Das funções e prerrogativas da Defensoria Pública.

A primazia pela solução extrajudicial dos conflitos intersubjetivos.

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O presente artigo tem por objetivo analisar a relação entre a Defensoria Pública, suas prerrogativas, seus objetivos e suas funções institucionais, e a busca pela solução menos onerosa e mais eficiente de conflitos, prezando pela solução extrajudicial.

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar a relação entre a Defensoria Pública, suas prerrogativas, seus objetivos e suas funções institucionais, e a busca pela solução menos onerosa e mais eficiente de conflitos, prezando pela autocomposição e a resolução extrajudicial das lides. Para tanto faz-se análise da legislação pertinente, especialmente a Lei Complementar 80/94, que regula e dá as diretrizes fundamentais da atuação das Defensorias Públicas, e o Novo Código de Processo Civil, que trazem consigo a primazia pela solução extrajudicial das demandas que se apresentam. Pensando na Defensoria Pública enquanto componente fundamental da engrenagem jurídico social, principalmente se pensarmos nas realizações de sessões de mediação e conciliação e na alta taxa de acordos submetidos a homologação judicial, bem como aqueles que são concebidos na forma de título executivo extrajudicial, este trabalho demonstra, de maneira geral, a importância institucional da atuação da Defensoria Pública para a eficiência e celeridade da justiça, buscando destacar sua importância na manutenção do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a Defensoria Pública, na sua missão de prestação de serviço público de assistência jurídica gratuita e integral, compõe de forma fundamental o sistema de prestação jurisdicional, ao lado do Judiciário, Ministério Público e da OAB, contribuindo de forma substancial para manutenção constitucional da Justiça.

PALAVRAS CHAVE – Defensoria, Justiça, Extrajudicial, Gratuidade, Instituição.



ABSTRACT 

This article aims to analyze the relationship between the Public Defender's Office, its prerogatives, its objectives and its institutional functions, and the search for a less costly and more efficient solution of conflicts, emphasizing self-determination and out-of-court settlement of disputes. In order to do so, it is necessary to analyze the pertinent legislation, especially Complementary Law 80/94, which regulates and gives the fundamental guidelines of the Public Defender's Office and the New Code of Civil Procedure, which bring with it the primacy of the extrajudicial solution of the demands. Thinking about the Public Defender's Office as a fundamental component of the social legal gear, especially if we think about the achievements of mediation and conciliation sessions and the high rate of agreements submitted to judicial approval, as well as those that are conceived as an extrajudicial executive title, this work demonstrates, in general, the institutional importance of the Public Defender's work for the efficiency and speed of justice, seeking to highlight its importance in maintaining the Democratic State of Law. Thus, the Public Defender's Office, in its mission of providing a public service of free and comprehensive legal assistance, fundamentally composes the system of judicial provision, alongside the Judiciary, Public Prosecutor's Office and the OAB, contributing substantially to constitutional maintenance of Justice.

KEY WORDS – Defenders, Justice, Out-of-cort, Gratuity, Institution.

1. INTRODUÇÃO

O mundo jurídico contemporâneo, especialmente pós informatização do conhecimento e globalização, vem sofrendo drásticas mudanças. Com o acesso facilitado bem como a melhor informação dos cidadãos a respeito de seus direitos, o judiciário atolou.

Os órgãos de prestação jurisdicional, especialmente o Ministério Público e o Judiciário – na verdade o Estado como um todo – não estavam preparados para receber a quantia absurda de demandas que passaram a chegar cotidianamente, tanto no tocante a sua infraestrutura quanto no que se relaciona a preparação de seus membros e servidores.

A realidade do judiciário e seu abarrotamento se tornou preocupação geral dos juristas, sendo necessária a reformulação de grande parte do ordenamento jurídico pátrio, iniciando uma nova visão dos processos de modo geral, redistribuindo o ônus da solução das demandas judiciais para todas as partes envolvidas nas lides levadas ao judiciário.

