O PODER JUDICIÁRIO E A CORREÇÃO DE PROVAS

23/01/2020 às 14:06
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA POSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO ANALISAR QUESTÕES FORMULADAS EM CONCURSO PÚBLICO E VESTIBULARES PROMOVIDOS POR ENTIDADES PÚBLICAS.

O PODER JUDICIÁRIO E A CORREÇÃO DE PROVAS

Rogério Tadeu Romano

 

Segundo informou a Folha, em seu site, no dia 22 de janeiro do corrente ano, “a ameaça de uma onda de ações judiciais com questionamentos ao Enem 2019 preocupa a alta cúpula do MEC (Ministério da Educação). O motivo é a insatisfação de estudantes com a correção das provas.

governo Jair Bolsonaro até correu para dar respostas aos erros encontrados nas notas na avaliação deste ano. O problema, diz a gestão, está solucionado.

Procuradorias federais, porém, têm recebido uma enxurrada de representações de participantes. Eles contestam a solução dada pelo governo e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

Essa movimentação dos estudantes coloca o ministério comandado por Abraham Weintraub e o órgão responsável pela aplicação do Enem em alerta.”

O Ministério Público Federal (MPF) recebeu, até o dia 22 de janeiro do corrente ano, 250 representações de cidadãos que pedem apurações sobre o erro na correção de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por causa da falha, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão recomendou ao governo suspender o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que reúne vagas do ensino superior público. Nessa plataforma online, os candidatos podem tentar ingresso nas universidades com a nota da prova.

O Ministério da Educação (MEC) tem dito que nenhum estudante foi prejudicado e que vai dar, em breve, todos os esclarecimentos ao MPF. Segundo a pasta, houve erro em 5.974 provas, de 3,9 milhões participantes da última edição da prova.

As falhas, alega o governo federal, ficaram concentradas em cidades do interior de Minas e da Bahia. O MEC atribuiu a inconsistência nas notas a um problema técnico da impressão das provas e diz que as notas já foram corrigidas.

O ideal será que o Parquet reúna um grupo de trabalho que seja subordinado à Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos no intuito de evitar difusão e decisões confrontantes em eventuais demandas e, ao fim, em nome da segurança jurídica, entenda de tomar as decisões cabíveis.

Necessário ver os limites de atuação do Poder Judiciário nesses casos de correção de provas.

Conforme orientação do Supremo Tribunal Federal, não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade do concurso público, substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas a elas, quando tais critérios tiverem sido exigidos de modo imparcial de todos os candidatos (MS 21.176/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 19.12.1990; RE 140.242/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 21.11.1997; RE 268.244/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 30.6.2000; RE-Agr 243.056/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 6.4.2001).

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível primo ictu oculi, de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva de concurso público.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS PÚBLICOS. PROVA PRELIMINAR (EDITAL nº 02/2004 – CPCIRSNR). CRITÉRIOS DE CORREÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE QUESTÕES.1. O Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora, tampouco se imiscuir nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas, porquanto sua atuação cinge-se ao controle jurisdicional da legalidade do concurso público. Precedentes da Corte: RMS 26.735/MG, Segunda Turma, DJ 19.06.2008; RMS 21.617/ES, Sexta Turma, DJ 16.06.2008; AgRg no RMS 20.200/PA, Quinta Turma, DJ 17.12.2007; RMS 22.438/RS, Primeira Turma, DJ 25.10.2007 e RMS 21.781/RS, Primeira Turma, DJ 29.06.2007.2. In casu, a pretensão engendrada no mandado de segurança ab origine, qual seja, invalidação da questão nº 23 da prova de Conhecimentos Gerais de Direito, esbarra em óbice intransponível, consubstanciado na ausência de direito líquido e certo, uma vez que o Poder Judiciário não pode se imiscuir nos critérios de correção de provas, além do fato de que o desprovimento do recurso administrativo in foco decorreu da estrita observância dos critérios estabelecidos no edital que rege o certame, fato que, evidentemente, revela a ausência de ilegalidade e, a fortiori, afasta o controle judicial.3. Recurso ordinário desprovido.(RMS 19615/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 03/11/2008).

