Operações de crédito interno (empréstimos): conceitos e limites legais

14/01/2020 às 16:53
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Aborda os conceitos e limites das operações de crédito interno (empréstimos) à luz da LRF e demais normas aplicáveis

A obtenção de empréstimo pelo Poder Executivo municipal perante instituição financeira se enquadra na definição de “operação de crédito”, que é assim conceituada pela doutrina:

A operação de crédito pode ter diversos instrumentos. De qualquer forma, constitui-se em obrigação bilateral. O ato de autorização do empréstimo pode ser unilateral, uma vez que decorre de ato típico do Estado. De outro lado, para que surja a operação, é ela contratual e necessita de vínculo bilateral. Como já esclareci, cuida-se de contrato de direito público porque: a) deve haver prévia previsão orçamentária; b) exige disposição legal específica; c) há obrigatoriedade de autorização e controle do Senado; d) necessária a finalidade pública; e) é possível alteração unilateral de determinadas cláusulas, se assim foi previsto na lei; f) há sujeição a prestação de contas; g) há inviabilidade de execução específica; h) pode ocorrer rescisão unilateral.[1]

De forma bem mais sucinta, o Glossário do Tesouro Nacional preceitua:

Operação de Crédito: Levantamento de empréstimo pelas entidades da administração pública, com o objetivo de financiar seus projetos e/ou atividades, podendo ser interna ou externa.[2]

De acordo com a Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), considera-se operação de crédito:

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

A matéria não pode ser estudada à margem de duas importantes resoluções do Senado Federal, ambas de 2001, a saber, a RSF n. 40 (que dispõe sobre os limites globais para o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em atendimento ao disposto no art. 52, VI e IX, da Constituição Federal)[3] e a RSF n. 43 (que dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização, e dá outras providências).[4]

Quando se trata de operação de crédito, é indiscutível que além de obedecer à LRF, o Município ou ente interessado deve-se subsumir aos ditames das citadas resoluções do Senado Federal. Tal fato é expressamente reconhecido pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC):

Prejulgado 1402

2. Para realizar operação de crédito, o Município deve enquadrar-se nos parâmetros estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e Resoluções n. 40/2001 e 43/2001 do Senado Federal.

A competência do Senado Federal para estabelecer limites globais e condições para as operações de crédito exsurge da própria Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), que prescreve:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal.

As citadas resoluções estabelecem uma série de requisitos que devem ser atendidos para que uma operação de crédito seja legalmente realizada. A Resolução do Senado Federal n. 43/2001, por sua vez, apresenta definição detalhada de operação de crédito, verbis:

Art. 3º Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

Parágrafo único. Equiparam-se a operações de crédito:

I - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;

II - assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito;

III - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.

Quanto ao limite de endividamento dos Municípios, a RSF n. 40/2001 estabelece que a dívida consolidada líquida (DCL) não poderá ultrapassar 120% da receita corrente líquida:

Art. 3º A dívida consolidada líquida dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao final do décimo quinto exercício financeiro contado a partir do encerramento do ano de publicação desta Resolução, não poderá exceder, respectivamente, a:

II - no caso dos Municípios: a 1,2 (um inteiro e dois décimos) vezes a receita corrente líquida, definida na forma do art. 2.

Além do limite global de endividamento do Município, é importante observar o limite de operações de crédito por exercício financeiro e o limite de comprometimento anual com amortizações estabelecidos pela RSF n. 43/2001:

Art. 7º As operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios observarão, ainda, os seguintes limites:

I - o montante global das operações realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 16% (dezesseis por cento) da receita corrente líquida, definida no art. 4;

II - o comprometimento anual com amortizações, juros e demais encargos da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a desembolsar de operações de crédito já contratadas e a contratar, não poderá exceder a 11,5% (onze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida;

III - o montante da dívida consolidada não poderá exceder o teto estabelecido pelo Senado Federal, conforme o disposto pela Resolução que fixa o limite global para o montante da dívida consolidada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Do exposto percebe-se que existem diversos condicionantes legais e contábeis para a realização de operações de crédito. Quanto aos limites, de forma resumida e sem exclusão de outros requisitos, é possível afirmar que uma operação de crédito deve obedecer ao seguinte:

a) A dívida consolidada líquida dos Municípios não pode exceder 120% da receita corrente líquida (RSF n. 40/2001, art. 3º, II);

b) O montante global das operações de crédito realizadas em um exercício financeiro não pode exceder 16% da receita corrente líquida (RSF n. 43/2001, art. 7º, I), sendo que, de acordo com o art. 34 da Lei n. 4.320/64, “o exercício financeiro coincidirá com o ano civil”;

c) O comprometimento anual com amortizações, juros e demais encargos da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a desembolsar de operações de crédito já contratadas e a contratar, não pode exceder 11,5% da receita corrente líquida.