 Com o advento dessa nova forma de se enxergar as demandas judiciais, foram desenvolvidas diversas ferramentas para tentar tornar mais rápida e eficaz a prestação jurisdicional, algumas delas merecem maior repercussão, como é o caso dos juizados especiais, regidos pelos ritos sumaríssimos, os quais se destinam a demandas de menor complexidade, cujo valor da causa não ultrapasse 40 (quarenta) salários-mínimos, nos termos da lei 9099/95 e as tecnologias de auto composição, dentre as quais se destacam: mediação e conciliação.

No último caso, tivemos a implementação e estruturação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que:

 [...] devem, necessariamente, abranger três setores: setor pré-processual, setor processual e setor de cidadania (artigo 10 da Resolução CNJ n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça). Para funcionarem, os CEJUSCs devem contar, em sua estrutura, com um juiz coordenador e, eventualmente, com um adjunto, devidamente capacitados, aos quais cabe a administração dos três setores e a fiscalização do serviço de conciliadores e mediadores. Devem possuir, também, ao menos um servidor com dedicação exclusiva, capacitado em métodos consensuais de solução de conflitos, para triagem e encaminhamento adequado de casos (artigo 9º da Resolução CNJ n. 125/2010 do CNJ).

Nesse mesmo sentido, de dar celeridade e eficiência a justiça, desafogando por consequência o judiciário, tivemos o advento do Novo Código de Processo Civil, a lei 13.105 de 2015, que revolucionou o sistema jurídico pátrio e marcou a ruptura capital com o pensamento jurídico arcaico da beligerância em si mesma.

Inicialmente, o Novo Código de Processo Civil revolucionou porque se tornou a expressão maior do constitucionalismo contemporâneo, concentrando em si todas as ideias de constitucionalização do direito, dando contornos processuais ao que se iniciou no direito material, com o Código Civil de 2002.

No entanto é a sua outra face revolucionária que se aborda neste trabalho conclusivo, a redistribuição do ônus da solução da lide e a ruptura com o pensamento jurídico arcaico, que carregava consigo expressões como “paridade de armas”, para se referir a igualdade processual.

O artigo 6º, integrante do capítulo I do Novo Código de Processo Civil, intitulado “Normas Fundamentais do Processo Civil”, ilustra bem essa ideia, consolidando o Princípio da Cooperação Processual, in verbis:

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Com a missão de prestar serviço público de assistência e atendimento jurídico especializado, integral e gratuito e tendo como uma de suas principais diretrizes institucionais a solução extrajudicial de conflitos, é que se estruturam as Defensorias Públicas Estaduais e a Defensoria Pública da União.

Concretizando as afirmações acima expostas, é importante que seja citado o artigo 4º, inciso II, da lei complementar 80/94, que organiza e regulamenta a Defensoria Pública dos Estados e da União, o qual postula:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

[...]

II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;

Torna-se cristalino, frente ao exposto, que a Defensoria Pública transcende o papel de mera defesa técnica, prestando assistência jurídica integral e gratuita, nos termos da Constituição Federal – Art. 5º, LXXIV. o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – postulando então pela solução menos traumática – especialmente no que tange as causas relacionadas a infância e à família e sucessões – e onerosa a seus assistidos, buscando resultados mais rápidos e eficientes e reduzindo os custos para seus assistidos, que são, por natureza, hipossuficientes economicamente, e para o Erário.

Para tanto a Defensoria Pública, de modo geral, realiza sessões de mediação e conciliação, mobilizando assistentes sociais, psicólogos, Defensores Públicos, Assessores e Estagiários, a fim de cumprir sua missão institucional de solução célere, eficiente e menos onerosa dos conflitos que lá se apresentam.

A Defensoria pública realiza diversas negociações, seja por e-mail, telefone e muitas vezes in loco, tendo cada vez mais obtido sucesso em suas negociações, ora com instituições financeiras, operadoras de telefonia e internet, imobiliárias, seguradoras, órgãos públicos, advogados, instituições de ensino básico e superior cartórios e pessoas físicas de modo geral. Se valendo de seu prestígio (como se observa pela pesquisa citada abaixo) e de seu corpo profissional qualificado para buscar as melhores soluções possíveis para seus assistidos.

