LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONFORME E RESTRIÇÕES AO JUÍZO DAS GARANTIAS
Rogério Tadeu Romano
I – OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONFORME
É sabido pelos estudiosos que a interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada no âmbito do chamado controle abstrato das normas, como se lê da Rp 948, relator ministro Moreira Alves, RTJ 82:55-6 e ainda Rp 1.100, RTJ 115:993.
Limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição(Rp 1.454, relator ministro Octávio Gallotti, RTJ 125:997).
O resultado da interpretação conforme é incorporado, de forma resumida, na parte dispositiva da decisão.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição, conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto, como dizia Lúcio Bittencourt(O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, pág. 95), e não alterar o significado do texto informativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.
Como decidiu-se na Rp 1.454, relator Octávio Gallotti, RTJ 125:997, dentre outras decisões, a prática demonstrou que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador ou evita investiga-la, se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto.
O princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição é, como alertou J.J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4º edição, pág. 1189), fundamentalmente um princípio de controle e ganha relevância autônoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentro de vários significados da norma.
Para J.J.Gomes Canotilho (obra citada) essa formulação comporta várias dimensões: a) o princípio da prevalência da Constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só se deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programas da norma ou normas constitucionais; b) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a Constituição; c) o princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, mas “contra legem” impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma intepretação conforme a Constituição, mesmo que através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. Assim, quando estiverem em causa duas ou mais interpretações – todas essas em conformidade com a Constituição – deverá procurar-se a interpretação considerada como a melhor orientada para a Constituição.
Na lição de Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, 2ª. Edição, Coimbra, Ed. Coimbra, 1983, p..233) a interpretação conforme à Constituição não consiste tanto em escolher, dentre os vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Constituição, e sim, em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade – um sentido que, conquanto não aparente ou decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da forma conformadora da Lei Fundamental.
Ao intérprete cabe escolher a compatível com a Constituição e a regra é a conservação da validade da lei e não a declaração de sua inconstitucionalidade, como lembrou Marilda Watanabe de Mendonça(A interpretação conforme. Análise constitucional de suas peculiaridades).
Observou o ministro Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª. Edição revista, S.P., Ed. Saraiva, 2010) que há necessidade de se decompor o processo de "interpretação conforme" em 04 (quatro) elementos distintos: a) escolha de uma interpretação em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que a norma admita; b) a busca de um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta do texto; c) admissão de uma linha de interpretação e exclusão de outra (s) que não seria(m) incompatível(s) com a Constituição; d) além de mecanismo de interpretação, é um mecanismo de controle de constitucionalidade porque se declara ilegítima uma determinada leitura da normal.
A partir da lição de Lúcio Bittencourt (O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, 1968, pág. 93) , o ministro Gilmar Mendes(Jurisdição constitucional, 5ª edição, pág. 347) aduziu que os tribunais devem partir do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional.
Assim a interpretação conforme à Constituição passou a ser utilizada, igualmente, no controle abstrato das normas. Como ainda ensinou o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 347), consoante a prática vigente, limita-se o tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado conforme a Constituição.
A favor da admissibilidade da interpretação conforme à Constituição milita ainda a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na ideia de que o legislador não tenha pretendido votar lei inconstitucional, como aduziu Bittencourt(obra citada, pág. 95).
A interpretação conforme, porém, tem seus limites.
Ensinou o ministro Gilmar Mendes que “não se deve conferir a uma lei com sentido inequívoco significação contrária assim como não deve falsear os objetivos pretendidos pelo legislador".
Disse ainda o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 349) que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.
Não se pode esquecer da lição formulada pelo ministro Moreira Alves que reconheceu a interpretação conforme à Constituição, quando fixada no juízo abstrato das normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade. Disse o ministro Moreira Alves:
“Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o Tribunal – em sua função de Corte Constitucional – atua como um legislador negativo”.
Ora, o mesmo ocorre quando a Corte dessa natureza, aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Constituição, pois nessa hipótese há um caso de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, implicando dizer, como ensinou o ministro Gilmar Mendes (obra citada, pág. 352), que o Tribunal Constitucional “elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição. Concluiu o ministro Gilmar Mendes (obra citada): “Porém, a interpretação fixada, como única admissível, pelo Tribunal Constitucional, não pode contrariar o sentido da norma inclusive decorrente de sua gênese legislativa inequívoca, porque não pode Corte dessa natureza atuar como legislador positivo, ou seja, o que cria norma nova”.
