Com o objetivo criar um cenário competitivo de geração e comercialização de energia elétrica no país, houve a criação de dois sistemas distintos de contratação do fornecimento de energia, em conformidade com as diretrizes do Governo Federal.
São eles: i) o Ambiente de Contração Livre (ACL), que visa o atendimento das eletrointensivas – consumidores livres – firmados por meio de Contratos de Compra de Energia no Ambiente Livre, livremente negociados e remunerados por “Preço”; e ii) o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), firmados por contratação de fornecimento de energia elétrica com a Distribuidora local, sendo remunerados por “Tarifa de Energia”, cujo valor é definido anualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para cada Distribuidora.
Em ambos os casos, incidem encargos legais do setor elétrico brasileiro, a depender do tipo de conexão utilizada. Se o consumidor estiver ligado a uma concessionária de transmissão (Chesf, Furnas, Eletronorte, etc.), e consequentemente, diretamente à rede de transmissão, deverá arcar com a “Tarifa de Uso dos Sistemas de Transmissão” (TUST), que em linhas gerais, corresponde ao custo pago às empresas transmissoras para receber e transmitir em sua rede de transmissão a energia produzida nas usinas.
Por outro lado, se o consumidor estiver ligado a uma concessionária de distribuição de energia elétrica (Coelba, Eletropaulo, Light, etc.), deverá arcar com a Parcela de Energia (TE), referente à “tarifa de energia”, além dos custos correspondestes à transmissão da energia e à manutenção do sistema de distribuição, custeados mediante “Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição” (TUSD).
Ocorre que os Estados vêm exigindo a cobrança do ICMS sobre os valores recebidos a título de TUST e TUSD, com amparo nos Convênios ICMS nºs 117/04 e 135/05. Atendendo às legislações estaduais, as Concessionárias de transmissão e distribuição de energia tem passado a destacar o ICMS sobre os valores a título de TUST e TUSD, repassando aos contratantes o respectivo ônus econômico.
Decerto, o ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal que incide sobre a circulação de mercadorias e serviços, conforme previsão do art. 155, II, da Carta Federal de 1988. Sua base de cálculo, em suma, é constituída pelo valor da operação quando da circulação da mercadoria ou pelo preço do respectivo serviço prestado.
Entretanto, face a supremacia da Constituição e a superioridade da Lei Complementar 87/96, a TUST assim como a TUSD não são hipóteses de acréscimos à base de cálculo do ICMS.
A TUST e a TUSD não são pagas pelo consumo de energia elétrica, tampouco pelo “transporte” da energia, mas pela disponibilização das redes de transmissão e distribuição de energia. Portanto, a incidência do ICMS deve se restringir ao consumo efetivo de energia, não abrangendo as tarifas TUST e TUSD.
E nem é possível se cogitar a possibilidade de se estar “transportando energia elétrica”, pois, como dito, não existe transporte (de energia) na operação – a energia é distribuída pela propagação do campo elétrico criado nas geradoras.
Seguindo esta intelecção, o Superior Tribunal de Justiça já firmou precedentes, utilizando-se, inclusive, da incidência da Súmula 166[1] do próprio STJ, que é a circulação da energia elétrica da fornecedora para o consumidor que constitui fato gerador de ICMS. Dessa forma, as tarifas de transmissão e distribuição não podem integrar a base de cálculo do mencionado tributo.
Como os Tribunais pátrios ainda não possuem uma jurisprudência consolidada e definitiva sobre o tema e a matéria tem sido objeto de divergência entre as turmas responsáveis pelo julgamento de questões tributárias no STJ, a questão foi levada à primeira seção do STJ – composta por ministros das Primeira e Segunda Turmas – para que seja pacificada e uniformizada a jurisprudência a respeito da questão.
Recentemente o Ministério Público Federal – MPF apresentou o Parecer nº 19.548/2018 – FG favorável aos contribuintes nos autos dos Embargos de Divergência no RESp 1.163.020, a ser julgado no STJ pela sistemática de recursos repetitivos. O parecer foi sentido de que o ICMS não compõem a base de cálculo da Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD. Segundo o Parecer:
“(...) merece prevalecer o entendimento, estribado em sedimentada jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não compõem a base de cálculo do ICMS a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD, tendo em vista que o fato gerador ocorre tão somente no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida; dessarte, a tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe o valor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor”.
Logo, o prognóstico, a princípio, parece bastante favorável aos contribuintes no que se refere ao deslinde final dessa questão.
A definição final acerca do tema está no julgamento dos supracitados Embargos de Divergência, e dos Recursos Especiais nºs 1.692.023 e 1.699.851, afetados como repetitivo, sob o tema 986 - STJ.
Apesar de todos os casos estarem suspensos, por ordem do ministro Herman Benjamin do STJ, relator do Recurso Repetitivo, nada impede que os contribuintes ingressem com novas ações postulando a restituição de valores indevidamente recolhidos, nos últimos 05 anos.
[1] Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.