Tendo em vista o quadro que se apresenta, é notório que a Defensoria Pública desempenha importante papel nas engrenagens do Novo Processo Civil – e nos processos de modo geral – que se desenha com contornos constitucionais, no cenário jurídico brasileiro. Não por acaso a instituição foi considerada a mais importante do país em pesquisa recente encomendada pelo CNMP, reforçando o prestígio e a importância social da atuação da Defensoria Pública.

Daí a relevância temática, acadêmica e social do presente trabalho.

2.  A DEFENSORIA PÚBLICA ENQUANTO INSTITUIÇÃO DE GARANTIA AO ACESSO À JUSTIÇA: DESENVOLVIMENTO DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS.

A literatura a respeito do tema discutido no presente artigo circunda temas integralmente afetos ao Direito Público de modo geral, relacionando-se com as áreas do Direito Administrativo, Direito Civil e Processual Civil, Direito Empresarial, Direito Tributário entre outras.

Para fundamentar as conclusões a respeito do que foi trabalhado foram estruturais as contribuições de autores renomados e jovens, que publicam nas vias impressas e digitais, bem como a experiência profissional adquirida a partir da atuação como analista e assessor da Defensoria Pública do Estado de Goiás deste autor.

Inicialmente vale a pena relembrar que a Defensoria Pública, a partir da Lei Complementar 80/94, tem como uma de suas funções institucionais “promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos”, nos termos do Art. 4º, inciso II da mencionada lei.

O parágrafo 4º do dispositivo mencionado supra ainda postula que:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(...)

II - promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; 

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(...)

§ 4º O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público.

Diante das funções institucionais da Defensoria Pública e sua essencialidade, o ordenamento jurídico pátrio tem repercutido o que postula a os dispositivos supra mencionados, a exemplo do Novo Código de Processo Civil que institui enquanto títulos executivos extrajudiciais os acordos referendados por Defensor Público, dando assim executoriedade ao ato:

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: 

(…)

IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal.

De igual maneira a Constituição Federal de 1988 também elenca a importância e essencialidade da Defensoria Pública, em seu artigo 5º, Inciso LXXIV, ao tratar da obrigação estatal em prestar assistência jurídica integral e gratuita, como se nota:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Para dar a Instituição da Defensoria Pública legitimidade e aparelhá-la, possibilitando que atinja seus objetivos e cumpra suas funções institucionais, o artigo 128 da referida legislação (LC 80/94) postula as prerrogativas da Defensoria Pública, entre as quais se destaca:

Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

(…)

IX – manifestarse em autos administrativos ou judiciais por meio de cota;

X – requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições;

XI – representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais; (...).

As prerrogativas vêm, então, dar aos Membros da Defensoria Pública as ferramentas e a possibilidade de obter a resolução em todas as vias, não somente a judicial, podendo construir a solução extrajudicial da lide, inclusive pelas vias administrativas e negociais.

Fredie Didier Júnior define os equivalentes jurisdicionais como formas não jurisdicionais de solução de conflitos que funcionam como técnica de tutela de direitos, resolvendo conflitos ou certificando situações jurídicas.

A partir da definição do ilustre autor mencionado supra já é possível vislumbrar que a resolução da lide pela via extrajudicial, ou através dos chamados equivalentes jurisdicionais, significa resolução rápida, menos onerosa e sem a necessidade de intervenção estatal em questões que muitas vezes são de cunho íntimo e pessoal, o que, além de desgastante, denota extrema exposição das partes.

Nesse sentido, CAPPELLETTI (1988) elabora um rol dos principais obstáculos para o acesso à justiça, apontando para os meios alternativos de resolução de conflitos como uma possível solução para tais obstáculos.

O primeiro o obstáculo descrito é o obstáculo econômico, muitas pessoas por motivos econômicos têm pouco ou acesso têm à informação e à representação adequada. Nesta seara é possível elencar duas principais causas deste obstáculo: a) os elevados custos do processo, incluindo as despesas processuais e os honorários advocatícios que, especialmente nas  causas que envolvam pequenos valores econômicos, podem inviabilizar economicamente a causa; b) as possibilidades das partes, assim entendidas não só as disponibilidades financeiras das partes, como também a aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa.

