraditório, ademais tais princípios devem iniciar desde o momento em que há interrogatórios nas Delegacias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1]ELBERT, Carlos Albeto. Novo manual básico de CRIMINOLOGIA. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 284 p. Tradução Ney Fayet Júnior. [2] SUSTENTAÇÃO oral em Habeas Corpus. Realização de Ércio Quaresma Firpe. Tj/minas Gerais: Canal Youtube, 2018. (0858 min.), youtube, son., color. Canal Ércio Quaresma Firpe. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2018. [3] TALON, Evinis. Por que as testemunhas da acusação valem mais que as da defesa? 2019. Disponível em: . Acesso em: 4 jan. 2020. [4] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do Direito Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013. 254 p. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Jhenifer Mendonça “É preciso que a justiça criminal puna, em vez de se vingar” (FOUCAULT)

Sobre a autora
Jhenifer Mendonça

Graduanda em direito, efetuo diligências em geral , bem como presto serviço como preposta.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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