Há, conforme ensinou o ministro Alexandre de Moraes(Direito Constitucional, 24ª.Ed., S.P., 2009) três espécies de interpretação conforme:
a) Interpretação conforme com redução de texto. Nesta espécie se declara a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando a partir dessa exclusão do texto, uma interpretação compatível com a Constituição. Ex. ADIN 1.127-8 ( O STF excluiu a expressão desacato do art. 7º, § 2º. do Estatuto da OAB concedendo à imunidade material aos advogados, compatibilizando o dispositivo com o artigo 133 da C.F./88.
b) Interpretação conforme sem redução de texto. Nesta espécie o Supremo não suprime do texto nenhuma expressão, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade. São exemplos: Adin 1371 ; ADI 1521-MC; AGA nº 311369/SP.
c) Interpretação conforme sem redução de texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade. Ex. ADI 1719-9 (Rel. Min. Moreira Alves)
Luis Henrique Martins dos Anjos (A Interpretação conforme a Constituição enquanto técnica de julgamento do Supremo Tribunal Federal.2006) aponta para os requisitos da aplicação da interpretação conforme a Constituição:
1) Deve ser respeitado o instituto jurídico que está em questão. Normalmente, o ato questionado vai estar envolvido com alguma matéria de um instituto jurídico, e os princípios deste instituto jurídico devem ser respeitados. Se for uma lei sobre tributos, por exemplo, o instituto dos tributos tem toda uma principiologia, implicando o respeito à natureza do instituto que está em discussão.
2) Deve ser respeitado o Princípio da Razoabilidade, isto é, há que ser uma interpretação razoável, não se podendo forçar uma interpretação. Deve ser uma interpretação auto-sustentada e sem artificialismos.
3) Também há que se respeitar o Princípio da Aplicação Restritiva, ou seja, quando houver dúvidas, não se faz à interpretação conforme a Constituição. Se houver dúvidas, o Supremo deve declarar a inconstitucionalidade
O Supremo Tribunal Federal, segundo orientação formulada pelo ministro Moreira Alves, reconheceu que a interpretação conforme à Constituição, quando fixada no juízo abstrato de normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade. Daí porque, antes da edição da Constituição, e sob a égide da Emenda Constitucional nº 7/77, entendeu-se incabível a sua aplicação no âmbito da chamada representação interpretativa(voto na Rp. 1.417, DJ de 15 de abril de 1988).
Discutiu a doutrina e a jurisprudência do STF se a interpretação conforme à Constituição haveria de ser, sempre, a uma declaração de nulidade sem redução de texto.
Em decisão, no dia 9 de novembro de 1987, o STF deixou assente que a interpretação conforme à Constituição não deve ser vista como simples princípio de interpretação, mas sim como modalidade de decisão do controle das normas, equiparável a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto(Rp. 1.417, relator ministro Moreira Alves, RTJ 126:48). Mas, o Tribunal não procedeu, inicialmente, não procedeu a qualquer alteração na parte dispositiva da decisão, que continuou a afirmar a improcedência da arguição, desde que adotada uma determinada interpretação.
Segundo o ministro Gilmar Mendes(Controle concentrado da constitucionalidade, 2001, pág. 299), as decisões proferidas pelo STF, nas ADins 491 e 319, todas da relatoria do ministro Moreira Alves, parecem sinalizar que, pelo menos no controle abstrato de normas, o tribunal tem procurado, nos casos de exclusão de determinadas hipóteses de aplicação ou hipóteses de interpretação do âmbito normativo, acentuar a equivalência dessas categorias(ADIn 491 – Medida cautelar, relator ministro Moreira Alves, RTJ 137?90; Adin 319, relator ministro Moreira Alves, DJ de 30 de abril de 1993).
Discute-se a repercussão com relação ao chamado programa normativo.
Dentro da metódica jurídica normativo-estruturante, são componentes da norma, o programa normativo e o domínio normativo. O programa normativo, como informou J. J. Gomes Canotilho(Direito Constitucional e teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 1179), é o resultado de um processo parcial de concretização assente fundamentalmente na interpretação do texto normativo. O setor normativo é o resultado do segundo processo parcial de concretização fulcrado sobretudo na análise dos elementos empíricos(dados reais, dados da realidade).
