A liberdade de expressão (art.5º, IV e IX, da Constituição Federal) é um direito antigo e consagrado pela história, o que não afastou sua violação nas últimas décadas. Uma das formas comumente utilizadas no Brasil, principalmente em períodos ditatoriais, era a censura prévia. Tal meio de restrição foi utilizado desde a época colonial, mas viu sua institucionalização no Estado Novo de Vargas, desenvolvendo-se ao longo da história moderna (COSTA, 2013, p.47). É necessário, porém, tratar do surgimento dessa figura no atual panorama de redemocratização, após décadas de regime militar, analisando os regramentos da Constituição de 1988, considerando a opinião da doutrina e os entendimentos jurisprudenciais, de forma a desaguar numa visão mais ampla da liberdade de expressão e da vedação à censura, especialmente a prévia. Tema atual e recorrente em vários discursos da área do direito, a censura prévia traduz-se em poder demasiadamente amplo ao Estado, que, como bem experimentou a história brasileira, causa a prevalência de alguns em detrimento do direito de todos. Diriam alguns hoje, como Celso Vieira, chefe do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda do Distrito Federal, em 1936, como citado por Maria Cristina Castilho Costa, que a censura não é um meio violento restritivo da liberdade, mas, um remédio preventivo de que lança mão a autoridade pública, no legítimo exercício de sua defesa própria, constituindo-se dever precípuo e máximo das autoridades constituídas. ” (COSTA, 2013, p.47), ou seja, que se trata de meio útil a um controle dos discursos hodiernos, a fim de mesmo colocar obstáculos a discursos que não mais coadunam com as visões da sociedade contemporânea. A ideia, a princípio, encontra alguma justificação moral e social, mas não pode se manter, visto que sua utilização ficaria aos sabores e dissabores do subjetivismo dos que exercem o poder, transformando-se em ferramenta para perseguições políticas, como tantas vezes ocorreu no Brasil. Especificamente, quando se trata da imprensa, muito se fez para censurar, e, atualmente, são várias as decisões judiciais que determinam a proibição de veicular determinados conteúdos, antes mesmo de serem publicados. Nesse sentido, veja-se o caso-base para a Reclamação (RCL) 16.074, julgada procedente pelo Ministro Celso de Melo, para anular decisão de juiz paulista que proibia a divulgação de qualquer informação que dissesse respeito a Luiz Eduardo Bottura. Não se trata, porém, de decisão isolada no Supremo Tribunal Federal, mas que acompanha a tese de inaplicabilidade de censuras prévias em todos os campos, inclusive no eleitoral, como se deliberou em nível abstrato nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4451 – sátiras com candidatos nas eleições – e 4815 – biografias não-autorizadas. Por fim, cabe dizer que de nenhuma forma a vedação à censura prévia acarreta a impunidade e o abuso dos discursos, visto que a legislação dá o direito de resposta e a reparação do dano moral ou material decorrente da violação de direitos (art.5º, V, CF e arts. 12,17, 18, 20 e 21, do Código Civil, entre outros). A legislação penal prevê a punição dos crimes contra a honra e da violação de sigilo legalmente estabelecido (IBCCRIM, 2009). Ainda, tem-se expressa criminalização da incitação ou apologia ao crime/criminoso, em âmbito penal geral (arts.286 e 287, do Código Penal), e a tipificação da pratica e do estimulo ao racismo, estabelecida pela Lei 7.716/89, no que coadunou o julgamento do Pretório Excelso no Caso Ellwanger (HC 82.424/RS), considerado um dos mais importantes precedentes do tribunal sobre o tema (NOVELINO,2017, p.361). Dessa forma, é de se dizer que, mesmo nos casos de risco de dano ou perigo, não há justificativa constitucional para a censura institucional do discurso (NOVELINO, 2017, p.358). Concluindo, a censura prévia é ato recorrente nos meios judiciais atuais, trazendo, como que em reminiscência, atos de tempos ditatoriais do Brasil, que cerceiam o direito de livremente se exprimir e acaba por servir de meio para perseguições ideológicas e políticas para o entendimento subjetivo de cada julgador. A partir dessa constatação, entende-se justo discutir e reafirmar, na doutrina e na jurisprudência, que a liberdade de expressão é direito fundamental e deve ser exercido em sua plenitude, com as devidas restrições cabíveis, quanto a seus abusos, mas sem qualquer forma de prévia licença ou censura.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 1ª. ed. Brasília: Senado Federal – Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. In: Código Civil e normas correlatas. 9 ed. Brasília: Senado Federal – Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
COSTA, Maria Cristina Castilho. Liberdade de expressão: como lutar por ela. Revista do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP, São Paulo, ano XVIII, n.2, p.43-50, jul./dez.2013.
IBCCRIM. Editorial – Imprensa e censura prévia judicial. Boletim - 202 - setembro/2009. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/boletim_editorial/239-202-Setembro-2009. Acesso em: 09/07/2018.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.