ANOTAÇÕES SOBRE O SISTEMA POLÍTICO E JURIDICO DA ESPANHA
Rogério Tadeu Romano
Com a morte de Francisco Franco, em 1975, e o restabelecimento da democracia, partiu a Espanha para a sua constitucionalização.
A Espanha passou por várias turbulências constitucionais em sua história.
Entre 1812 e 1936 sucederam-se vários reinados de diferente tendência(liberal radical, absolutista, orleanista), várias ditaduras e duas repúblicas(1873-1874 e 1931-1936), bem como várias restaurações e seis Constituições.
Em 1812 foi editada a Constituição de Cádis, destacando-se ainda a chamada Constituição de 1931. A primeira, de 1812, foi um modelo de Constituição revolucionaria liberal para a Europa latina; a de 1931, da segunda república, foi fonte de influência, sendo inspiração social, inspiradora da teoria do Estado regional e com um Tribunal de Garantias, próximo ao que veio ser o Tribunal Constitucional da Áustria.
Como se sabe, após uma sangrenta guerra civil(1936 a 1939), a Espanha passou de 1936 a 1975, por um período autoritário conduzido pelo General Franco. Dele se passaria para uma monarquia constitucional, semelhante a que existe no norte da Europa, num sistema que tem por característica um sistema democrático parlamentar. Para tanto, os marcos dessa transição foram a Lei de Reforma Política e o referendo de 1976, as Cortes Constitucionais de 1977-1978 e, por último, o referendo de 1978 de aprovação de uma nova Constituição.
A Constituição de 1978 representou tanto a consagração, ao fim de um século, de um constitucionalismo de matriz francesa quanto a abertura e novos caminhos.
Retomam-se as regiões ou comunidades autônomas(num regionalismo integral, e não parcial, como em 1931) e o Tribunal Constitucional(a que os cidadãos podem ter acesso direto através do recurso de amparo). À semelhança da Constituição italiana de 1947 e da portuguesa de 1976, introduzem-se “princípios directivos de política social e econômica” e constitucionalizaram-se os direitos dos partidos, dos sindicatos e das associações empresariais. Procurou-se instaurar um parlamentarismo racionalizado, dentro de uma monarquia parlamentar, representado na figura das Cortes Gerais, com a moção de censura construtiva de fonte na Constituição de Bonn em 1949.
O rei é o chefe de estado, símbolo da sua unidade e permanência, arbitra e modera o funcionamento regular das instituições democráticas, assume a mais alta representação do Estado Espanhol nas relações internacionais, especialmente com as nações da sua comunidade histórica, e exerce as funções que lhe atribuem expressamente a Constituição e as leis.
Corresponde ao rei:
a) Sancionar e promulgar as leis.
b) Convocar e dissolver as Cortes Gerais e convocar eleições nos términos previstos na Constituição.
c) Convocar a referendo nos casos previstos na Constituição.
d) Propor o candidato a Primeiro-Ministro e, em seu caso, nomeá-lo, assim como por fim às suas funções nos términos previstos na Constituição.
e) Nomear e separar os membros do Governo, a proposta do Primeiro-Ministro.
f) Expedir os decretos acordados no Conselho de Ministros, conferir os empregos civis e militares e conceder honras e distinções de acordo com as leis.
g) Ser informado dos assuntos de Estado e presidir, a estes efeitos, as sessões de Conselho de Ministros, quando o estime oportuno, a petição do Primeiro-Ministro.
h) O comando supremo das Forças Armadas.
i) Exercer o direito de graça de acordo com a lei, que não poderá autorizar indultos gerais.
j) Exercer o Alto Patrocínio das Academias Reais.
A bancada legislativa é composta pelas Cortes Gerais, os representantes supremos do povo espanhol. Esta legislatura é bicameral, integrada pelo Congresso dos Deputados com 350 membros, eleitos pelo voto popular com mandato de quatro anos, e o Senado, com 259 cadeiras, das quais 208 são diretamente eleitas pelo povo e 51 indicados pelos legisladores regionais e o mandato também é de quatro anos.