Com isso, tem-se o método estruturante, na concretização da Constituição(que se traduz num processo de densificação de regras e princípios constitucionais), que vai do texto da norma para uma norma concreta, na tentativa de descobrir uma norma de decisão.
Densificar uma norma significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especificamente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos enfrentados pelo intérprete. Densifica-se um espaço normativo (preenche-se uma norma) para tornar possível a sua concretização e a consequente aplicação de um caso concreto.
Mas uma norma jurídica adquire verdadeira normatividade quando com a “medida de ordenação”, nela contida se decide um caso jurídico, ou seja, quando o processo de concretização se completa através de sua aplicação, como anotou Canotilho(obra citada pág. 1184), ao caso jurídico a decidir: a) a criação de uma disciplina regulamentadora ; b) através de uma sentença ou decisão judicial; c) através da prática de atos individuais pelas autoridades. Com isso uma norma jurídica que era potencialmente normativa ganha uma normatividade atual e imediata através de sua passagem a norma de decisão, que regula concreta e vinculativamente o caso carecido de solução normativa. Estamos diante de uma norma de decisão.
Pois bem: ainda que se possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução do texto, a expressa exclusão por inconstitucionalidade de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto.
Como acentuou o ministro Gilmar Mendes(obra citada, pág. 301), “assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão(a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro)”.
No caso de decisão proferida na ADIn 491, tudo pareceu indicar que o STF esteve disposto a afastar da orientação anterior, que equiparava a interpretação conforme à Constituição à declaração de nulidade parcial sem redução de texto, passando-se a se deixar explícito, no caso de declaração de nulidade sem redução de texto, que determinadas hipóteses de aplicação, constantes do programa normativo da lei, são inconstitucionais, daí porque são nulas.
A lei deve ser preservada ao máximo, devendo ser expulsa do âmbito normativo, apenas, quando não houver como harmonizá-la com a Constituição.
O princípio da presunção de constitucionalidade possui duas regras, a primeira reporta que não sendo evidente a inconstitucionalidade, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; a segunda, havendo interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, deve-se optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor.
A interpretação conforme a Constituição é um método de salvamento da norma infraconstitucional, pela qual o intérprete alarga ou restringe o sentido dela, para colocá-la em consonância com a Constituição, evitando o descompasso com os preceitos da Carta Maior e a sua consequente decretação de nulidade.
Conforme Canotilho (Obra citada, 2006), a finalidade da interpretação conforme a Constituição é descobrir o “o conteúdo intrínseco da lei”.
II – UMA INTERPRETAÇÃO QUE AFRONTA AO PRECEITO FUNDAMENTAL QUE É O JUIZADO DAS GARANTIAS
Por todas essas observações, afigura-se um absurdo, com o devido respeito a noticiada tentativa de esvaziamento do juizado de garantias, consoante se mostrou no Estadão, em sua edição de 10 de janeiro do corrente ano.
Ali se disse: “O procurador-geral da República, Augusto Aras, recomendou ontem ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma série de restrições para a adoção do juiz de garantias, prevista no pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro. O memorando da Procuradoria-Geral da República (PGR) sugere que a medida não seja aplicada a processos de homicídios nem a casos relacionados à Lei Maria da Penha. O texto também recomenda que haja juízes de garantias especializados em áreas como lavagem de dinheiro e questiona se o novo dispositivo legal valerá para a Justiça Eleitoral”. Ora, qual o parâmetro para tais limitações materiais? Certamente o limite dos procuradores envolvidos nessas investigações, de forma a afastar essa formidável forma de defesa dos direitos e garantias individuais trazida pela Lei dos juizados das Garantias.
É digno de aplausos a aprovação do instituto, que já estava previsto no Projeto do Código de Processo Penal desde 2002. O tema, apesar de ser apresentado como uma novidade, nada mais é do que a bem sucedida experiência iniciada em São Paulo há mais de 30 anos, do Departamento de Inquéritos Policias (DIPO) que, obviamente, não é um mero gestor de inquéritos e, sim, um complexo que atua no inquérito velando pelo respeito à legalidade e, portanto, impedindo abusos investigatórios. Com isso, preserva-se a imparcialidade do juiz da causa, que não atuou na fase investigativa. Explicando melhor: o juiz que na fase do inquérito autoriza medidas como escutas telefônicas e ambientais, além de buscas e apreensões e prisões; ele acaba se tornando uma espécie de protagonista da própria investigação. Seu olhar e sentir fica profundamente comprometido com o que viu, ouviu e produziu. Esse juiz, quando sentenciar, não será imparcial. Ele está contaminado pela sua atuação na fase investigativa.
