NÃO HÁ ABUSIVIDADE NO REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA EM CONTRATO DE SEGURO DE VIDA

17/01/2020 às 08:27
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DO REAJUSTE EM CONTRATO DE SEGURO DE VIDA ENVOLVENDO A IDADE DO SEGURADO.

NÃO HÁ ABUSIVIDADE NO REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA EM CONTRATO DE SEGURO DE VIDA  

Rogério Tadeu Romano

Do que informa o site do STJ, em 16 de janeiro do corrente ano, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual a adoção de reajuste por idade em seguro de vida, no momento da formalização de nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso especial de segurados que pediam a anulação dos reajustes aplicados pela seguradora, a qual incluiu no prêmio um fator anual variável, conforme a faixa etária, aumentando o valor do seguro de forma que consideraram exagerada.

Eles ajuizaram ação pedindo o reconhecimento do direito à manutenção dos termos do seguro originalmente contratado, além da condenação da empresa à devolução dos valores pagos a mais. Em primeiro grau, o pedido foi julgado procedente, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento à apelação da seguradora por não verificar abuso na situação.

A matéria foi objeto de julgamento no REsp 1.769.111.

Manteve o STJ jurisprudência recorrente na matéria do que se lê abaixo:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE APÓLICE DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO DA SEGURADORA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. 1. Fixou-se na Segunda Seção do STJ o entendimento de que a prerrogativa de não renovação dos contratos de seguro de vida, bem como de alteração da cobertura contratada e de reajuste por implemento de idade, mediante prévia comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1705023/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 20/06/2018) ___________ AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. MODIFICAÇÃO DE COBERTURA E TERMOS REALIZADA DE FORMA UNILATERAL. REAJUSTE POR IMPLEMENTO DE IDADE. LEGALIDADE. POSSIBILIDADE DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA MUTUALISTA. TEMPORARIEDADE. PRÉVIA COMUNICAÇÃO. OBSERVÂNCIA. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. A prerrogativa de não renovação dos contratos de seguro de vida, bem como de alteração da cobertura contratada e de reajuste por implemento de idade, mediante prévia comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Precedente da 2ª Seção (RESP 860.605/RN). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1176448/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017).

Para o ministro Salomão, a cláusula que permite a não renovação do contrato coletivo de seguro de vida encontra-se em perfeita harmonia com o princípio do mutualismo, inerente a essa espécie de contrato. Além disso, ressaltou que, por não tratar o caso em análise de seguro-saúde ou planos de saúde, não cabe a invocação da Lei 9.656/1998 e dos precedentes referentes à renovação daqueles contratos ou mesmo das regras de reajuste dos respectivos prêmios.

Ele explicou que o artigo 760caput, do Código Civil estabelece que a apólice de seguro mencionará os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, enquanto o artigo 774 dispõe que a recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá ocorrer mais de uma vez.

Em seu voto, o relator lembrou que a atividade da seguradora se baseia em riscos, que são socializados entre os segurados, sendo o regime financeiro da modalidade coletiva de seguro de pessoas o da repartição simples – não se relacionando ao regime de capitalização, ou à formação matemática vinculada a cada participante. Nesse sentido, o ministro observou que a Quarta Turma já concluiu pela inviabilidade da simples convolação de um contrato de seguro de vida em grupo em individual para apenas um dos ex-integrantes da coletividade do seguro de grupo.

No entanto, é certo que no REsp 1376550/RS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, foi dito que a cláusula que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária, se mostra abusiva somente após o segurado complementar 60 anos de idade e ter mais de 10 anos de vínculo contratual.  

Da mesma maneira foi entendido no EDcl no AgRg no REsp 1453941/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014.

Mas a Quarta Turma do STJ posicionou-se em entendimento diverso. É o que se lê abaixo:

AGRAVO INTERNO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. EM GRUPO. CARÁTER TEMPORÁRIO. AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE RESERVA MATEMÁTICA. SISTEMA FINANCEIRO DE REPARTIÇÃO SIMPLES. CLÁUSULA DE NÃO RENOVAÇÃO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. REAJUSTE POR IMPLEMENTO DE IDADE. LEGALIDADE. POSSIBILIDADE DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA MUTUALISTA. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no recente julgamento do RESP 1.569.927/RS (DJ 2.4.2018), ratificou a orientação de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por qualquer dos contratantes, desde que haja prévia notificação da outra parte. 2. Nesse mesmo precedente, prevaleceu o entendimento de que, à exceção dos contratos de seguro de vida individuais, contratados em caráter vitalício ou plurianual, nos quais há a formação de reserva matemática de benefícios a conceder, as demais modalidades são geridas sob o regime financeiro de repartição simples, de modo que os prêmios arrecadados do grupo de segurados ao longo do período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos naquele período. Dessa forma, não há que se falar em reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, em direito à renovação da apólice sem a concordância da seguradora, tampouco à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no contrato. 3. A previsão de reajuste por implemento de idade, mediante prévia comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 22/03/2019).

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Ora, é fato inconteste que é levado pelas seguradoras a progressiva deterioração do corpo e da mente com o passar dos anos. Este fato não poupa ninguém embora afete diferentemente em velocidade e intensidade os diferentes indivíduos.

Há, por certo, diante disso que não se pode omitir o que se chama de “desvio do padrão de risco”.

