CONCLUSÕES
Tal qual as demais ciências, o Direito sofre com as interferências dos seus pares e, também, da própria sociedade (esta como algo não racionalmente organizado), resultando em impulsos rumo a novas respostas ou a novos paradigmas a partir dos quais se trabalham as problemáticas circunscritas na seara jurídica.
A problemática enfrentada envolveu a concepção da figura jurídica do dano moral, atrelada à responsabilidade civil, especialmente como um dos três elementos de existência para a constituição do dever derivado de indenizar a vítima pelos efeitos da conduta que lhe fora nociva em sua esfera jurídica, precisamente no seu setor extrapatrimonial.
A primeira revolução ocorrida foi a mudança paradigmática na teoria geral do Direito, relativamente aos termos da relação jurídica. Antes o sistema jurídico pautava-se no personalismo ético, que reconhecia esfera jurídica, a somatória de todas as posições jurídicas subjetivas ativas e passivas, elementares e complexas, patrimoniais e não-patrimoniais, às pessoas físicas ou humanas, estendendo-se tal campo eficacial de juridicidade às pessoas jurídicas. Pautavam-se na personalidade jurídica de quem as titularizava, o que, no curso das relações sociais que recebiam a coloração do Direito, se mostrou insuficiente.
Na contemporaneidade há uma nova visão, um novo paradigma que alia as conquistas basilares do modelo juscientífico anterior com os novos anseios, é dizer, concilia como centro do sistema jurídico um gênero que contém duas espécies sobre as quais a comunidade jurídica se debruça: os sujeitos de direito são, de um lado, pessoas, entidades dotadas de personalidade jurídica, e, de outra banda, entes despersonalizados, ambas categorias a que o sistema jurídico reconhece como centro de imputação jurídica, núcleos sobre os quais gravitam as posições patrimoniais e extrapatrimoniais e, consequentemente, os setores com mesmas adjetivações, os setores patrimonial e extrapatrimonial.
O reconhecimento da secção não-patrimonial às entidades não-pessoas compele o setor da responsabilidade civil a reconceber o dano moral, que é amplamente conhecido como violação a direitos da personalidade, atributos estes que se ligam apenas às pessoas em sentido jurídico, a uma das duas espécies de sujeitos de direito.
A mudança nas estruturas (teoria geral) reflete no edifício (dano moral) e, portanto, confere uma terminologia apta a abarcar o gênero sujeitos de direito, não apenas as pessoas. Logo, ante esses influxos sociais e de parte da comunidade jurídica, ante as lentes contemporâneas, o dano moral é concebido como violação ao setor extrapatrimonial da esfera jurídica da pessoa ou da entidade despersonificada.
A partir da operação de acabamento desenvolvida em relação ao dano moral, depreende-se que há posições extrapatrimoniais titularizadas apenas por pessoas e posições de mesma qualificação titularizadas pelas duas espécies de sujeitos, impulsionando para a classificação na qual um gênero, as posições jurídicas extrapatrimoniais em sentido lato, que compreende a totalidade de direitos contidos no setor não-patrimonial, e, consequentemente, duas espécies, a primeira as posições jurídicas voltadas apenas às pessoas em sentido jurídico, os direitos da personalidade; a segunda, as posições jurídicas extrapatrimoniais em sentido estrito, que são aqueles direitos que tanto entes personificados quanto despersonificados ostentam.
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Notas
[1] A pesquisa foi realizada no site do Superior Tribunal de Justiça e constam, até 16.11.2019, 91 decisões que se valem da súmula 227, sendo que os últimos julgados são de outubro de 2019.