RECURSO ORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REEXAME, PELO PODER JUDICIÁRIO, DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DAS QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. QUESITO SOBRE A EC 45/2004, EDITADA POSTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DO EDITAL. VIABILIDADE DA EXIGÊNCIA. PRECEDENTES.1. No que refere à possibilidade de anulação de questões de provas de concursos públicos, firmou-se na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas. Com efeito, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pela sua análise.2. Excepcionalmente, contudo, em havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, por ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade.3. No caso em apreço, a parte impetrante, ao alegar a incorreção no gabarito das questões 06, 11 e 30 da prova objetiva, busca o reexame, pelo Poder Judiciário, dos critérios de avaliação adotados pela banca examinadora, o que não se admite, consoante a mencionada orientação jurisprudencial.4. Previsto no edital o tema alusivo ao "Poder Judiciário", o questionamento sobre a Emenda Constitucional 45/2004 - promulgada justamente com o objetivo de alterar a estrutura do judiciário pátrio - evidentemente não contempla situação de flagrante divergência entre a formulação contida nas questões 27 e 28 do exame objetivo e o programa de disciplinas previsto no instrumento convocatório.5. Além disso, esta Casa possui entendimento no sentido da legitimidade da exigência, pela banca examinadora de concurso público, de legislação superveniente à publicação do edital, quando este não veda expressamente tal cobrança.6. Recurso ordinário improvido.(RMS 21.617/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 16/06/2008).

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A justiça ou injustiça da decisão da comissão é matéria de mérito do ato administrativo, sujeita à discricionariedade técnica da autoridade administrativa.

Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame (EREsp. 338.055/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 15.12.2003).

“Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário.” Esta tese de repercussão geral foi fixada pelo Plenário do  Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 632853. Por maioria de votos, os ministros reafirmaram jurisprudência do Tribunal e assentaram que, apenas em casos de flagrante ilegalidade ou inconstitucionalidade, a Justiça poderá ingressar no mérito administrativo para rever critérios de correção e de avaliação impostos pela banca examinadora.

O relator do RE 632853, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que a jurisprudência do STF é antiga no sentido de que o Poder Judiciário não pode realizar o controle jurisdicional sobre o mérito de questões de concurso público. O ministro destacou que a reserva de administração impede que o Judiciário substitua banca examinadora de concurso, por ser um espaço que não é suscetível de controle externo, a não ser nos casos de ilegalidade ou inconstitucionalidade. No entendimento do ministro, a jurisprudência do STF permite apenas que se verifique se o conteúdo das questões corresponde ao previsto no edital, sem entrar no mérito. Segundo ele, no caso dos autos, houve indevido ingresso do Judiciário na correção das provas.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Teori Zavascki observou que a interferência do Judiciário em concursos públicos deve ser mínima, pois se os critérios da banca forem modificados com fundamento em reclamação de uma parcela dos candidatos, todos os outros concorrentes serão afetados, violando o princípio da isonomia. O ministro ressaltou que, ao determinar a correção de questões, especialmente em áreas fora do campo jurídico, o juiz precisaria substituir a banca por pessoa de sua escolha, pois não é especialista no assunto.

 Não compete ao Judiciário apreciar os critérios usados pela Administração na formulação, correção e atribuição de notas nas provas de concurso público.

É proibido o exame dos critérios de formulação de questões, de correção de provas e de atribuição de notas aos candidatos, matérias cuja responsabilidade é da banca examinadora.

Por certo a Administração, desde o edital, deve apresentar regras precisas para avaliação objetiva da prova do candidato.

É indispensável que a Banca Examinadora adote critérios de correção objetivos para que seja cumprida a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos e, sobretudo, para que o candidato tenha condições de exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa quando utilizar o recurso administrativo para impugnar a correção da prova discursiva.

Vale ressaltar que a adoção de critérios objetivos permite assegurar o respeito aos princípios da isonomia, impessoalidade, segurança jurídica, moralidade e eficiência, pois candidatos que demonstrarem o mesmo desempenho na prova não poderão receber notas diferenciadas.
Inclusive, o próprio Superior Tribunal de Justiça já analisou a matéria, reconhecendo que é ilegal a correção de prova discursiva sem critérios objetivos, de acordo com a seguinte ementa jurisprudencial: STJ – EDcl no RMS: 33825 SC 2011/0037272-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 08/11/2011, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2011.

Assim sendo, o candidato tem o direito de saber os motivos dos descontos na nota da prova discursiva, é necessário que ela seja discriminada e que os descontos sejam justificados. Ele deve ter aceso aos motivos que o fizeram perder pontos. Ele tem direito de saber os porquês dos descontos, amparado nos princípios da motivação, do contraditório, na jurisprudência e doutrina.
Por isso, é obrigatório que a Banca Examinadora indique na correção da prova discursiva os motivos que ensejaram a retirada de pontos, deixando bem claro o que há de errado na resposta apresentada pelo candidato para que este tenha conhecimento das razões que deram causa à sua nota.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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