O ressarcimento como direito e dever do segurador

20/01/2020 às 12:00
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Na edição nº 33 (julho/agosto 2019) da CIST NEWS, revista periódica do Clube Internacional do Seguro de Transporte, às páginas 28 e 29, João Carlos Folegatti listava aos segurados do seguro de transporte de carga alguns cuidados que devem tomar a fim de não terem negados seus pedidos de indenização.

Segundo o autor “a maior causa de recusas de sinistros é a inobservância à preservação dos direitos de regresso”. E essa constatação, além de correta, chama a atenção para a importância do direito de regresso, importância tal que nem os próprios seguradores podem abrir mão dele; fazê-lo, afinal, seria atentar contra o princípio do mutualismo que o sustenta, em prejuízo ao colégio dos segurados. Tanto é que Folegatti intitula seu artigo da seguinte forma: “Direito (ou dever) de regresso no seguro de transporte”.

A adequação do título se impõe e se finca no centro da análise: o ressarcimento, não obstante seja um direito, também surge ao segurador como uma consequência da lealdade que deve manter com segurados e sociedade em geral, em respeito à função social que desempenha o negócio de seguro. E intimamente ligado a um dos pilares da relação securitária em geral, esse dever não pode se restringir só ao seguro de transporte. Sua lógica atinge a universalidade dos seguros.

Sabe-se é um direito nascido da sub-rogação, previsto em lei e sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 188). A intenção aqui porém é dar destaque à elevação da busca pelo reembolso ao patamar dos deveres, até como forma de lhe valorizar a integridade em qualquer situação.

Quando se fala em ressarcimento do segurador, fala-se, primeiro, na proteção dos interesses do mútuo, com o valor recuperado vindo em auxílio de todos os segurados, e não somente do segurador; e, segundo, nos interesses da sociedade, por duas razões, dois pontos a manter e garantir: 1) a punição justa aos causadores de dano; e 2) a saúde do sistema de seguros.

Não há justiça em permitir ao causador do dano que se furte à responsabilidade por sua conduta inidônea apenas porque a vítima (o estipulando), o lesado, contratou cobertura securitária. Não existissem as figuras da sub-rogação e do ressarcimento em regresso, aconteceria exatamente isto: o causador do dano, o lesante, não responderia por coisa alguma, e sequer teria o ônus de pagar pelo seguro.

Justamente, o interesse social reside na punição de quem causou o dano, no sentimento de justiça incompatível com a impunidade do ilícito, e na expectativa, ainda que teórica, de mudança de comportamento e procedimento, motivada pela condenação judicial.

O segurador em juízo, quando deseja o ressarcimento em regresso, não busca resguardar apenas o seu interesse particular: ele é a espada e o escudo do colégio de segurados. Então, quanto maior êxito houver em sua atuação, mais os segurados serão beneficiados pela restauração da harmonia e da integridade da relação que os envolve.

Nunca é demais lembrar da importância do seguro; sua saúde é imprescindível para a boa ordenação econômica e financeira de qualquer sociedade. Muito oportuno é lembrar a frase do grande Winston Churchill, um dos maiores estadistas que já caminharam sobre a terra: “Se me fosse possível, escreveria a palavra seguro no umbral de cada porta, na fronte de cada homem, tão convencido que estou de que o seguro pode, mediante um desembolso módico, livrar as famílias de catástrofes irreparáveis”.

E o seguro só pode livrar as famílias de catástrofes semelhantes porque leva também em consideração o êxito potencial de cada ressarcimento, de tal modo que, fosse esse detalhe abstraído, muito provavelmente se poderia igualmente excluir da sentença, por dever de sinceridade, o “desembolso módico”. E os custos, repassados aqui e ali, trariam um encarecimento vertiginoso ao mercado.

Como se pode ver, o tema transcende em muito os pontos de vista normalmente adotados para analisá-lo.

O ressarcimento age, pois, como um mecanismo valioso de calibragem das relações sociais e uma poderosa ferramenta do Direito, já que, com a pacificação da sociedade e a punição justa do causador de dano, contribui para manter estável um negócio cuja importância não se discute e cuja estabilidade se objetiva acima de tudo.

Numa sociedade como a contemporânea, marcada pelo signo dos riscos, e em que a cada dia se trabalha melhor o conceito do direito de não se ver lesado (a ponto de parte da doutrina considerar a possibilidade de responsabilização por potencial chance de causar dano), é imperiosa a defesa da amplitude e da magnitude do ressarcimento em regresso.

Evidentemente, não é com a finalidade de colocar mais um peso nas costas do mercado segurador que se reconhece aqui um dever em buscar ressarcimento. Longe disso. O mercado já os suporta aos montes, vários realmente injustos, nascidos de uma incompreensão do negócio de seguro, e não raro provenientes de visões estereotipadas, e invariavelmente equivocadas, do que é ser segurador e qual é o seu papel.

Esse ponto merece ênfase para reafirmar a seriedade e a integridade da busca regressiva. Nenhum segurador a pleiteia sem convicção de sua justeza, ao menos em princípio.

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Uma observação sobre justeza também deve aqui ser feita: também não há qualquer razoabilidade em mutilar o valor a se ressarcir. Se um segurador paga “x” quantia por um sinistro, há de receber não menos que “x”; não há limitá-la ou esvaziá-la. Com a sub-rogação a dinâmica jurídica inicial adquire um contorno maior, mais amplo, delineado pelos postulados do Direito do Seguro, não sendo oponível ao segurador sub-rogado nenhuma norma que exclua ou limite a responsabilidade do causador do dano.

Com a identificação do dever no ressarcimento em regresso enfim se compreende que, salvo por erros de avaliação, as negativas de indenização àqueles que desrespeitam o ressarcimento não se devem ao capricho dos seguradores. Fundam-se no ser mesmo do negócio de seguro, no bem comum aos segurados e à sociedade, dando mostras da importantíssima função social que exerce.

Por isso há de se fazer todo o esforço para preservá-lo. Isso deve ser observado inicialmente pelos protagonistas do negócio de seguro, seguradores, segurados, corretores de seguros, comissários de avarias, reguladores de sinistros; e, logo na sequência, pelo Poder Judiciário, sempre que instado a julgar uma negativa de pagamento de indenização ou, no contexto da sub-rogação do segurador, um pleito de ressarcimento em regresso contra o causador do dano. Pois é na proteção do ressarcimento do segurador que melhor se encontram os valores da ordem moral e as consequências desastrosas da incompreensão jurídica.

O autor é advogado com atuação em Direito do Seguro, sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, parceiro de SMERA-BSI, mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro pela Universidade de Salamanca (Espanha), membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência, diretor jurídico do CIST, membro da AIDA e do IASP, presidente do IDT, colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna de Santos, autor de livros jurídicos de Direito do Seguro e de Direito dos Transportes.

Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

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