Mediação na alienação parental como instrumento atenuador das consequências traumáticas e de manutenção dos vínculos afetivos

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A mediação, na alienação parental, se mostra o instrumento mais eficaz para afastamento da litigiosidade e atenuação das consequências traumáticas, sendo decisiva na tentativa de manutenção dos vínculos afetivos familiares.

O espaço familiar é densamente carregado de conflitos. Alguns deles são motivados pela conquista de espaços que garantam o amor, o reconhecimento e a proteção, necessidades básicas da condição humana. O nível de intimidade e de disputa dos afetos estimula sentimentos ambíguos de amor e ódio, aliança e competição, proteção e domínio entre todos os membros de uma família. Pais e mãesnem sempre são amorosos e protetores. Podem também podem ser cruéis com seus filhos, assim como entre si.1

O número de crianças e adolescentes filhos de pais separados é crescente. E em certos casos há uma confusão entre o rompimento da conjugalidade e da parentalidade.

Em muitos rompimentos da conjugalidade evidenciam-se comportamentos hostis e agressivos de um ou ambos os cônjuges. Em meio a esse impasse encontram-se os filhos, que passam a ser objetos de disputa.

A alienação parental é uma ligação de acentuada dependência e submissão do sujeito criança/adolescente ao genitor, avós ou quem detêm a guarda, o qual dificulta ou impede o contato entre o genitor “não guardião” e aquele, causando o afastamento e o desapego entre esses. Em geral ela ocorre por meio de falas depreciativas e humilhantes em relação ao “não guardião”, gerando na criança/adolescente medo, insegurança, inibições e até horror em aproximar-se daquele.2

São formas exemplificativas de alienação parental, que pode ser praticada diretamente ou com auxílio de terceiros: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.3  

A prática de alienação parental fere o direito fundamental da criança ou do adolescente à convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar. Constitui, ainda, abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. Esse é o teor do artigo 3ºda Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010.4

Nesse ponto convém lembrar do princípio do melhor interesse da criança, fundado no artigo 227 da Constituição de 1988, que traz o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.5

Referido princípio guarda estreita relação com o da responsabilidade familiar, pois a família possui a responsabilidade com a formação integral da criança, em respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento. Cabe à família a promoção dos integrantes das relações familiares e a realização de atos que assegurem as condições de vida digna das atuais e futuras gerações, de natureza positiva. A família, mais que qualquer outro organismo social, carrega consigo o compromisso com o futuro, por ser o mais importante espaço dinâmico de realização existencial da pessoa humana e de integração das gerações.6

Não se pode mostrar insensível às dificuldades das crianças/adolescentes que vivenciam situações de alienação parental, com conflitos de lealdade, sentimentos de traição, medo, abandono e desamparo.7

A transformação desse conflito se mostra fundamental e decisivo na manutenção dos vínculos afetivos familiares, que são de caráter contínuo. 8

O Judiciário e os institutos tradicionais dos quais ele dispõe quanto à abordagem dos conflitos familiares nem sempre são adequados à transformação desse conflito.

Em muitas vezes os processos judiciais tradicionais geram efeitos traumáticos, com a cronificação dos conflitos e o rompimento das relações familiares. Isso porque os conflitos em muito ultrapassam o aparente objeto das lides, demandando a aplicação de outros institutos. Nessa esteira, a mediação ganha lugar privilegiado na tarefa de fortalecer e restaurar as relações familiares.9

Com efeito, a resolução do processo jurídico nem sempre implica a resolução do processo psicológico. Os processos jurídicos e psicológicos não começam e terminam ao mesmo tempo, ainda que sejam coimplicados. Há a possibilidade de a sentença que põe fim ao processo judicial não finalizar o processo psicológico, o qual pode ter iniciado bem antes da ação jurídica.10

E mais, em certos casos o conflito não é uma disputa ou demanda por um bem, mas o resultado de uma percepção diferente do mundo, ou um desejo de ser amado, receber carinho, desejos que não podem ser quantificados, que envolvem sentimentos. Nesses casos, os modelos tradicionais de disputa, de demanda, falham porque há conflito sem haver propriamente uma disputa, uma demanda.11

É por isso que se faz necessário fortalecer o diálogo, facilitando a transformação do conflito e focando nas necessidades dos filhos, atenuando as consequências traumáticas. 

