A FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
Rogério Tadeu Romano
I – O HISTÓRICO
Através do Decreto nº 848, de 11 de novembro de 1890, foi introduzida, na aurora da República, a fiscalização judicial de constitucionalidade das eles dentro do que se chamou de modelo norte-americano. Era uma fiscalização difusa, concreta e incidental.
Tinha-se pela Constituição de 1891, a primeira da República, que das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haveria recurso para o Supremo Tribunal Federal quando, questionada a validade ou a aplicação dos tratados e leis federais, a decisão fosse contra ela, e quando, questionada a validade das leis ou de atos de Governos estaduais em face da Constituição e de leis federais, a decisão fosse considerar válidos esses atos ou essas leis(artigo 59, § 1º). E competiria aos juízes ou tribunais federais processar e julgar as causas em que alguma das partes fundasse a ação ou a defesa em disposição da Constituição Federal(artigo 60, alínea a).
Com o fim da República Velha, após a guerra civil envolvendo a União Federal e São Paulo, em 1932, foi editada a Constituição de 1934, que incluiria o Brasil dentro de um sistema de controle concentrado(um sistema de concentração). Por um lado, para que pudesse haver intervenção da União, nos Estados para assegurar a observância de princípios constitucionais fundamentais a execução de leis federais, teria a Corte Suprema, mediante a provocação do procurador-geral da República de declarar a constitucionalidade de ato que a decretasse(artigo 12,§2º). Por outro lado, quando a Corte Suprema declarasse inconstitucional qualquer disposição da lei ou ato governamental, o mesmo procurador-geral comunicá-lo-ia ao Senado(artigo 96). Tal remédio constitucional foi mantido pela Constituição de 1946, após o convívio do Brasil com a ditadura, durante a Constituição de 1937, como se viu do artigo 8º, parágrafo único, e 64).
A Constituição de 1934, mantendo as regras do critério difuso da Constituição de 1891, em seu artigo 76, "a" e "b" trouxe 3(três) inovações importantes: a ação direta de inconstitucionalidade interventiva(artigo 7º, I, "a" e "b"), a regra de que só por maioria absoluta de votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público(artigo 179) e a atribuição ao Senado Federal da competência para suspender a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva.
Passo importante foi dado, já sob a égide da Constituição de 1946, com a edição da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, no governo de Castelo Branco(já com a ditadura militar), ao adicionar um mecanismo de fiscalização abstrata; a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual encaminhada pelo procurador-geral da República perante o Supremo Tribunal Federal(nova alínea K) do artigo 101, inciso I, da Constituição de 1946, formalmente ainda mantida em vigor. E ele passou para a Constituição de 1967(artigo 114-I, alínea I); artigo 119 – I, alínea l) após a Emenda Constitucional nº 1/69.
Veio, com a redemocratização, a Constituição de 1988 que trouxe um grande acervo de meios para a garantia de constitucionalidade.
II – O SISTEMA DE CONTROLE COM A CONSTITUIÇÃO-CIDADÃ DE 1988
Tem-se aqui os seguintes remédios constitucionais:
- Fiscalização concreta a cargo de todos os tribunais(artigo 97da Constituição);
- Julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de recursos extraordinários de causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivos da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição(artigo 102, III), continuando a ter o Senado Federal o poder de suspensão de lei declarada inconstitucional(artigo 52-X);
- Em ação que respondia à transformação e ao alargamento da “representação” do procurador-geral da República vinda de 1965, fala-se na chamada ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a propor pelo presidente da República, pela Mesa do Senado Federal ou pela da Câmara dos Deputados, por Mesa de Assembleia Legislativa, pelo procurador-geral da República, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, por partido político com representação no Congresso Nacional e por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional(artigo 102, V, alíneas a), 1ª parte, e p) e 103);
- Ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal(artigos 102, alínea a), segunda parte e parágrafo segundo e 103, § 4º);
- Arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição a apreciar pelo Supremo Tribunal Federal(artigo 102, § 1º);
- Ação de inconstitucionalidade por omissão(artigo 103, § 2º);
- Mandado de injunção(artigo 5º, LXXI e 102 – I, alínea q).
Anote-se que continua, sob o regime da Constituição de 1988, a haver a representação do procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal em caso de intervenção federal, à luz do artigo 36, IV.
A arguição de preceito fundamental foi regulamentada pela Lei nº 9.883, de 3 de dezembro de 1999, que é meio de defesa de direitos fundamentais quando esgotados ou inviáveis outros meios(daí sua subsidiariedade), aproximável da Verfassungbechwerd alemã.
III – AS DECISÕES LIMITATIVAS E O EXEMPLO BRASILEIRO
Escreveu Bachof que os tribunais constitucionais, como é o caso do Brasil com o Supremo Tribunal Federal, consideram-se não só autorizados mas inclusivamente obrigados a ponderar em suas decisões, a tomar em consideração as possíveis consequências destas. É assim e deste modo que eles verificam se um possível resultado da decisão não seria manifestadamente injusto, ou não acarretaria um ano para o bem público, ou não iria lesar interesses dignos de cidadãos singulares, como se lê de Estado de Direito e poder público, em Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1980, pág. 15.
As chamadas decisões limitadas podem consistir em:
- Produção dos efeitos da inconstitucionalidade apenas a partir da decisão e(ou) sem repristinação da norma revogada pela norma declarada inconstitucional;
- Declaração de inconstitucionalidade, mas com suspensão de efeitos durante certo tempo;
- Declaração de inconstitucionalidade sem produção de efeitos, ou mero reconhecimento de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.
Esse último subtipo é visto, como ensinou o ministro Gilmar Mendes(Jurisdição Constitucional, pág. 202), no modelo constitucional da Alemanha.
Observe-se que, no Brasil, tem-se o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, ao ditar: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 dos seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito ou de outro momento que venha a ser fixado”.
Abre-se, no Brasil, a possibilidade daquele segundo subtipo já permitida no artigo 140, nº 5, da Constituição da Áustria, no artigo 100, n. 4, da Constituição grega, no artigo 190, nº 3, da Constituição da Polônia.
Há ainda a chamada decisão de rejeição da inconstitucionalidade que é acompanhada de recomendação ao legislador para que modifique ou substitua a norma, a chamada decisão apelativa, como ensinou ainda o ministro Gilmar Mendes, para o modelo alemão.
Nesse último caso, iriam coexistir dois juízos: de não inconstitucionalidade, ou de não inconstitucionalidade atual; e de necessidade de nova normação, ou de inconstitucionalidade no futuro. Todavia, como bem disse Jorge Miranda(Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 513), só o primeiro é juridicamente eficaz, porquanto nem sequer o decurso do prazo acarreta o automático reconhecimento de inconstitucionalidade, não há uma declaração de inconstitucionalidade a termo ou sob condição suspensiva, como ainda ensinou o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 242). E, por isso, a decisão apelativa não se confunde com a decisão de provimento proferida em fiscalização de inconstitucionalidade por omissão(a qual obriga o legislador ou torna patente a obrigação de legislar, esmo se desprovida a sanção).