O segundo é o obstáculo organizacional que se concretiza nas demandas que envolvem interesses difusos e coletivos. Nas palavras de CAPPELLETTI, nesta hipótese, “ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo que buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação”, uma vez que resulta em um processo judicial moroso, caro, inadequado para demandas complexas, extremamente burocrático, alheio à realidade econômica e social que o circunda. 

O terceiro obstáculo mencionado é o processual, significando que há determinados litígios para os quais o processo contencioso não é a melhor solução. 

Antes de continuar é importante que a linha de pensamento elaborada pelo autor citado – especialmente no tocante ao último obstáculo apresentado – deu origem a inúmeros mecanismos alternativos de solução de litígios como os Juizados especiais, os Centros Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), entre outros, o que ficou conhecido com a “terceira onda do direito”. Por isso é fundamental que, ao tratar das contribuições do autor seja feita a sua devida contextualização ao momento histórico ao qual o mesmo estava submetido, para que não se subestime suas contribuições.

Como vimos, entre os obstáculos que se impõem ao acesso à justiça estão os chamados “obstáculos institucionais”, em que “a insignificância da lesão ao direito, frente ao custo e à morosidade do processo, pode levar o cidadão a desistir de exercer o seu direito por ser a causa antieconômica”. Estamos diante então dos altos custos e morosidade que a solução extrajudicial de conflitos procura reduzir.

Pensando nos obstáculos acima elencados bem como os demais que se apresentam, ao pensar na Defensoria Pública e sua primazia institucional pela solução extrajudicial de conflitos, torna-se conexão plausível a da Defensoria Pública com os apontamentos de Cappelletti e Marinoni, bem como sua importância fundamental na manutenção da justiça e da constitucional.

Além de facilitar o acesso e dar mais celeridade e eficiência à justiça, a solução extrajudicial dos conflitos é também menos invasiva, prezando muito mais pela intimidade e privacidade dos assistidos que uma decisão judicial que tende a expor a uma gama muito maior de pessoas – ainda que corra em segredo de justiça, ficando inacessível online, há participação de juízes, promotores, assessores, estagiários, secretários, telefonistas, oficiais de justiça e etc – problemas que talvez careçam de um tratamento muito mais íntimo.

Fernanda Taturce, quando fala sobre o atolamento e a morosidade da prestação jurisdicional, aponta para os meios alternativos de solução de conflitos como a via mais benéficas, para ela:

Ante a ineficiência na prestação estatal da tutela jurisdicional, especialmente pelo perfil contencioso e pela pequena efetividade em termos de pacificação real das partes, os meios diferenciados vêm deixando de ser considerados ‘alternativos’ para passar a integrar a categoria de formas ‘essenciais’ de composição de conflitos (jurídicos ou sociológicos), funcionando como efetivos equivalentes jurisdicionais ante a substituição da decisão do juiz pela decisão conjunta das partes.

Nesse sentido, de que a autocomposição é a melhor solução – quando possível - para as lides, especialmente as que envolvem a área de família e as relações de vizinhança, tanto pela sua celeridade quanto por prezar pela intimidade dos envolvidos, por envolverem a cooperação das partes, é que temos os ensinamentos de CHALI, abaixo transcrito.

A solução da divergência é buscada pelos próprios envolvidos, de forma consensual, não imposta. Caminha-se pela trilha da autocomposição, no espaço da liberdade de escolha e decisão quanto á solução a ser dada ao conflito. O terceiro, quando aqui comparece, funciona como um intermediário ou facilitador da aproximação e comunicação entre as partes, instigando a reflexão de cada qual sobre o conflito, sua origem e repercussões, para que estas, voluntariamente, cheguem a um consenso ou reequilíbrio da relação.

Ainda sobre a ideia de manutenção e primazia pela intimidade e privacidade das partes, bem como no que tange às benesses da autocomposição e da cooperação no processo, o mesmo autor nos diz: 

O conciliador, seja Juiz ou não, fica na superfície do conflito, sem adentrar nas relações intersubjetivas, nos fatores que desencadearam o litígio, focando mais as vantagens de um acordo onde cada um cede um pouco, para sair do problema. Não há preocupação de ir com maior profundidade nas questões subjetivas, emocionais, nos fatores que desencadearam o conflito, pois isso demandaria sair da esfera dogmática jurídica, dos limites objetivos da controvérsia.