A mediação pode ser esse método adequado para tornar a comunicação entre os pais efetiva, evitando a escalada do conflito, que pode advir, acarretar ou até ampliar a alienação parental ou falsas denúncias.12 Por meio da mediação, deixa-se de procurar culpados para se buscar interesses comuns; em vez de serem adversários, os mediandos percebem que podem ser aliados.13

A metodologia da mediação procura dar às pessoas autonomia e autodeterminação, conferindo-lhes a liberdade de decidir. Ao trabalhar com ambas as partes – ao contrário da prática jurídica adversarial – e resgatar a responsabilidade de cada uma pela situação geradora do conflito, permite que, feitos os devidos reparos, elas consigam se comunicar e buscar formas pacíficas de obter o que considerarem justo na solução do enfrentamento.14

O foco da mediação é a comunicação e não a realização de acordo. É por isso que se afirma que o acordo ao final de um processo de mediação é secundário, sendo prioridade aprender uma nova forma de abordagem nas situações de conflito, ou seja, promover mudanças de caráter qualitativo no relacionamento interpessoal que se estenderiam para outras situações conflitantes da vida cotidiana.15

Assim, os mediandos, ao participarem da mediação, assumem a autoria das suas vidas, esforçam-se para a coconstrução do entendimento, compartilham responsabilidades e afastam a litigiosidade, demonstrando a preferência pela tomada da decisão conjunta e pacífica.

Por isso é que se conclui que a mediação, na alienação parental, se mostra o instrumento maiseficaz para afastamento da litigiosidade e atenuação das consequências traumáticas, sendo decisiva na tentativa de manutenção dos vínculos afetivos familiares.

1MUSZKAT, Malvina Ester et. alMediação familiar transdisciplinar. São Paulo: Summus Editorial, 2008, p.34.

2DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. Mediação na alienação parental: a psicanálise com crianças no Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 45.

3BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm. Acesso em: 13 mar. 2018.

4Idem.

5BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 15 fev. 2018.

6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito de Família e os princípios constitucionais. In PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coordenador).Tratado de Direito das Famílias. 2ª Ed. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, p. 126.

7Idem, p. 159.

8Ibidem, p. 159.

9 GROENINGA, Giselle Câmara. Conceitos da Psicanálise contribuem para melhorar o Direito de Família. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2015-mar-22/processo-familiar-conceitos-psicanalise-contribuem-direito-familia. Acesso em: 20 fev. 2018.

10TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.Apud CUNICO, Sabrina Daiana et. alPsicologia e mediação familiar em um núcleo de assistência judiciária. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000200004. Acesso em 03 março 2018.

11DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. Mediação na alienação parental: a psicanálise com crianças no Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 24.

12BERALDO, Anna de Moraes Salles; MANDELBAUM, Helena Gurfinkel. In PARKINSON, Lisa. Mediação familiar. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2016, p. 08.

13Idem, p. 24-25.

14MUSZKAT, Malvina Ester et. alMediação familiar transdisciplinar. São Paulo: Summus Editorial, 2008, p.22.

15MUSZKAT, Malvina Ester et. al. Mediação familiar transdisciplinar. São Paulo: Summus Editorial, 2008, p.60.

Sobre a autora
Isabela Dechiche Libâneo Sorvos

Defensora Pública com atuação na área da família. Pós graduada em Direito Processual Civil. Pós graduação em Direito Público. Pós graduada em Direito do Consumidor. Pós graduada em Direito de Família.

Informações sobre o texto

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