As Cortes Gerais exercem o poder legislativo do Estado, aprovando o orçamento e controlando as ações do governo. Como na maioria dos sistemas parlamentares, mais poder legislativo é investido na câmara baixa, o Congresso dos Deputados.
Cada câmara das Cortes Generales se reúne em recintos separados, e desempenham suas funções separadamente, exceto para funções específicas importantes, caso em que se reúnem em uma sessão conjunta. Essas funções incluem a elaboração de leis propostas pelo executivo ("o Governo"), por uma das câmaras, por uma comunidade autônoma ou por iniciativa popular; e a aprovação ou emenda do orçamento da nação proposto pelo primeiro-ministro.
O Poder Judiciário é exercido por profissionais, juízes e magistrados, e composto por diferentes tribunais, dependendo da ordem e o tipo de julgamento, a classificação mais alta da jurisdição na estrutura judicial em Espanha, é o Supremo Tribunal. O papel do judiciário é regulada pelo Conselho Geral do Poder Judiciário da Espanha cujo presidente é também o presidente do Supremo Tribunal.
Segundo o artigo 117 da Constituição da Espanha, ela se exerce em nome do povo e se administra em nome do Rei, sendo seus juízes e magistrados independentes, inamovíveis e responsáveis, estando submetidos unicamente ao império da lei.
Acentuou aqui a excepcional participação do Judiciário no modelo constitucional da Espanha, segundo Vladimir Passos de Freitas(Como se desenvolve o Judiciário espanhol).
O Poder Judiciário está organizado em carreira e é regulado pela Lei Orgânica do Poder Judicial, de nº 6, de 1º de julho de 1985, extremamente minuciosa e que regula até o funcionamento das associações. O ingresso na carreira como juiz ou promotor de Justiça é feito através de um concurso único de provas (oposición) e posterior curso na Escola Judicial, podendo durar todo o processo até 5 ano. Os que são nomeados magistrados, inclusive do Tribunal Supremo, também devem participar de curso na Escola Judicial.
O Poder Judiciário tem duas vertentes: Judicial (Juizados e Tribunais) e Administrativa (Conselho Geral do Poder Judiciário). Discute-se na Espanha a participação popular na Justiça. Nuria Belloso Martin aponta as propostas recorrentes, ou seja, Júri, ação popular e eleição de juízes (El control democrático del Poder Judicial em España, Ed. Moinho do Verbo, p. 110). Tais projetos, contudo, não avançam, porque onde foram adotados não tiveram sucesso.
Observe-se aqui a existência de uma Justiça Administrativa, algo como há na Itália e na França. O Brasil, na redação dada em 1977, em emenda constitucional, consignou o artigo 205, em verdade uma proposta de jurisdição administrativa no Brasil.
Na base da pirâmide estão os Juizados de Paz que atuam nos municípios em que não há Juizado de Instrução. Seus juízes são eleitos por uma Comissão Municipal e nomeados pela Turma de Governo (Direito Público) do Tribunal Superior de Justiça correspondente. O mandato é de quatro anos e tomam posse perante o juiz de primeira instância mais próximo. Eles decidem causas cíveis inferiores a 90 euros (equivalente a R$ 2.868,84), pequenas infrações penais e questões ligadas ao Registro Civil. Seus juízes são leigos e não pertencem à carreira judicial.
Em seguida encontram-se os Juizados de primeira instância e de instrução. Eles decidem conflitos administrativos, civis e penais. Os Juizados são especializados em Comercial, Violência Contra a Mulher, Penal, Contencioso administrativo, Social, Menores e Violência Carcerária e Social. No Juizado Penal aplica-se o sistema de Juizado de Instrução, ou seja, passa-se primeiro por uma fase de investigação conduzida por um juiz e depois pelo “juicio”, ou seja, julgamento. No Juizado Social (Trabalhista) não há recurso contra sentenças até 1.803 euros (equivalente a R$ 5.747,24). Nos municípios em que haja mais de dez Juizados se elegerá, entre os juízes, um decano que exercerá as funções de representação política e de administração, tal como o Diretor do Foro no Brasil.