A receita corrente líquida (RCL) é o parâmetro de endividamento utilizado pela CFRB, pelas resoluções do Senado Federal e pela LRF para o cálculo das restrições financeiras de todos os entes da Federação. Ela é utilizada como indexador básico para a imposição de diversos limites bem conhecidos do direito financeiro, tais como:

a) Limite para a despesa total com pessoal: 50% da RCL para a União e 60% para Estados e Municípios (LRF, art. 19);

b) Limite para a despesa com pessoal por Poder (subteto): 40,9% da RCL para o Poder Executivo federal; 49% para o Poder Executivo estadual e 54% para o Poder Executivo municipal (LRF, art. 20);

c) Limite prudencial: equivalente a 95% dos subtetos atribuídos a cada Poder;

d) Limite de alerta: equivalente a 90% dos subtetos atribuídos a cada Poder;

e) Contratação anual de operações de crédito: 16% RCL;

f) Pagamento anual do serviço da dívida (principal, juros e outros encargos): que não pode exceder 11,5% da RCL;

g) Oferta de garantia a outros entes federados: 22% da RCL, podendo excepcionalmente chegar a 32% (RSF n. 43/2001, art. 9º);

h) ) Celebração de operações de antecipação da receita orçamentária (ARO): 7% da receita corrente líquida (RSF n. 43/2001, art. 43).

A definição de receita corrente líquida, tão importante no âmbito das finanças públicas, é encontrada em diversos diplomas, como por exemplo:

LRF

Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:

a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da Constituição;

b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional;

c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no §9º do art. 201 da Constituição.

§ 1o Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

[...]

§ 3o A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades.

E também:

RSF n. 43/2001

Art. 4º Entende-se por receita corrente líquida, para os efeitos desta Resolução, o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:

II - nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição Federal.

§1º Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, e do Fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

[...]

§3º A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos 11 (onze) meses anteriores, excluídas as duplicidades.

§4º A análise das propostas de operações de crédito será realizada tomando-se por base a receita corrente líquida de até 2 (dois) meses anteriores ao mês de apresentação do pleito ou da documentação completa, conforme o caso.

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Por outro lado, importante destacar que receita corrente e receita corrente líquida são conceitos distintos que, por sua vez, refletem valores monetários igualmente distintos.

A receita corrente é a simples soma de todas as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes, conforme prescreve o art. 11, §1º da Lei n. 4.320/64.

Já a receita corrente líquida é o somatório das receitas correntes deduzindo-se transferências legais e constitucionais, receitas de anulação de restos a pagar, contribuições ao plano de seguridade social dos servidores (RGPS ou RPPS), valores de compensação financeira entre regimes de Previdência; receitas provenientes da compensação financeira citada no §9º do art. 201 da CRFB e os recursos reservados ao cumprimento do art. 60 do ADCT (FUNDEB).

Destaque-se ainda que a CRFB veda a realização de operação de crédito em montante superior às despesas de capital, não se permitindo seu uso para despesas correntes, como o pagamento de pessoal:

Art. 167. São vedados:

III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.

Sobre o tema, a doutrina ressalta:

O Inciso III é chamado de regra de ouro da Administração. Isso porque ele veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizações mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta. Ou seja, não é razoável realizar-se empréstimo em valores vultosos que excedam o valor das despesas de capital, pois fatalmente eles seriam para pagar despesas correntes, como folha de pagamento, contas de consumo, ou coisas dessa ordem. E ente federativo que realiza empréstimo para outras áreas que não investimento, com certeza não terá condições de quitá-lo.[5]

Em síntese, além de atender aos limites globais (120% da RCL) e por exercício financeiro (16% da RCL), a ação governamental que acarrete aumento de despesas, como é o caso da obtenção dos recursos através operação de crédito, deve sempre demonstrar adequação orçamentária, conforme exigido pelo art. 16 da LRF. Além disso, conforme previsão constitucional expressa, os recursos provenientes de empréstimos só podem ser empregados em despesas de capital e jamais para arcar com despesas correntes, como é o caso de compra de material de expediente ou pagamento de salários de servidores.

 


[1] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. 3 ed. São Paulo: RT, 2010, p. 497.

[2] Tesouro Nacional, disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br/tr/web/stn/modelo-artigo-tesouro-nacional/-/asset_publisher/8oEpbfolaHSe/content/glossario;jsessionid=fVMZAziI4x91Te+yjyyLTjvE, acesso em: 04/12/2019.

[3] Resolução do Senado Federal n. 40/2001, disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/ressen/2001/resolucao-40-20-dezembro-2001-429320-normaatualizada-pl.html, acesso em: 04/12/2019.

[4] Resolução do Senado Federal n. 43/2001, disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/ressen/2001/resolucao-43-26-dezembro-2001-429342-republicacao-132253-pl.html, acesso em: 04/12/2019.

[5] LEITE, Harrison. Manual de direito financeiro. 5 ed.Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 156.

Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

Mestre em Direito (UFSC); Especialista em Direito Público (Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (UCAM); Analista do MPSC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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