Desta maneira o papel da Defensoria Pública na mediação e conciliação dos conflitos, bem como negociação, é de crucial importância para atingir da melhor maneira possível os interesses de seus assistidos, bem como fazê-lo com o menor custo possível, seja esse custo financeiro ou emocional, o que se demonstra obrigatório, por se tratarem de pessoas hipossuficientes e que, na imensa maioria das vezes, vêm de realidades que danificam e maltratam os seus lados psicológicos e emocionais.

Nessa perspectiva há de se elogiar e prestar as devidas honras a instituição da Defensoria Pública, que além de contribuir para o desafogamento do judiciário, ainda tem papel fundamental no enraizamento de uma cultura de paz na seara processual brasileira, fortalecendo os princípios da Constituição Federal e do Novo Código de Processo Civil.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância da Defensoria Pública ao julgar a constitucionalidade de uma lei estadual do Rio de Janeiro que disciplinava a homologação judicial firmado pela Defensoria Pública.

Na ADI 2.922 Rio de Janeiro, relativamente a Lei 1.504/1989, do Estado do Rio de Janeiro, que disciplina a homologação judicial de acordo alimentar firmado com a intervenção da Defensoria Pública, disse o Ministro Gilmar Mendes:

Relembro, por fim, que a assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública abrange não apenas a defesa em juízo, mas todas as formas de serviços jurídicos, judiciais e extrajudiciais.

A vertente extrajudicial da assistência jurídica permite a prestação de orientações (informação em direito), a realização de mediações, conciliações e arbitragem (resolução alternativa de litígios), entre outros serviços, evitando, muitas vezes, a propositura de ações judiciais. 

Tudo isso vai ao encontro da desjudicialização e desburocratização da efetivação dos direitos, uma nova faceta do movimento pelo acesso à justiça (Cf. Programa de Governo 13 Conselho Nacional Justiça. Resolução Nº 125/10 para Democratização do Acesso à Justiça e Fortalecimento da Defensoria Pública, elaborado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos)

Importante ressaltar que a previsão legal em lei estadual, como se nota, é anterior a vigência do Novo Código de Processo Civil, que é de 2015.

As considerações do Ilustre Relator, em que pese as discordâncias pessoais, jurídicas e as críticas a sua recente atuação, se harmonizam de forma quase perfeita a esse trabalho, pensando justamente na prestação de assistência jurídica gratuita e integral, nas diversas áreas e pelas diversas vias de solução de conflito, por parte da Defensoria Pública.

Diante das considerações construídas ao longo do capítulo, podemos concluir que além de se tratar de função institucional da Defensoria Pública, a solução extrajudicial dos conflitos também é estrutural para concretizar os objetivos elencados no Art. 3º-A, da Lei Complementar 80/94, in verbis: 

Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública:

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; 

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; 

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e 

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Há ainda que se ressaltar o postulado do artigo 134, também da Lei Complementar 80/94 que trata da essencialidade da Defensoria Pública para a manutenção do Estado Democrático de Direito, apontando como uma de suas incumbências a prestação jurisdicional em todos os graus, inclusive o extrajudicial, conforme se vê:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal (grifo nosso).

Frente ao exposto e construído ao longo das considerações deste capítulo torna-se cristalino que a atuação da Defensoria Pública é a concretização e efetivação do direito humano e fundamental a ampla defesa e, mais estritamente, a defesa técnica, nos termos da Constituição Federal.

Deste modo, nota-se, a partir da junção dos objetivos da Defensoria Pública, sua função institucional, suas prerrogativas e sua caracterização enquanto instituição – descritos nos artigos 3º-A, 4º, 128 e 134, e parágrafos e incisos, da Lei Complementar 80/94 – que para atingi-los de forma harmônica, atuação dos seus membros e servidores deve passar, obrigatoriamente, pela tentativa da solução extrajudicial dos conflitos e que, de modo geral, a litigância judicial deve, especialmente no âmbito da Defensoria Pública, deixar de ser a regra e passar a ser a exceção, reduzindo o desgaste financeiro, psicológico e emocional de seus assistidos.