Na administração da Espanha existem as províncias, que são agrupamentos de municípios, algo semelhante aos nossos Estados. As sentença dos juízes dos Juizados são examinadas, em grau de recurso, pelas “Audiências Provinciales”, que nada mais são do que um Tribunal de segunda instância provincial. Elas são órgãos colegiados e tem entre as suas atribuições presidir, por um de seus magistrados, o Tribunal do Júri e competência originária para julgar ações de anulação de laudos arbitrais.
Além de municípios e províncias, a Espanha tem também as suas Comunidades Autônomas. Elas estão previstas no artigo 143 da Constituição e constituem união de províncias limítrofes que tenha características comuns históricas, culturais e econômicas. Nas Comunidades Autônomas atuam os Tribunais Superiores de Justiça, que se dividem em Salas (Turmas ou Câmaras) Civil, Penal e do Contencioso Administrativo. Ao todo conta a Espanha com 17 Tribunais Superiores de Justiça, sendo que o presidente é eleito pelo Conselho Geral do Poder Judiciário por um período de 5 anos.
Um tribunal de grande importância, com sede em Madri, é a chamada “Audiência Nacional”. Divide-se em Salas especializadas em Penal, Contencioso Administrativo e Social, tem jurisdição sobre todo o país, julga recursos e tem competência originária em casos de delitos econômicos quando se supera a jurisdição de mais de uma Audiência Provincial. Julga também todos crimes de maior relevância, como o terrorismo, tráfico de drogas, crime organizado e de extradição.. Na área trabalhista decide ações cujos efeitos possam ter âmbito territorial superior a uma Comunidade Autônoma. No Contencioso Administrativo julga em única instância atos da Comissão de Vigilância de Atividades de Financiamento do Terrorismo.
Na cúpula do Poder Judiciário encontra-se o Tribunal Supremo, que se divide em quatro Salas: Civil, Penal, Contencioso administrativo e Social. O TS tem competência para rever recursos em matéria civil e julgar, com competência originária, ações de responsabilidade civil contra altas autoridades (v.g., Presidente do Congresso) por fatos praticados no exercício de suas funções, inclusive magistrados da Assembleia Nacional e dos Tribunais Superiores de Justiça.
Os julgamentos dos recursos de apelação nos tribunais são feitos sem qualquer publicidade, participando apenas os magistrados que discutem o recurso e deliberam sobre a decisão. Os magistrados aposentados poderão atuar como suplentes até completar 75 anos, suprindo ausências dos titulares nos julgamentos. No Tribunal Supremo após a aposentadoria são nomeados automaticamente magistrados eméritos e assumem esta função supletiva.
A administração da Justiça não é exercida pelos Tribunais, como no Brasil. Na Espanha cabe ao Conselho Geral do Poder Judiciário editar normas e regulamentos administrativos, supervisionar as Escolas Judiciais, firmas relações com as demais instituições do Estado, cuidar da cooperação judicial internacional e outras medidas assemelhadas. Ele é composto pelo presidente do Tribunal Supremo, que o presidirá, e de vinte membros nomeados pelo rei por um período de 5 anos. Entre os 20 membros 12 serão juízes e magistrados, quatro apontados pela Câmara dos Deputados e 4 pelo Senado, devendo ser pessoas com competência e mais de 15 anos no exercício de profissão jurídica. Não existe um cargo de corregedor como no Brasil, cabendo ao Conselho realizar as inspeções nos tribunais e juizados, sempre coordenadas por um magistrado de igual ou superior hierarquia. O Conselho discute a fundo a administração e bom exemplo disto são os encontros e o livro editado sobre cartórios/secretarias judiciais (Jornadas de Estudio. La Oficina Judicial: hacia um nuevo modelo, E. Paniagua e E. Alcubilla ed. Constituición y Leys).