Coautor da emenda, o deputado Paulo Teixeira disse que o Brasil ainda é um dos poucos países que não adotou o juiz de garantias. “É extremamente oportuno e importante que aprovemos esse tema aqui hoje. É a restruturação da Justiça brasileira para garantir a imparcialidade", afirmou. Ele acrescentou que ninguém pode ser julgado por um juiz parcial. "O Parlamento inova e dá sua contribuição própria para as propostas dos dois juízes”, disse.
Pelo texto aprovado, o juiz de garantia seria um magistrado que fiscalizaria a legalidade das investigações e teria o poder impedir possíveis excessos por parte do juiz que dá a sentença. Também poderia revogar medidas cautelares, como a prisão preventiva, instrumento fundamental de Moro para fazer a Lava-Jato avançar. A prisão em flagrante, seja obrigatória ou facultativa, a ele será comunicada de imediato, devendo, no prazo legal, seja para essa forma de prisão provisória ou ainda a prisão preventiva ou temporária, ser objeto de audiência própria de custódia, no prazo de 24 horas.
Sabe-se que o Código de Processo Penal ainda não o havia adotado.Dele tampouco cogitou o Anteprojeto Frederico Marques. No Juizado de Instrução, a função da polícia se circunscreveria a prender os infratores e a apontar os meios de prova, inclusive a testemunhal. Caberia ao “Juiz Instrutor” colher as provas. Assim colhidas as provas pelo citado magistrado, vale dizer, feita a instrução propriamente dita, passar-se-á à fase do julgamento, suprimindo-se o inquérito.
O Juizado de Instrução existe em vários países da Europa. É o próprio juiz quem ouve o pretenso culpado, as testemunhas e a vítima e, enfim, quem colhe as provas a respeito do fato infringente da norma e respectiva autoria. Concluída a instrução(que na França é inquisitiva), cumpre ao magistrado(juge d’instruction) proferir decisão(equivalente à nossa pronúncia), julgando acerca da procedência ou não do ius accusationis. Se se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, remeterá os autos ao juiz competente, onde haverá lugar a audiência do julgamento.
A Exposição de Motivos que acompanha o CPP, no seu inciso IV, esclareceu as razões da negativa de adoção do juízo de instrução:
“O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade. De outro modo, não se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversos da sua zona de jurisdição, a grande distância uns dos outros e da sede da comarca, demandando, muitas vezes, com os morosos meios de condução ainda praticados na maior parte do nosso hinterland, vários dias de viagem, seria imprescindível, na prática, a quebra do sistema: nas capitais e nas sedes de comarca em geral, a imediata intervenção do juiz instrutor, ou a instrução única; nos distritos longínquos, a continuação do sistema atual. Não cabe, aqui, discutir as proclamadas vantagens do juízo de instrução. Preliminarmente, a sua adoção entre nós, na atualidade, seria incompatível com o critério de unidade da lei processual. Mesmo, porém, abstraída essa consideração, há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo a propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir‑se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo‑se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena.”
O PLS n. 156/2009 já previa a figura do chamado ¨Juiz das Garantias¨, que seria responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, em seu art. 15.
Aliás, a Exposição de Motivos no Projeto de Código de Processo Penal, em seu item III, justifica a necessidade do ¨Juiz das Garantias¨, visando a consolidação de um modelo que venha a ser orientado pelo princípio acusatório. Manter-se-ia o distanciamento do juiz do processo, responsável pela decisão de mérito, em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão de acusação. Assim, pela redação do artigo 17, daquele Projeto, ¨o juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 15, ficará impedido de funcionar no processo.¨
A Lei do Juizado das Garantias valerá para todas as persecuções penais abertas a partir de sua vigência.
Cercear um direito, por providências que afrontam o razoável é agredir a Constituição, preceitos fundamentais que nela se exercitam e se protegem. Exorbitar o limite da interpretação conforme que deve ser dada a ela.
Essa interpretação dada e noticiada pela imprensa pelo PGR é, com um devido respeito, uma forma de deslegitimar um direito fundamental.