UMA PORTARIA NÃO PODE AFRONTAR OS LIMITES LEGAIS
Rogério Tadeu Romano
Observo a seguir reportagem do jornal O Globo que foi publicada no dia 18 de janeiro do corrente ano:
“O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu ontem a portaria do ministro da Justiça, Sergio Moro, que aumentava as prerrogativas de atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A portaria, publicada em outubro do ano passado, autorizava a PRF a participar de operações conjuntas com o Ministério Público, Receita Federal e demais órgãos vinculados ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp). A decisão de Toffoli atendeu a um pedido de medida cautelar da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), apresentada em dezembro. No pedido, a associação alegava que a portaria estendia à PRF competências exclusivas de polícia judiciária e “inerentes à atividade da Polícia Federal”, ao abrir brechas para a realização de investigações. O presidente do STF aceitou os argumentos e concedeu a medida cautelar, derrubando a portaria de Moro. De acordo com Toffoli, a mudança por portaria é inconstitucional porque qualquer alteração só poderia ser feita através de projeto de lei apreciado pelo Congresso, já que as atribuições da PRF estão dispostas na Constituição. “A pretexto de estabelecer diretrizes para a participação da Polícia Rodoviária Federal em operações conjuntas nas rodovias federais, estradas federais e em área de interesse da União, o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública incursionou por campo reservado ao Congresso Nacional. As atribuições da Polícia Rodoviária Federal devem ser veiculadas não em portaria, mas em lei, nas acepções formal e material, como se infere da Carta Maior”. A portaria de Moro estabelecia diretrizes para que a Polícia Rodoviária participasse de operações nas “rodovias federais, estradas federais ou em áreas de interesse da União”. Segundo o texto, “as operações combinadas, planejadas e desencadeadas em equipe poderão ser de natureza ostensiva, investigativa, de inteligência ou mistas, e serão executadas nos limites das respectivas competências dos órgãos integrantes do Susp”. O pedido da ADPF questionou a possibilidade de atuação da PRF justamente em “áreas de interesse da União”. Segundo o pedido da associação, a prerrogativa da PRF é , exclusivamente, de patrulhamento das rodovias. Na decisão, Toffoli concordou com os argumentos apresentados. “De se ver que, por definição, a Polícia Rodoviária Federal deverá exercer atividades de fiscalização, operação e policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento exclusivamente nas rodovias federais. A previsão de atuação da Polícia Rodoviárias Federal em área de interesse da União extravasa o conceito de policiamento ostensivo de trânsito do sistema federal de viação”.”
Correta a decisão do presidente do STF uma vez que foram extrapolados pelo ato do ministro da justiça os limites da portaria.
Necessário estudar a natureza jurídica da portaria diante da lei.
Como bem ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pág. 337):
“Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que á não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta”.
Na lição de Paulino Jacques(Curso de Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, pág. 81), as instruções, normas típicas secundárias, dispõem, em geral, sobre a execução dos serviços públicos ou de normas legais ou regulamentares. Daí tem-se a lição de Carré de Malberg de que as instruções só produzem efeito “no interior do serviço, porque se originam do serviço e se editam em virtude das relações que o serviço engendra entre chefes e subalternos”(Teoria general del Estado, tradução de J. L. Degrete, México, 1948, pág. 605, n. 224), não obrigando assim os particulares.
Em verdade, com relação a portarias, há regras dadas às autoridades públicas, prescrevendo-lhes o modo por que devem organizar e pôr em andamento certos serviços.
Assim a revisão de uma norma legal não pode ser feita por portaria.
As atribuições da Polícia Rodoviária Federal devem ser veiculadas não em portaria, mas em lei, nas acepções formal e material, como se infere da Carta Maior.
Mera portaria de Ministro de Estado não tem a envergadura normativa para ampliar as atribuições da Polícia Rodoviária Federal, estando evidenciada a ocorrência de inconstitucionalidade formal. Sob a óptica da inconstitucionalidade material, a referida portaria elastece o âmbito de atuação da Polícia Rodoviária Federal para áreas de interesse da União.Entende-se como área de interesse da União toda localidade cuja realização de levantamentos seja necessária para obtenção de dados ou informações que permitam a produção de conhecimentos capazes de orientar a atuação de equipes operacionais ou gestores. De se ver que, por definição, a Polícia Rodoviária Federal deverá exercer atividades de fiscalização, operação e policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento exclusivamente nas rodovias federais. A previsão de atuação da Polícia Rodoviárias Federal em área de interesse da União extravasa o conceito de policiamento ostensivo de trânsito do sistema federal de viação. Ademais, a Portaria nº 739/2019, de 3 de outubro de 2019, editada pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, ao dispor que a Polícia Rodoviária Federal participará de operações de natureza investigativa ou de inteligência, conferiu a ela atribuições inerentes à polícia judiciária, competências que extrapolam as atividades de patrulhamento da malha rodoviária federal.
Como se lê aquela decisão emanada do presidente do STF, datada de 14 de janeiro do corrente ano, mostra bem que uma portaria, norma típica secundária, não pode ultrapassar os limites de norma típica primária, a lei, editada dentro dos limites da reserva de parlamento.