Finalmente, há o Tribunal Constitucional, que não pertence ao Poder Judiciário, mas que exerce funções de grande importância. O TC compõe-se de 12 magistrados que atuam por um período de 9 anos, nomeados pelo rei e indicados pelo Congresso (8), pelo Executivo (2) e pelo Conselho Geral do Judiciário (2). Só o TC tem poderes para examinar a constitucionalidade das leis e, entre suas funções, entre outras, encontram-se as de julgar apelações em que se discute a constitucionalidade, os conflitos entre o Estado e as Comunidades Autônomas, adequação dos Tratados à Constituição.
A Corte Suprema da Espanha decidiu por unanimidade que o plebiscito pela independência da Catalunha foi inconstitucional.
A posição do TC, adotada por unanimidade, aceita o recurso apresentado por parte do Governo espanhol contra a norma adotada pelo Parlamento regional da Catalunha, que sustentou a convocação de consulta.
No seu recurso, o executivo enfatizava a relevância do sistema constitucional perante uma “das maiores afrontas à Constituição espanhola que pode ser concebida por um Parlamento regional, num Estado democrático e direito”
Dentro de um Estado que se aproxima de um modelo regional, não unitário, é de tamanha complexidade a divisão política formada em suas regiões autônomas, com dialetos e costumes próprios. Daí o papel do Rei de Espanha nessa união.
A Espanha está dividida em 17 comunidades autónomas: Andaluzia, Aragão, Astúrias, Ilhas Baleares, Canárias, Cantábria, Castela-Mancha, Castela e Leão, Catalunha, Comunidade Valenciana, Estremadura, Galiza, La Rioja, Madrid, Múrcia, Navarra e País Basco. No Noroeste de África, os enclaves de Ceuta e Melilla são administrados como cidades autónomas, com mais poderes do que municípios, mas menos do que as comunidades autónomas. As Ilhas Chafarinas, Peñón de Alhucemas e Peñón de Vélez de la Gomera estão sob administração direta do governo central.
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Atualmente a Espanha é governada por uma coligação de esquerda: O PSOE(Partido Socialista Operário Espanhol) e o Podemos.
Para tanto, há o presidente do Conselho de Ministros, que é vinculado a um partido majoritário e com responsabilidade política e jurídica pelos atos praticados.
A separação dos poderes, ideia fundamental no pensamento liberal, é o eixo do sistema político. Na base, a soberania nacional permite a escolha, por sufrágio universal (por todos os cidadãos maiores de 18 anos dos representantes do povo soberano nas Cortes, configuradas com base em um bicameralismo constituído pelo Congresso dos Deputados e o Senado. Ambas Câmaras compartilham o poder legislativo, se bem que existe uma preponderância do Congresso dos Deputados, o qual é, aliás, o responsável exclusivo pela investidura do Presidente do Governo, e o seu eventual cesse por moção de censura ou moção de confiança. Porém, tanto o Congresso como o Senado exercem uma tarefa de controle político sobre o Governo mediante as perguntas e interpelações parlamentares.
O Governo, cujo Presidente é investido pelo Congresso dos Deputados, dirige o poder executivo, incluindo a Administração Pública. Os membros do Governo serão designados pelo Presidente, e junto a ele, comporão o Conselho de Ministros, órgão colegiado que ocupa a cúspide do poder executivo.
O Governo responde solidariamente pela sua atuação política frente do Congresso dos Deputados, o qual, dado o caso, poderá destituí-lo em bloco mediante uma moção de censura, que necessariamente incluirá um candidato alternativo que será imediatamente investido Presidente do Governo.