A repristinação atípica da condição da ação penal do art. 129, caput e §6º, do Código Penal no âmbito da Lei Maria da Penha.

Uma nova visão da repristinação sob o ponto de vista das condições da ação nos crimes de lesão corporal contra a mulher no ambiente doméstico e familiar

16/01/2020 às 15:57

Resumo:


  • A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) não se aplica aos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar, fazendo com que a ação penal seja de natureza pública incondicionada.

  • O artigo 41 da Lei Maria da Penha exclui a aplicação da Lei nº 9.099/95 para esses crimes, restabelecendo assim a condição de procedibilidade prevista no Código Penal, ou seja, não impondo qualquer condição.

  • O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema, confirmando a constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha e a natureza incondicionada da ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa praticados contra a mulher no ambiente doméstico ou familiar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata do instituto da repristinação da condição da ação dos crimes de lesão corporal leve e culposa no âmbito da Lei nº 11.340/06.

Poucas dúvidas ainda pairam sobre a condição de procedibilidade dos crimes de lesão corporal leve - art. 129, caput - e culposa - art. 129, § 6º, ambos do Código Penal - CP - no âmbito da Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/06, contudo, necessário tecer alguns comentários sobre o que a sucessão de leis afetas ao tema proporcionou, passando muitas das vezes despercebida pelos aplicadores do direito.

Este artigo se propõe a debater a repristinação, instituto previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB - Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010 - atual nomenclatura da antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC, norma que tem como finalidade regulamentar e reger outras normas jurídicas, indicando como devem ser interpretadas, suas vigências e suas eficácias, determinando seus modos de aplicação e entendimento no tempo e no espaço.

A citada lei - na verdade um Decreto-Lei - prevê a repristinação como fenômeno jurídico em seu art. 2º, parágrafo 3º, in verbis:

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Conforme a inteligência do artigo depreende-se que a repristinação, em regra, não existe no ordenamento jurídico brasileiro e só será admitida nos casos excepcionalmente previstos em lei.

Assim, ocorre repristinação quando há uma sucessão de três leis, como se vê a seguir no esquema proposto:

Lei "B" revoga Lei "A" e Lei "C" revoga Lei "B" restabelecendo a vigência da Lei "A".

De igual modo, repristinar1 significa reconstituir o aspecto ou a forma primitiva, extirpando o que lhe foi eventualmente acrescentado; trazer de volta ao uso; fazer vigorar de novo; revalidar; restaurar.

Mas, o que isso tem a ver com art. 129, caput e parágrafo 6º, do Código Penal?

Pois bem, vamos aos fatos:

1) Com relação à condição de procedibilidade, quando o Código Penal silencia significa compreender que a ação penal é de natureza pública incondicionada por força do comando do Art. 100, caput e § 1º do Código Penal:

Art. 100. - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

Portanto, os crimes de lesões corporais prescritos no art. 129, caput e § 6º, à luz do CP são crimes de ação pública incondicionada, pois não há qualquer condição prevista para cada um deles, podendo a autoridade policial instaurar o respectivo procedimento enquanto não transcorrer a prescrição da pretensão punitiva.

Com efeito, era desta forma que se operava até a entrada em vigor da Lei nº 9.099/95.

2) Porém, em 1995 a Lei nº 9.099, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o objetivo, dentre outros, de democratizar o acesso, dar celeridade e desafogar a Justiça abarrotada de processos, previu em seu artigo 88 que os crimes de lesão corporal leve e culposa passariam a depender de representação, in verbis:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. (Gn).

A representação é uma medida despenalizante operando a decadência caso o ofendido não represente no prazo de 6 meses, e por conseqüência, a extinção da punibilidade, assim menos processos existirão p'ra terem seus méritos julgados.

Observe que a redação do Código Penal continuou inalterada, ou seja, à luz do que consta no texto daquele diploma legal os crimes continuam como de ação pública incondicionada, mas, que pelo critério de solução do conflito aparente de normas, passaram a ser corretamente de ação pública condicionada à representação, eis que a Lei nº 9.099/95 é lei especial para os crimes a partir de então nominados como de menor potencial ofensivo, prevalecendo a norma especial sobre a norma geral como prescreve o brocardo jurídico Lex specialis derogat legi generali.

3) Na seqüência, entrou em vigor a Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340/06 - que no seu art. 41. prevê que não se aplica a Lei nº 9.099/95 aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Ora, o que pretendeu o legislador foi não dar aquela sensação de impunidade quando o agressor, após assinar um Termo de Compromisso de Comparecimento em Juízo, fosse posto em liberdade, cabendo à autoridade policial lavrar tão somente o Auto de Prisão em Flagrante Delito e não o Termo Circunstanciado.

Por conseguinte, se não se aplica a Lei nº 9.099/95, por óbvio que o art. 88. da citada lei não pode ter qualquer eficácia nos crimes de lesões corporais leves e culposas no âmbito da Lei Maria da Penha, restabelecendo assim, para os efeitos desta, a condição de procedibilidade prevista no Código Penal, ou melhor, não impondo qualquer condição, pois, os crimes, in casu, são de ação pública incondicionada, assim como já eram antes da entrada em vigor da lei que criou os juizados especiais.

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Apesar de alguma confusão que isso gerou tão logo entrou em vigor a lei de proteção à mulher vítima de violência, o Supremo Tribunal Federal - STF já se posicionou sobre o tema, assentando a constitucionalidade do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 - ADC Nº 19 de 2012 - e a natureza incondicionada da ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa praticados contra a mulher no ambiente doméstico ou familiar - ADIN Nº 4.424 de 2012, que deu interpretação conforme ao Art. 16. da citada lei.

Assim, para os efeitos do esquema antes apresentado, com escopo unicamente didático, o Código Penal é a Lei "A", a Lei nº 9.099/95 é a lei "B" e a Lei Maria da Penha é a Lei "C".

Daí dizer que houve uma repristinação atípica na interpretação dos artigos que tratam da condição da ação dos crimes citados para os efeitos da Lei Maria da Penha, ainda que sem previsão legal como prescreve a LINDB.


REFERÊNCIAS

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em 14 jan. 2020.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 14 jan. 2020.

BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 14 jan. 2020.

BRASIL. LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 14 jan. 2020.

REPRISTINAR. Dicionário on line. Disponível em: <https://www.google.com/search?q=repristinar&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR835BR835&oq=rep&aqs=chrome.0.69i59l2j69i57j0l2j69i60l3.1759j1j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso em 14 jan. 2020.


Notas

1 https://www.google.com/search?q=repristinar&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR835BR835&oq=rep&aqs=chrome.0.69i59l2j69i57j0l2j69i60l3.1759j1j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

Sobre o autor
Weder Grassi

Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV. Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália. Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES. Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB. Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986. Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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