3.  CONCLUSÃO

Após o intenso debate e apontamentos, frente ao quadro delineado pelas ideias expostas, infere-se aqui algumas ideias conclusivas sem a pretensão de esgotar tema tão vasto e rico, mas para pontuar o que se pretendeu construir ao longo do desenvolvimento do trabalho.

O objetivo geral do trabalho, de demonstrar como a Defensoria Pública, em sua primazia pela solução extrajudicial dos conflitos intersubjetivos, compõe engrenagem fundamental para manutenção do ordenamento jurídico pátrio, não deixou dúvidas sobre a real importância da instituição.

A pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a alta taxa de resolução de conflitos pela via extrajudicial e o número de assistidos pela Defensoria Pública deixam bastante claro o prestígio social do qual goza a instituição, tendo hoje a confiança da população e das instituições públicas e privadas, judiciais ou não.

Nesse sentido, pensando sob a nova ótica processual e a tendência de mudança na cultura jurídica brasileira, deixando para trás a ideia de conflito – paridade de armas – e passando para uma cultura de paz processual, pautado pelo princípio da Cooperação Processual, em que as partes devem estar igualmente comprometidas com a solução da lide, a Defensoria ganhar ainda mais importância no cenário do Estado Democrático de Direito.

Ao primar pela via extrajudicial, a Defensoria reduz o número de demandas judiciais, onera infinitamente menos o erário e principalmente seus assistidos, que por natureza são hipossuficientes, ônus esse que, em caso processo judicial, é muito mais de financeiro, é também emocional e psicológico. Protegendo assim a intimidade e a privacidade de seu assistido.

Além de reduzir o desgaste financeiro, emocional e psicológico de seus assistidos, a primazia pela solução extrajudicial dos conflitos dá também maior eficiência e celeridade para a resolução das demandas apresentadas.

Desta forma, não por acaso, todas as diretrizes da instauração da Defensoria Pública apontam para essa primazia, suas prerrogativas, seus objetivos, suas funções institucionais e todos seus institutos, dando aos seus membros e servidores o amparo legal para sua atuação e concretização.

Assim, conforme a linha de pensamento construída durante todo o trabalho, a Defensoria Pública, ao cumprir seu dever de prestação de serviço público de assistência jurídica integral e gratuita, tem um papel que transcende a mera defesa técnica, sendo instrumento de efetivação do direito humano, fundamental e constitucional de acesso à justiça.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20/10/2018.


BRASIL. Presidência da República. Lei Federal no 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 20/10/ 2018.


BRASIL. Presidência da República. LEI COMPLEMENTAR No 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 12 DE JANEIRO DE 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm> Acesso em: 20/10/2018.


CAPPELLETTI, Mauro e Bryant Garth. Acesso à justiça; tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CAHALI, Franscisco José. Curso de Arbitragem. 2a ed. São Paulo: RT, 2012.
 

Como funcionam os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao-portal-da-conciliacao/perguntas-frequentes/politica-judiciaria-nacional- nupemecs-e-cejuscs/85642-como-funcionam-os-cejuscs> Acesso em: 30/10/2018.

Defensoria Pública é a instituição mais importante do País, diz pesquisa. Disponível em: <https://istoe.com.br/defensoria-publica-e-a-instituicao-mais-importante-do-pais-diz-pesquisa/>. Acesso em: 3010/2018.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 40.


TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 148-149.

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Sobre o autor
Philipe Anatole Gonçalves Tolentino

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2017), especialista em Direito Público pela Unyleya (DF), Menstrando em Direitos Humanos na Universidade Federal de Goiás, atuou como Vigilante Penitenciário (2014 - 2016), ocupou a função de Téc. Administrativo da SANEAGO - Saneamento de Goiás S.A., atualmente é Advogado (OAB/GO 54. 758) e Assessor Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), também é professor no curso superior de Gestão em Segurança Pública em diversas IES, na cadeira de Direito Público. Integrante do Grupo Goiano de Criminologia-Crimideia e colaborador do projeto de pesquisa Além das Grades durante a graduação. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Criminologia, Direito Penal e Direitos Humanos.

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Este trabalho foi apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Público, aprovado com nota máxima mediante comunicação oral e apresentação do texto.

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