Na matéria, como destacado pelo STJ, no julgamento noticiado há a lição de Luiza Moreira Petersen:

Observa-se que a técnica atuarial permite uma mensuração aproximada do risco, embora possa sofrer alguns desvios. Nesse sentido, diversas são as medidas adotadas pelo segurador para a correção e prevenção desses desvios. Entre elas se destacam: (i) a dispersão dos riscos: a seguradora deve buscar garantir riscos isolados, de modo que um evento não afete todos os segurados ao mesmo tempo; (ii) pulverização do risco: técnica através da qual a seguradora limita sua cobertura em um valor, e tudo que exceder sua capacidade é transferido a outro segurador pelo resseguro ou cosseguro; (iii) seleção dos riscos (art. 757 CC), a qual permite que o segurador elimine o fator de risco, seja excluindo a cobertura de riscos elevados (e.g. de doença preexistente à contratação), seja recusando a proposta de seguro; e (iv) a formação de reservas técnicas. (O risco no contrato de seguro. São Paulo: Roncarati, 2018, p. 114)

Esse risco atuarial impõe às seguradoras diversas cautelas de forma a enfrentar esses riscos inerentes ao contrato de seguro envolvendo pessoas com problema de saúde ou idosas.

Trago as seguintes ilações decisivas naquele julgamento que norteiam o entendimento n matéria daquilo que foi acentuado pelo relator:

“Cabe deixar claro aqui a distinção entre a perda da vida pelo segurado (sinistro), e o pagamento do capital segurado aos beneficiários (indenização), para se afastar, de plano, a tentativa de se estabelecer uma analogia com base na proximidade entre o direito à vida e o direito à assistência à saúde. Com efeito, o seguro de vida, ao contrário do que a sua denominação possa sugerir, não protege a vida, mas o patrimônio mediante o pagamento de uma indenização à família. Ainda que se considere, em seguro de vida, a cobertura do evento invalidez permanente, hipótese em que o capital segurado é destinado ao próprio segurado, não se identifica, à primeira vista, o fundamento dignidade da pessoa humana, como no caso da assistência à saúde.

A dignidade da pessoa inválida é assegurada, em primeiro plano, pela assistência social e pela previdência social, em segundo plano, pela previdência privada, de modo que o seguro de vida seria apenas um plus em relação a estes outros instrumentos de proteção da sua dignidade. Feitas essas distinções, que, a meu ver, impedem a analogia entre o seguro saúde e o seguro de vida, não se encontra no ordenamento jurídico norma que justifique uma declaração de abusividade da cláusula contratual que estatua prêmios mais elevados para segurados idosos, como forma de compensar o desvio de risco observado nesse subgrupo de segurados. Como já aludido, as seguradoras se utilizam de variados instrumentos de gestão de risco de modo que a escolha de uma ou outra técnica se insere no âmbito da liberdade contratual, a menos que exista norma em sentido contrário, como o art. 15 da Lei 9.656/1998, para os planos/seguros de Saúde. Não havendo norma semelhante no âmbito dos seguros de vida, nada obsta a que as seguradoras estabeleçam em seus contratos uma cláusula de reajuste por faixa etária, cobrando um prêmio maior dos segurados idosos, para compensar o desvio de risco verificado nessa classe de segurados. Uma vez eleita essa forma de gestão de risco, eventual revisão da cláusula para simplesmente eliminar o reajuste da faixa etária dos idosos abalaria significativamente o equilíbrio financeiro do contrato de seguro de vida, pois todo o desvio de risco dos idosos passaria a ser suportado pelo fundo mútuo, sem nenhuma compensação no valor do prêmio. Sobre a equação financeira do contrato de seguro, valho-me, uma vez mais, das bem lançadas palavras de LUIZA MOREIRA PETERSEN, litteris: É essencialmente a partir da combinação da mutualidade com a técnica atuarial que se estabelece a equação financeira do contrato de seguro, que o segurador estabelece a equação financeira do contrato de seguro, que o segurador estabelece o valor do prêmio puro, o qual corresponde à parcela necessária à cobertura dos sinistros futuros, sendo composto pelo prêmio estatístico e pelo carregamento da seguradora. Nesse sistema, em apertada síntese, uma vez constituído o grupo homogêneo de segurados e provisionado o valor esperado de sinistro, o que ocorre pela multiplicação da frequência de sinistros pelo valor médio dos sinistros, o segurador chega ao prêmio estatístico pela divisão do valor esperado de sinistro entre os segurados que compõe o grupo mutual. Na sequência, acrescentando ao prêmio estatístico o carregamento de segurança, destinado a cobrir eventuais desvios e flutuações acima da média, o segurador chega ao risco puro, à quota parte do segurado na divisão dos custos dos sinistros futuros entre os membros do grupo. (op. cit., p. 115) Como se vê nessa passagem, a equação financeira do contrato de seguro busca um equilíbrio atuarial entre o valor do prêmio e o custo dos sinistros futuros, de modo que a revisão do valor do prêmio sem a correspondente revisão do risco contratado, do capital segurado ou da técnica de gestão de risco desequilibraria o contrato, em prejuízo do fundo mútuo que assegura o pagamento das indenizações.”

E assim concluiu, no julgamento do REsp 1.816.750 – SP, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

“Com esses fundamentos, peço vênia aos eminentes colegas para aderir ao entendimento da egrégia QUARTA TURMA, no julgado acima referido, no sentido da legalidade, em tese, da cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida, ressalvadas as hipótese em que contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do "desvio de risco" dos segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva técnica para esse fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da capitalização (em vez da repartição simples), o que não é o caso dos autos.”

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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